O paradoxo do perfume

  • Aromas em Palavras
  • Publicado em 31 de janeiro de 2019 às 10:41
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:11
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Sabemos que o poder associativo do perfume é extremamente forte, conhecemos sua ligação íntima com a memória e a emoção, e sabemos que significados olfativos existem em certas circunstâncias. A partir disso, parece lógico que uma linguagem olfativa confiável possa existir, para que consigamos expressar em palavras literais o que estamos sentindo naquele frasco. No entanto, um problema impede qualquer tentativa de construir um sistema de sinal olfativo coerente.

A grande questão gira em torno da ideia de linguagem de perfumaria, ela é construída em cima de fatores como repetição, associação, familiaridade e expectativas. Por exemplo, duas pessoas conversando podem ter sotaques diferentes, mas você ainda pode entender os mesmos códigos que estão usando para produzir sons suficientemente parecidos, de modo que consigam se entender, já os ‘acentos’ do olfato são muito amplos. Muitas coisas podem influenciá-los, como: a temperatura do ambiente, a velocidade do vento, outros cheiros ao redor, o muco nasal, experiência de infância, o nível de saúde da pessoa que o sente, ou até mesmo a expressão combinada pelo neuro sinal de receptores no nariz.

Outra forma de explicar por que os sistemas de sinais e conceitos complexos são tão difíceis de formar na perfumaria, seria porque eles são impessoais e austeros aos seus referentes. Uma árvore real, por exemplo, não tem nada a ver com a palavra árvore. O significante, o significado e o referente estão separados, mas substituem-se por metáfora. Quando essas relações são complicadas, como muitas vezes são nas artes, então algo estranho acontece em um nível teórico que afeta a experiência e compreensão no geral.

Considere o que acontece quando um pintor aplica tinta em uma tela com a única intenção de mostrar as qualidade da pintura e como a tinta funciona sob diferentes circunstâncias. Ou quando um escultor usa barro para moldar uma forma que não tem referência ao nosso mundo visual da vida real, não representa um objeto nem uma figura, e não tem outro tema senão mostrar a argila do barro. O significado então reside em pura subjetividade e na bagagem que você mesmo tem para ajudar nessa interpretação. Da mesma forma, os sistemas de sinais da perfumaria estão quase sempre fechados, no sentido de que estamos usando materiais para representar sua materialidade, o que pode explicar por que ainda não inventamos uma linguagem olfativa que posa transmitir conceitos amplos.

Eu não acredito que chegará um momento exato em que conseguiremos tornar a área olfativa, de maneira geral, significativa em palavras literais. Mas tenho certeza, que a evolução e o desenvolvimento desse nicho provavelmente envolverá fragrâncias mais específicas para momentos ainda mais específicos de nossas vidas e as escolhas serão definidas com maior conhecimento nos processos da perfumaria, o que ajudará no reconhecimento de suas notas.

*Esta coluna é semanal e atualizada às quintas-feiras.


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