Cientistas buscam no laboratório descobrir como surge a empatia

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 28 de abril de 2019 às 11:28
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:31
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Os resultados do estudo podem ajudar na criação de estratégias para estimular esse comportamento em sociedade

Para um dos psicólogos mais conceituados da história, a empatia é muito
mais do que um sentimento, ela é um processo. Carl Rogers, um dos precursores
da abordagem humanista da psicologia, defendia que o modo empático é complexo,
pois exige “penetrar no mundo perceptivo de outra pessoa e se sentir em casa”.

A profundidade dessa aptidão, defendida há décadas pelo estudioso
norte-americano, foi reforçada em dois estudos científicos realizados
recentemente. Em um deles, pesquisadores observaram que a empatia é, muitas
vezes, inconscientemente evitada por causa do esforço mental que exige do
indivíduo.

Já uma segunda análise, mostra que a ação empática de poucos pode “espalhar”
esse sentimento em grupos. Para especialistas, os novos dados podem ajudar em
estratégias que ajudem a impulsionar esse tipo de atitude altruísta na
sociedade.

A empatia, a capacidade de compreender os sentimentos de outra
pessoa, é vista como uma virtude, pois encoraja comportamentos de ajuda. Mas,
de acordo com os cientistas, existe uma suspeita de que as pessoas geralmente
não querem ser empáticas. “Há uma suposição comum de que os indivíduos sufocam
sentimentos de empatia porque podem ser deprimentes ou dispendiosos, como fazer
doações para caridade”, explicou ao Correio Daryl Cameron, pesquisador da
Universidade de Penn State, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo
publicado na revista Journal of Experimental Psychology: General. “Nesse
estudo, descobrimos que as pessoas basicamente não querem fazer o esforço
mental para sentir empatia em relação aos outros, mesmo quando isso envolve
emoções positivas”, ressaltou o cientista.

Cameron e sua equipe chegaram a essa conclusão após realizar 11
experimentos com mais de 1.200 participantes. Nas análises, os especialistas
projetaram uma “Tarefa de Seleção de Empatia” para testar se os custos
cognitivos, ou o esforço mental, poderiam deter a empatia. Durante uma série de
testes, os pesquisadores usaram dois baralhos de cartas, cada um com fotos
sombrias de crianças refugiadas. Para um monte de cartas, os participantes
foram orientados apenas a descrever as características físicas da pessoa na
imagem. Para o outro, eles foram instruídos a tentar sentir empatia por quem
estava na foto, ao pensar sobre o que ela estava sentindo. Os participantes
foram estimulados a escolher livremente qualquer grupo de cartas em cada
tentativa.

Em algumas práticas adicionais, os pesquisadores também usaram cartas
que apresentavam imagens de pessoas tristes e sorridentes. Em todas as etapas
dessa fase, o resultado foi o mesmo. Quando dada a escolha entre as cartas, os
participantes optavam constantemente pelos montes que não exigiam sentir
empatia. “Vimos uma forte preferência para evitar a empatia, mesmo quando
alguém estava expressando alegria”, observou Cameron.

Em todos os experimentos, os participantes escolheram a empatia em 35%
do tempo, em média, mostrando uma forte preferência pelo baralho que não exigia
sintonia. Em respostas coletadas depois dos testes, os pesquisadores ouviram
justificativas dos participantes que evitaram o exercício empático. “Grande
parte desses voluntários ressaltou que essa tarefa era mais desafiadora
cognitivamente, e eles se sentiam menos confortáveis nessa situação do que
quando apenas descreviam as características físicas de outras pessoas”,
detalhou Cameron.

Incentivo

Apesar de os dados iniciais mostrarem a atividade cognitiva como
um empecilho para a empatia, os cientistas observaram que é possível driblar
essa barreira. “As pessoas podem ser encorajadas a sentir empatia se acham que
são boas nisso? Foi o que tentamos observar”, explicou Cameron. 

Em dois
experimentos, metade dos participantes foram informados de que eram melhores
que 95% dos outros em níveis de empatia,  e 50% melhores ao descrever as
características físicas objetivas, enquanto o outro grupo foi informado do
contrário. Como resultado, os participantes que foram informados de que eram
bons em sentir empatia selecionaram mais cartas do baralho que exigiu o
exercício da afinidade. “Se podemos mudar as motivações das pessoas para se
engajar em empatia, então, isso pode ser uma boa notícia para a sociedade como
um todo. Isso poderia encorajar as pessoas a se aproximarem de grupos que
precisam de ajuda, como imigrantes, refugiados e vítimas de desastres naturais”,
enfatizou Cameron.

Em um segundo estudo, realizado por cientistas da Universidade da
Pensilvânia, nos Estados Unidos, os cientistas utilizaram a teoria do jogos
(análise de probabilidade) para analisar a empatia. Os pesquisadores aplicaram
uma série de questionários, com situações hipotéticas que testaram a atividade
empática, para mais de mil entrevistados. Ao fim dos testes, eles observaram
que a maioria das pessoas é mais propensa a ajudar alguém que considera “bom”
do que alguém que acredita-se ter uma má reputação. 

Além disso, a análise do
grupo apontou para uma conclusão animadora: a capacidade da empatia se espalhar
em grupos. “Nós nos perguntamos: a empatia pode evoluir? E se os indivíduos
começarem a copiar o modo empático ao observar as interações uns dos outros?
Incorporamos isso nos nossos modelos e vimos que a empatia disparou por meio da
população”, ressaltou Arunas Radzvilavicius, principal autor do estudo,
publicado na revista científica eLife, e pesquisador da Universidade da
Pensilvânia (EUA). “Vimos que, eventualmente, os indivíduos copiarão o
comportamento daqueles que estão próximos. Dessa forma, a empatia se espalhará
e a cooperação poderá emergir”, complementou o autor do estudo.

Para Alexandre Elias Pedro, psicanalista da Sociedade Internacional de
Psicanálise de São Paulo, os resultados das pesquisas são extremamente
plausíveis. “Quando demonstramos empatia, nós precisamos sentir afinidade com a
pessoa, e é isso que se vê nesse primeiro estudo também; para que isso ocorra é
necessário um esforço mental maior. É preciso desenvolver a afinidade. Por que
eu vou sentir a dor de um desconhecido? Isso exige um gasto, um esforço maior
que meu campo emocional, eu tenho que entrar no território de outra pessoa”,
destacou o especialista, que não participou do estudo. 

Segundo Pedro, os dados vistos nos estudos podem ajudar a desenvolver
estratégias que estimulem a empatia. “Isso é possível, mas acredito que temos
que tratar na raiz para ter um retorno maior. Sabemos que a família influencia muito
o comportamento de uma pessoa, é algo meio que herdado. É essencial que os pais
passem esses conceitos aos seus filhos, para que eles possam ter mais
facilidade de exercitar sentimentos de compaixão e mais amor ao próximo, seja
um refugiado, seja uma pessoa que está na rua pedindo um pedaço de pão”,
assinalou.

De acordo com o psicanalista, analisar diferentes gerações poderia ser
um próximo objeto de estudo de pesquisadores. “Seria interessante observar o
comportamento de pais e filhos para entender como a criança desenvolve esse
processo. Esse tipo de mapeamento pode contribuir para uma evolução da
sociedade nesse quesito”, opinou o especialista.


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