O que é divórcio cinza e por que ele tem se tornado mais frequente no Brasil

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 25 de janeiro de 2025 às 21:00
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Separação após os 50 anos tem crescido nos últimos anos no país, e razões vão do desgaste da relação ao empoderamento feminino

Dados do IBGE mostram que 30% dos divórcios no Brasil acontecem entre casais com mais de 50 anos – foto Freepik

 

Após 36 anos de um matrimônio marcado por traições, violências física, psicológica e patrimonial e falta de diálogo e de acolhimento, Sandra*, de 58 anos, decidiu que precisava dar fim àquela relação abusiva e pediu o divórcio ao companheiro. O processo foi lento e doloroso.

“Quando pedi o divórcio, meu ex-marido disse que me daria, mas que não me deixaria com nenhum real”, lembra.

De fato, na divisão dos bens, Sandra conseguiu ficar apenas com o andar de cima da casa deles, anteriormente usado como área de lazer, mas que hoje lhe serve como quitinete.

“Resolvi assinar, porque precisava mais da liberdade do que do dinheiro”, conta. Ela se separou há três anos, mas há apenas dois meses houve o rompimento legal.

Sandra faz parte de uma estatística crescente. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), aproximadamente 30% dos divórcios no país acontecem entre casais com mais de 50 anos – esse número era de 10% em 2010.

O fenômeno vem sendo nomeado por pesquisadores como “divórcio cinza” ou “divórcio grisalho” justamente por contemplar uma faixa etária de pessoas mais velhas.

São muitos os fatores que podem estar por trás de uma separação tardia.

Estudo publicado no ano passado no “Journal of Social and Personal Relationships” revelou que há duas grandes principais razões para levar um casamento de longa data ao rompimento: insatisfação geral com o matrimônio, provocada por abuso verbal, traições e controle pelo outro e também pela “gota d’água”.

Ou seja, quando um relacionamento, já enfraquecido, chega ao fim após um evento específico, como a exposição pública da relação tensa do casal.

Especialistas ouvidos pela reportagem acrescentam outros fatores, como aumento da expectativa da vida, conhecimento pessoal e autodescoberta e a síndrome do ninho vazio.

“A saída dos filhos de casa pode levar os pais a reavaliarem suas conexões, percebendo que, sem a presença dos filhos, a relação pode ter perdido o propósito inicial”, pontua a psicanalista Elainne Ourives.

Foi esta, a propósito, uma das razões que encorajou Sandra a pedir o divórcio.

Com os três filhos criados – hoje eles têm 32, 33 e 34 anos –, ela sentiu forças para sair da relação.

“Ele me traiu diversas vezes, inclusive confessadas, e eu passava por cima de mim mesma para fazer as pazes, porque meus filhos eram pequenos, e eu era dependente financeira dele”.

“Além disso, somos católicos, e sempre ouvi da minha mãe que o casamento era indissolúvel e que teria que carregar a minha cruz. Não me sentia acolhida por ninguém”, comenta.

O empoderamento feminino, a propósito, contribui para a decisão de se separar nesta fase da vida, como destaca psicólogo Daniel Felipe.

“Hoje temos acesso a muito mais informações e oportunidades do que nossos avós e bisavós tinham. Nossa cultura atual mudou muito quando comparamos com antigamente”.

“Existem incentivos reais para que as mulheres a priorizarem seu bem-estar e felicidade”, destaca Felipe, que também é palestrante e mentor de carreiras.

“Por exemplo, uma mulher que passou anos colocando as necessidades dos outros antes das suas pode finalmente se sentir capacitada para focar em sua própria felicidade e buscar um relacionamento mais satisfatório ou mesmo aproveitar a vida solteira”, exemplifica.

Após uma separação de um casamento longevo, é natural surgirem alguns impactos na saúde mental das partes envolvidas.

Afinal, são muitos anos de convivência e de compartilhamento de experiências, tendo elas sido positivas ou não. Dentre os sentimentos mais comuns estão a sensação de perda e de solidão.

“A dissolução de uma longa união pode gerar uma sensação de vazio, exigindo um processo de cura e elevação da frequência vibracional para superar essas emoções”, aponta Elainne Ourives.

“Os impactos emocionais vão depender da história de vida psicossocial e religiosa que essas pessoas adquiriram ao longo de suas vidas de forma pessoal, conjugal e familiar”, complementa o psicólogo e sexólogo Edson Lago.

O que fazer para sair de uma relação ruim?

Um dos maiores desafios de uma separação tardia está no fato de uma das partes acreditar que já é tarde demais para deixar uma relação longeva.

“É essencial que as pessoas reconheçam que a busca por felicidade e realização não tem prazo de validade”, chama a atenção o psicólogo Daniel Felipe.

Uma dos caminhos para conseguir se separar é buscar terapia, grupos de apoio ou mesmo histórias semelhantes.

“Uma idosa pode encontrar inspiração em histórias de outras pessoas que, após o divórcio, iniciaram novas carreiras ou se mudaram para novos locais, mostrando que a idade não precisa ser uma barreira para mudanças significativas”, indica Felipe.

Além disso, o psicólogo e sexólogo Edson Lago afirma que, nestes casos, é importante colocar o racional acima de qualquer sentimento, e isso pode ser feito com a ajuda da psicoterapia.

“Geralmente a nossa cultura latino americana nos faz sermos mais emotivos, o que em muitos casos nos faz desenvolver muitas crenças, que podem ser limitantes, distorcidas e negativas”, pontua.

Para saber lidar com a escolha, a psicóloga Elianne orienta praticar a aceitação e perdão de si e do outro, além de focar no agora.

“Viver o momento presente, sem apego ao passado ou ansiedade pelo futuro, permite a cocriação de uma realidade alinhada com os desejos atuais”, salienta a especialista.

Outro passo fundamental para se dar após um casamento longevo é conseguir reconstruir a própria autoestima para que a vida continue. Algumas estratégias incluem práticas de autocuidado.

“Investir em atividades que promovam bem-estar físico, emocional e espiritual”, pontua Elianne.

O psicólogo Daniel Felipe acrescenta que, ao cultivar a autoconsciência, as pessoas podem identificar o que realmente valorizam e o que desejam para o futuro.

“O divórcio, embora muitas vezes desafiador, também oferece uma chance para que os indivíduos se reconectem com seus verdadeiros desejos e fortaleçam seu senso de identidade”.

“A liberdade de explorar novas experiências, desenvolver novas habilidades e estabelecer conexões autênticas pode levar a um profundo crescimento pessoal”, argumenta Felipe.

É isso o que Sandra* quer agora. Ela reconhece que sua vida ainda não está 100%, mas tem certeza que, em algum momento, ficará tudo bem.

Para isso, tem traçado alguns caminhos, como o de ter conseguido um emprego de carteira assinada, e assim, deixará de depender da ajuda financeira dos filhos. Sandra também entrou em um processo de nulidade do casamento junto ao Vaticano.

“Quero me identificar como solteira, não divorciada. Não voltaria atrás na minha decisão, sei que foi o que era necessário de ser feito. Tenho certeza que meu futuro será bom”, arremata.

*O nome foi alterado a pedido

*Informações O Tempo


+ Comportamento