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Você pode não gostar, mas a uva-passa fez história por ser nutritiva, fácil de carregar e de armazenar
Nas mesas das festas de fim de ano esta frutinha polêmica está sempre presente – foto Freepik
O mês de dezembro traz não apenas a magia do Natal, mas também uma polarização gastronômica que divide opiniões: ceia com ou sem passas?
Enquanto alguns preferem evitar a frutinha, outros não conseguem imaginar as festividades sem esse complemento especial.
Pois a história do alimento é tão longeva quanto rica em interpretações. Uvas-passas são mencionadas em textos do Antigo Testamento da Bíblia, o que leva a crer que elas já eram consumidas há pelo menos 4 mil anos.
No fundo, a proposta da fruta desidratada faz todo o sentido, sobretudo em um mundo antes da geladeira. Era uma forma de conservar o alimento por meses — e tê-lo à disposição mesmo nos meses de inverno rigoso.
Camila Landi, gastrônoma e historiadora, destaca que as passas começaram como uma resposta à necessidade de sobrevivência na Antiguidade.
“Sementes e frutas que caíam das árvores e secavam naturalmente [serviam de alimento]”, explica ela
A gastróloga Karyna Muniz, consultora especialista em alimentos e bebidas, concorda que, como boa parte da história da alimentação, esse consumo começou de forma acidental, por observação das uvas que “caíam dos pés e secavam naturalmente ao sol”.
Mas o gostinho agradou.
“E após a descoberta de um sabor intenso e um dulçor específico, passaram a ser amplamente consumidas durante a Roma Antiga”, afirma Muniz.
Associadas à energia necessária nos intensos invernos do hemisfério norte, as passas se tornaram comuns nas mesas festivas de fim de ano.
Segundo Muniz, o consumo inicialmente relacionou-se ao solstício de inverno, impulsionando a necessidade de alimentos com maior validade.
“Chegou ao mundo todo com a mesma simbologia para o período: a promessa o povo de um novo ciclo de transformações, de prosperidade e fartura”, aponta a historiadora.
Gérson Leite de Moraes, teólogo e historiador, destaca que as passas, frequentemente mencionadas na Bíblia, têm conotações tanto eróticas quanto práticas. Elas eram alimentos fáceis de transportar e favoritos para os viajantes da Antiguidade.
Há passagens que associam a passa a aspectos eróticos e aquelas que valorizam o alimento como algo prático, nutritivo e de fácil transporte e conservação.
“Quanto à sexualidade, há aspectos positivos e negativos”, explica ele, em conversa com a BBC News Brasil. “No livro Cântico dos Cânticos, [a uva-passa] aparece em um poema que é feito pela esposa ao seu amado.”
O trecho exalta o marido, dizendo que “seu fruto é doce ao meu paladar”. E depois de destacar que “faz-me entrar na taberna, seu estandarte sobre mim é amor”, o eu-lírico pede para que o amado a refaça “com bolos de uva-passa” porque ela está “doente de amor”.
Outra passagem de cunho sexual está no livro de Oseias, quando Deus repreende aqueles que “se voltam para outros deuses” envolvendo-se com prostituição e adultério. No texto, estes “gostam de tortas de uva-passa”.
Como explica Moraes, “chama a atenção a presença da maçã e das uvas-passas no contexto do relacionamento sexual, porque são dois alimentos associados à questão afrodisíaca”.
O teólogo lembra que rituais pagãos antigos costumavam ofertar à deusa da fertilidade um bolo de uvas-passas.
Hoje, além de sua importância histórica, as uvas-passas são reconhecidas como superalimento, oferecendo benefícios à saúde, incluindo regulação intestinal, fortalecimento imunológico e propriedades antioxidantes.
Benefícios: libido e saúde em geral
Mas a carga simbólica não é por acaso. Analisando as propriedades do alimento, toda essa semântica encontra sentido.
Primeiro: a ideia do açúcar concentrado e da riqueza de nutrientes em um alimento pequenino, facilmente carregado e guardado.
“Quando desidratamos uma uva, ou outro ingrediente, conservamos seus açúcares naturais e retiramos sua umidade, o que a deixa ainda mais doce, concentrada em sabores e nutrientes”, conta Landi.
“Há quem goste e quem odeie. O fato é que esse elemento era um método de conservação para evitar a ausência de alimentos disponíveis e, também, sendo uma fonte de energia ao homem.”
Por fim, uma possível explicação para o uso afrodisíaco que aparece na Bíblia.
“Dá energia: a frutose aumenta o nível energético, aumentando o rendimento físico em atividades do cotidiano”, comenta ela.
E não só. Hoje se sabe que a uva-passa tem arginina, “um amionácido importante para estimular a libido”.
Hoje se sabe que as uvas-passas trazem muitos benefícios para a saúde.
Na ceia de Natal brasileira, o uso esporádico das passas ganha destaque festivo. Rafael Tonon, escritor e jornalista de gastronomia, destaca o apelo festivo do ingrediente, que se tornou uma tradição ocasional para os brasileiros.
“Para o brasileiro, tornou-se uma coisa esporádica. E como o Natal pede uma circunstância, uma certa pompa, ela aparece nesta época”, diz Tonon.
Assim, a tradição das passas na ceia de Natal, enraizada em uma longa história, continua a dividir opiniões, mas sua presença festiva persiste como um elemento marcante nas celebrações de fim de ano.
*Informações G1 Mundo