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A bebida alcoólica é a terceira causa evitável de câncer, depois do tabaco e da obesidade — mas para muita gente essa associação não é tão óbvia nem tão conhecida

Apesar de ser um hábito comum, consumo de bebidas alcoólicas pode causar câncer – foto Arquivo
O consumo de álcool é uma prática enraizada e amplamente aceita em muitas culturas ao redor do mundo – inclusive no Brasil.
Frequentemente associado a festas, celebrações e até mesmo à convivência cotidiana, beber álcool faz parte do hábito de muitas pessoas.
O que pouca gente sabe é que a prática está associada a pelo menos sete tipos de câncer: mama, boca, laringe, garganta, esôfago, fígado e cólon.
No início de 2025, o Departamento de Saúde e Recursos Humanos dos Estados Unidos publicou o relatório Alcohol and Cancer Risk, em que destaca que o álcool é a terceira causa evitável de câncer, depois do tabaco e da obesidade, contribuindo para cerca de 100 mil casos e 20 mil mortes a cada ano naquele país.
Além de citar os sete tipos de câncer diretamente associados ao consumo da bebida, o documento aponta que, globalmente, ao menos 741 mil casos da doença foram relacionados ao álcool em 2020.
“O relatório reforça e atualiza as evidências científicas, voltando a chamar a atenção para a importância do tema”.
“Traz informações a mais sobre risco proporcional ao consumo, mecanismos biológicos e fala sobre a ausência de níveis seguros. O álcool está entre nós e faz parte da nossa cultura há milhares de anos, sempre associado à alegria e à comemoração”.
“O problema é que a maioria das pessoas usa como hábito de vida e ainda não tem noção de quanto ele pode ser nocivo”, comenta a médica Ana Paula Garcia Cardoso, oncologista clínica do Hospital Israelita Albert Einstein.
E não é preciso ser alcoólatra para ter o risco de câncer aumentado. “Inclusive, acho que é isso que distancia as pessoas da realidade”.
“Não existe consumo seguro de álcool e não é porque a pessoa faz uso controlado da bebida que ela estará livre do risco de câncer”, frisa a especialista. O perigo se aplica a todo tipo de álcool: vinho, destilados e até a cerveja.
Mecanismos de ação
Estabelecer a relação causal entre o fator de risco e um resultado na saúde é complexo, mas vários estudos têm demonstrado que há quatro mecanismos biológicos que levam o álcool a aumentar o risco de câncer.
A primeira explicação é que a substância pode danificar o DNA. Isso porque o álcool se decompõe em acetaldeído, um metabólito que causa câncer ao se ligar ao DNA de modo a danificá-lo. Uma célula pode começar a crescer descontroladamente e criar um tumor possivelmente maligno.
Nosso sistema imunológico é capaz de nos proteger contra vários danos ao mesmo tempo, como o cigarro, o álcool, a poluição, os ultraprocessados, a obesidade e o sedentarismo. No entanto, chega uma hora que ele pode falhar.
“É como se alguém batesse na porta várias vezes, mas seu sistema imunológico estivesse fazendo a vigilância e não o deixasse entrar”.
“Mas algumas células ficam mais suscetíveis e fragilizadas por esses agressores, até que um dia o sistema imunológico não consegue mais se defender e a porta se abre”, ilustra Cardoso.
Quando a “porta” se abre, tem início um processo neoplásico, que nada mais é do que a multiplicação desordenada de uma célula com mutação.
“A chamada carcinogênese funciona desta forma: tem um fator desencadeador, um erro no sistema de defesa e ali ele se prolifera”, explica a oncologista.
O segundo mecanismo de ação do álcool é que ele gera espécies reativas de oxigênio, que aumentam a inflamação no organismo por meio de um processo chamado estresse oxidativo.
O terceiro é que a substância altera os níveis hormonais (especialmente do estrogênio), o que pode expor mulheres ao aumento desse hormônio e, consequentemente, a um risco maior de câncer de mama.
Por fim, a quarta forma de ação é que alguns órgãos (como fígado, boca e intestino) sofrem efeitos diretos do álcool. Além disso, outros carcinógenos podem se associar ao álcool e facilitar sua absorção pelo corpo.
“O efeito cancerígeno do álcool é invisível, mas ele é multifatorial. Ele causa danos e instabilidades no DNA, que tornam a pessoa mais suscetível a outros fatores. Por exemplo: a suscetibilidade causada pelo álcool aumenta o risco que o cigarro já está causando”, pontua Cardoso.
Existe dose segura?
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), não existe consumo seguro de álcool – qualquer quantidade pode aumentar o risco de câncer. Um fator importante é a quantidade total de álcool consumida consistentemente ao longo do tempo.
Segundo o relatório dos EUA, para certos tipos de câncer, como de mama, boca e garganta, as evidências mostram que esse risco pode começar a aumentar em torno de uma ou menos doses por dia.
No Brasil, a referência de dose mais utilizada é a divulgada pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), que considera que uma dose (unidade) padrão de álcool correspondente a 14 g de etanol puro – isso equivale a cerca de 350 ml de cerveja (uma lata), 150 ml de vinho ou 45 ml de destilados (como vodca, cachaça ou uísque).
A OMS, no entanto, usa como dose padrão o equivalente a 10 g de álcool e recomenda o máximo de duas doses por dia para homens e uma por dia para mulheres, desde que se abstenham de beber pelo menos duas vezes na semana.
Desconhecimento sobre os perigos
Apesar das evidências demonstrando o efeito do consumo de álcool no risco de câncer, o relatório americano ressalta que há uma grande lacuna na compreensão pública dessa associação.
Uma pesquisa feita em 2019 concluiu que 45% dos estadunidenses reconhecem o álcool como um fator de risco para câncer.
O índice é bem menor do que os 91% que conhecem o risco cancerígeno da radiação e os 89% que sabem da relação com o tabaco, conforme o mesmo trabalho.
Outra investigação, essa feita com cerca de 1.700 adultos e divulgada em novembro de 2024 pela Annenberg Public Policy Center (APPC), mostra que menos da metade dos americanos (40%) sabe que beber álcool regularmente aumenta o risco de desenvolver câncer mais tarde.
Outros 40% não tinham certeza se isso é verdade e 20% relataram crenças imprecisas — de que não teria efeito ou que diminuiria a chance de desenvolver câncer.
Há evidências de que, em longo prazo, parar de beber ou reduzir o consumo de álcool reduz diretamente a probabilidade de cânceres de boca e esôfago.
Segundo o relatório Alcohol and Cancer Risk, mais pesquisas são necessárias para determinar se esse risco também diminui para outros tipos de câncer — ou até se pode chegar ao nível observado em pessoas que não costumam beber.
*Informações CNN