Pesquisas indicam chance de ‘corrigir’ desequilíbrio no cérebro de autistas

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 2 de abril de 2018 às 13:47
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:39
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Linhas de pesquisa apontam possibilidade de que o cérebro do autista produza substâncias em desequilíbrio

Brincar com colegas ou passear em
locais públicos com a família nem sempre são fontes de diversão para crianças
autistas. Se algo não sai como esperado ou foge da rotina, a reação pode ser
explosiva, com atitudes agressivas e berros.

A dificuldade de interação social,
muitas vezes confundida com birra ou timidez, é uma das principais
características do autismo, transtorno que afeta milhares de crianças no País e
que, atualmente, é alvo de dois estudos que buscam uma abordagem terapêutica
inédita para o problema.

As novas linhas de pesquisa apontam
para a possibilidade de que o cérebro do autista produza substâncias em
desequilíbrio e que isso poderia ser corrigido com medicamentos. Nenhum dos
estudos indica ou promete cura, mas revela novos caminhos de tratamento
associados às terapias comportamentais já indicadas. Hoje não há remédios
específicos para o Transtorno do Espectro Autista (TEA), apenas drogas para
atenuar sintomas relacionados, como irritabilidade ou insônia.

Um desses estudos obteve em fevereiro
autorização da agência de vigilância sanitária americana, a FDA, para ter seus
testes avaliados pelo órgão de forma prioritária, dada a inovação do trabalho e
o ineditismo da droga proposta. Desenvolvida pela farmacêutica Roche, a
pesquisa identificou que a vasopressina, um dos hormônios associados ao medo,
funciona de forma diferente nos autistas, prejudicando a interação social. “A
droga tem o objetivo de promover um reequilíbrio e, como consequência, mudar a
performance na parte do cérebro responsável pelas emoções, onde o hormônio
atua”, diz o diretor médico da empresa no País, Lenio Alvarenga.

Pessoas diagnosticadas com autismo
têm quadros muito diferentes, pois o transtorno tem espectro amplo. Há desde
casos leves, nos quais o paciente é independente e se comunica, até os mais
severos, em que a comunicação não é verbal e o contato físico, evitado, mesmo
com os pais. Por enquanto, a droga da Roche está sendo testada em autistas com
quadros de leves a moderados.

Alvarenga diz que o remédio em
desenvolvimento, administrado em comprimidos, já foi testado em 200 pessoas com
TEA nos Estados Unidos. Segundo ele, os resultados indicam que o medicamento
inibe a ação da vasopressina e, por isso, auxilia na interação e nos chamados
comportamentos adaptativos do dia a dia, que envolvem comunicação e habilidades
motoras.

Apesar de o medicamento estar
entrando na fase 3 de testes, a última antes do pedido de registro, a Roche não
arrisca estipular um prazo para que a droga esteja disponível no mercado.

Ainda em fase inicial, outra pesquisa
relacionada ao desequilíbrio de uma substância no cérebro dos autistas também
traz expectativa.

Desenvolvido pela Universidade de São
Paulo (USP), o trabalho aponta que pessoas com o transtorno produzem em excesso
uma citocina específica – a interleucina 6. Segundo a responsável pelo estudo,
a neurocientista Patrícia Beltrão Braga, do Instituto de Ciências Biomédicas, a
substância é tóxica e, em alta quantidade, capaz de reduzir o número de
sinapses pelos neurônios.

“Bloqueamos a produção em excesso e
conseguimos resgatar o número de sinapses e sua funcionalidade. O ensaio mostra
que há uma neuroinflamação no cérebro dos autistas, e ela é provocada pelos
astrócitos, que são células que sustentam os neurônios”, diz Patrícia, que fez
os testes em laboratório com base na produção de neurônios derivados da polpa
de leite de indivíduos com autismo.

A vantagem da descoberta, segundo
ela, é que já existem drogas capazes de bloquear a ação da IL 6 e, dessa forma,
eliminar essa neuroinflamação. Se a pesquisa avançar, não seria preciso
desenvolver um novo medicamento, apenas ampliar o uso dos existentes.

RAIO X DO AUTISMO

O que é
É um transtorno do desenvolvimento com três características: dificuldades de
interação social, atrasos de linguagem, e comportamentos restritivos e
repetitivos.

Como identificar
Os sintomas mais comuns podem ser notados nos primeiros meses de vida e variam
muito de uma pessoa para outra: a criança mantém pouco ou nenhum contato visual
com os pais; não brinca de forma funcional; não demonstra interesse por outras
crianças; prefere a companhia dos adultos; não responde pelo nome; faz
movimentos repetitivos; tem interesses restritivos; não lida bem com alterações
na rotina; é capaz de aprender a falar, mas com atraso e muitas vezes com
dificuldade de pronúncia e entendimento.

Diagnóstico
É clínico, baseado no comportamento. Neuropediatras e psiquiatras infantis são
os mais indicados. Como se trata de um espectro amplo, cada caso tem um grau de
comprometimento. Autistas de alto funcionamento (como os com síndrome de
Asperger) podem se desenvolver e alcançar a independência. Nos casos mais
severos, a criança pode tornar-se agressiva e viver isolada.

Incidência
Estima-se que uma criança a cada 68 tenha o transtorno.

A causa
Existe uma gama variada de causas, sendo as mais aceitas as genéticas,
biológicas e ambientais.

O tratamento
Só há remédio para os sintomas associados, como hiperatividade. O mais
recomendado é a terapia comportamental e ocupacional, além da fonoaudiologia.


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