“Tendo como base essa semelhança química, os autores não fizeram distinção entre as duas moléculas e assumiram que os dados obtidos para a aminopirina seriam também aplicáveis à dipirona”, aponta um artigo da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Universidade de São Paulo, publicado em 2021.
A partir dessa e de outras evidências, a Food and Drug Administration (FDA), a agência regulatória dos Estados Unidos, decidiu que a dipirona deveria ser retirada do mercado americano em 1977.
Efeito cascata
Pouco depois, outros países tomaram a mesma resolução, como foi o caso da Austrália, do Japão, do Reino Unido e de partes da União Europeia.
“E a proibição dela aconteceu justamente nos países que mais fazem pesquisas de eficácia e segurança sobre medicamentos”, destaca Marise.
Segundo ela, isso diminuiu o interesse em fazer testes e investigações sobre a dipirona — o que fez o fármaco se tornar praticamente desconhecido nesses lugares desde então.
A partir dos anos 1980, começaram a surgir novas evidências sobre a segurança da medicação — que jogaram mais controvérsia na discussão.
0,0002% = 1,1 em um milhão
O Estudo Boston, por exemplo, foi realizado em oito países (Israel, Alemanha, Itália, Hungria, Espanha, Bulgária e Suécia) e envolveu dados de 22,2 milhões de pessoas.
Os resultados encontraram uma incidência de 1,1 caso de agranulocitose para cada 1 milhão de indivíduos que usaram a dipirona — o que é considerada uma frequência bem baixa.
Em Israel, uma investigação realizada com 390 mil indivíduos hospitalizados calculou um risco de 0,0007% de desenvolver essa alteração no sangue e de 0,0002% de morrer por causa desse evento adverso.
Já na Suécia, que voltou atrás e liberou a dipirona brevemente nos anos 1990, foram detectados 14 episódios de agranulocitose possivelmente relacionados ao tratamento, com 1 caso para cada 1.439 indivíduos que tomaram esse fármaco.
Vai e volta
Essa frequência mais alta, aliás, fez com que o país nórdico proibisse a comercialização do fármaco novamente em 1999.
Mas o que justifica essa disparidade de resultados? Embora não exista uma explicação clara, Marini aponta três fatores que ajudam a entender o cenário.
“Primeiro, há uma mutação genética que parece facilitar o aparecimento da agranulocitose em alguns indivíduos que usam dipirona. E sabe-se que essa mutação é mais comum em populações dos Estados Unidos e de partes da Europa”, diz ela.
“Em segundo e terceiro lugares, dosagens mais altas e uso por tempo prolongado também influenciam nesse risco”, completa.
E no Brasil?
A dipirona foi alvo de uma grande pesquisa realizada na América Latina que ficou conhecida como Latin Study.
Nesse universo, foram identificados 52 casos de agranulocitose — o que representa uma taxa de 0,38 caso por milhão de habitantes/ano.
O trabalho latino ainda mostrou que esses episódios de alteração sanguínea grave são relativamente mais comuns em mulheres, crianças e idosos.
Painel Internacional
Segundo o portal G1 Saúde, pouco antes disso, em 2001, a Anvisa realizou um evento chamado “Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona”, em que foram convidados especialistas brasileiros e estrangeiros.
“O objetivo deste painel foi a promoção de amplo esclarecimento sobre os aspectos de segurança da dipirona”, contextualiza a agência, em nota enviada à BBC News Brasil.
“Conforme o relatório final, as conclusões do referido painel foram que há consenso de que a eficácia da dipirona como analgésico e antitérmico é inquestionável e que os riscos atribuídos à sua utilização em nossa população são baixos e similares, ou menores, que o de outros analgésicos/antitérmicos disponíveis no mercado”, complementa o texto.