A Gibiteca do Laboratório das Artes de Franca foi doada para a Biblioteca da Unesp

  • Nene Sanches
  • Publicado em 23 de março de 2022 às 09:00
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

A possibilidade da UNESP absorver o material e colocá-lo a disposição da comunidade foi o melhor que poderia acontecer para sua preservação

O Laboratório das Artes doou sua Gibiteca, com mais de dois mil volumes de histórias em quadrinhos, para a Biblioteca Pública da UNESP-Franca. A decisão teve como pano de fundo o desejo de seus criadores em deixar um legado cultural e artístico à cidade.

A história da Gibiteca começa em 1960, quando Mauro Ferreira, recém-alfabetizado, comprou seu primeiro gibi na Agência Brasil, um exemplar do “Príncipe Valente”, o clássico de Hal Foster sobre o cavaleiro medieval e suas aventuras.

A partir dali, capturado pelo clima e imaginação proporcionados pelos quadrinhos, Mauro cresceu lendo gibis e as tirinhas da seção de quadrinhos dos jornais diários que seu pai assinava.

A criação de um clube infantil no porão de sua casa, a Prudentina da Rua Júlio Cardoso (centro de Franca) fez com que criasse uma pequena biblioteca para a molecada da rua, com livros e gibis da coleção. Os gibis que compunham a coleção eram identificados pela sigla APEA.

Quadrinhos brasileiros

Durante os anos 60, a coleção foi aumentando com a aquisição de revistas em quadrinhos brasileiras, como a pioneira Pererê, de Ziraldo, publicações da EBAL, editora carioca especializada em HQ que trazia muito material norte-americano de super-heróis da chamada Era de Ouro dos quadrinhos, como Flash Gordon e de histórias da II Guerra Mundial.

Na mesma época, também entraram na coleção revistas que quadrinizavam filmes de aventuras, de capa-e-espada, de ficção científica e de guerra, uma invenção que procurava suprir em papel a força do cinema naquele tempo, como Cinemin e outras.

Álbuns do Príncipe Valente também foram incorporados à coleção durante a existência da biblioteca da Prudentina, sediada no porão da casa de Mauro.

Ao entrar na vida adulta, Mauro foi estudar arquitetura em Mogi das Cruzes, deixando a coleção no porão de sua casa, já que o clubinho da Prudentina obviamente tinha deixado de existir. Em São Paulo, passou a ter contato com jornais (chamados nanicos) e literatura de resistência à ditadura militar.

Pasquim

O Pasquim, jornal de enorme sucesso no início dos anos 70, publicou dezenas de cartunistas e quadrinistas e Mauro começou a ler as revistas que traziam autores brasileiros como Jaguar, Henfil (Os Fradinhos), Ziraldo, Nani, Millôr e muitos outros.

Além disso, nas ditaduras do cone sul começaram a circular publicações de oposição aos regimes militares de países latinos, que permitiram conhecer autores como Quino (Mafalda) e Fontanarossa.

Autor e leitor compulsivo de quadrinhos, Mauro começou a adquirir revistas de HQ para adultos em profusão, inclusive europeus e americanos, incluindo reedições de luxo de Flash Gordon, Steve Canyon, Asterix, Spirit e outros clássicos.

Parte do material ficava guardado na sede do Lab, à Rua Cuba, mas um incidente (uma invasão e furto noturno) fez perder parte do material mais antigo, principalmente a coleção de filmes quadrinizados.

Quadrinhos autorais

Nos anos 70, Mauro foi o primeiro artista francano a publicar histórias em quadrinhos autorais da imprensa local, no Jornal Diário da Franca.

Em 1989, lançou uma coluna de quadrinhos (Quadradocinhos) num jornal da cidade e passou a escrever sobre os lançamentos da área.

Com isso, passou a ter contato com as editoras, que enviavam revistas para divulgação. Nessa fase, o começo das graphic novels e a definitiva passagem da HQ ao estatuto de arte para adultos, vieram obras como Akira, Whatchmen, Ranxerox, autores como Will Eisner, Frank Miller, Crepax, Manara, Moebius e Alan Moore que elevaram os quadrinhos a outro patamar.

Pouco antes, durante a redemocratização do país, autores brasileiros começaram a despontar, como Angeli, Laerte, Glauco, Luiz Gê, os irmãos Caruso, Edgar Vasques, as revistas Piratas do Tietê, Chiclete com Banana publicados pela Circo Editora do Toninho Mendes, foram dando uma cara contestadora ao acervo.

Prudentina

Quando foi reinaugurada a sede da Rua Cuba, em 2009, o museu de arte moderna que estava sendo criado não poderia deixar de abrigar a antiga gibiteca da Prudentina, que se tornou a Gibiteca do Lab.

O acervo recebeu novo aporte com obras importantes como Maus, Gen, Angola Janga. Ao atingir quase 2.300 obras, a coleção ficou grande demais e havia enorme dificuldade em operacionalizar o acervo para consulta.

A possibilidade da UNESP local absorver o material e colocá-lo a disposição da comunidade foi o melhor que poderia acontecer para sua preservação e difusão dos quadrinhos como arte.

No próximo dia 30 de março, na Biblioteca da UNESP, no campus de Franca, às 18h30 horas, a biblioteca vai disponibilizar ao público o material para leitura e dar continuidade à saga que começou 60 anos atrás.


+ Artes