USP estuda se partículas no ar durante queimadas podem causar câncer no fígado

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 25 de setembro de 2021 às 13:30
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Resultado preliminar apontou que material particulado coletado entre agosto e setembro matou 25% das células observadas, causando danos no DNA

Queimadas na região pioraram muito a qualidade do ar, já comprometida pelo tempo seco – foto Murilo Badessa / EPTV

 

Uma pesquisa da USP estuda se as partículas no ar de Franca e Ribeirão Preto durante as queimadas de agosto e setembro deste ano podem causar câncer no fígado.

Os resultados preliminares apontam que o material particulado coletado pelos pesquisadores apresentou uma quantidade de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) capaz de matar 25% das células de fígado cultivada em laboratório depois de 72 horas de contato e causar danos ao DNA em apenas quatro horas de exposição.

As partículas recolhidas passarão por análise mais aprofundada em Estocolmo, na Suécia, onde a pesquisadora de Ribeirão Preto, Caroline Sacaramboni, vai fazer doutorado a partir de novembro.

“A gente vai avaliar como a célula vai responder a esse dano. Ela pode parar a reprodução, a replicação da célula, pode entrar num processo de morte celular, ou então pode acontecer de esse dano virar uma mutação e passar para as células filhas. Aí existem outros testes que a gente pode fazer”, explica.

A coleta do material é feita por meio de filtros. Depois, há uma extração para medir a composição química e a toxicidade do material, que da forma sólida é transformada em líquida para fazer contato com as células que serão estudadas.

Além de Caroline, participam do estudo os professores Departamento de Química da USP, Daniel Dorta e Maria Lúcia Moura Campos, a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, Danielle Palma de Oliveira, e a professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Roberta Urban.

Aumento no risco

A fumaça das queimadas contém monóxido de carbono (CO), composto considerado extremamente tóxico e que provoca sufocamento quando entra no organismo.

As queimadas também produzem partículas finas, que podem causar danos à saúde com a chegada delas até o fígado, como sugere o estudo de Caroline.

A professora Maria Lúcia Moura Campos, de Departamento de Química da USP, explica que materiais coletados em setembro de 2020 durante queimadas em Ribeirão Preto já indicaram a presença de partículas que causam câncer no pulmão, como o Benzo(a)pireno e Benzo[k]fluoranthene.

Ela afirma que um cálculo com base em fórmulas índices da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos apontou que, dentre um grupo de 100 mil pessoas expostas ao ar coletado em setembro, 171 tinham risco de desenvolvimento do câncer.

Neste ano, no entanto, a situação piorou. No dia 6 de setembro, a qualidade do ar das regiões de Franca e Ribeirão Preto foi avaliada como “muito ruim” pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), sendo a pior do estado.

Na ocasião, a cidade amanheceu com o céu coberto de fumaça provocada por incêndios em áreas de vegetação em cidades vizinhas.

Dois dias depois, em 8 de setembro, a cidade voltou a atingir níveis críticos, repetindo o posto de ter a pior qualidade do ar estadual.

De acordo com a professora, os HPAs se originam em duas fontes: combustível fóssil, que têm se mantido constante de um ano para o outro, e queimadas, que aumentaram em 2021.

“Uma coisa que aconteceu esse ano e não aconteceu no ano passado é que este ano nós tivemos uma condição de qualidade de ar ruim, muito ruim e chegou a péssima pela primeira vez desde que a Cetesb começou a medir”.

“Nós estamos em uma situação diferente do ano passado porque neste ano a qualidade do ar tem permanecido ruim, muito ruim, por vários dias seguidos. As pessoas estão sendo expostas por muito tempo. Estamos em uma longa exposição”.

“Aumenta a probabilidade de ter doenças respiratórias, sequelas dessa inalação. A OMS estima que 7 milhões de pessoas no mundo, por ano, tenham mortes prematuras devido à poluição do ar”, afirma.

Na contramão da OMS

Nesta semana, a Organização Mundial de Saúde (OMS) tornou mais rígida as regras e recomendações de controle da poluição do ar. Foi a primeira vez em 16 anos que houve a revisão dos índices.

A OMS estima que pode haver redução de 80% das mortes causadas por poluição do ar caso as novas normas sejam rigorosamente seguidas.

Uma das mudanças, por exemplo, está relacionada à exposição a partículas mais finas, capazes de passarem pela corrente sanguínea do organismo, consideradas as mais perigosas.

O seguro, antes, eram 20 microgramas por metro cúbico durante 24 horas. Agora, a quantidade passou para 15.

No entanto, de acordo com a professora Maria Lúcia, no dia 6 de setembro, considerado o pior da história de Ribeirão Preto em relação à qualidade do ar, foram encontrados 126 microgramas por metro cúbico.

“Enquanto a OMS está sendo mais rígida, nós estamos indo na contramão. Para atingir 15 microgramas tem que ter políticas públicas de combate à queimada, prevenção e controle”.

“Nos próximos anos tem que colocar no orçamento do município helicóptero, avião, mais bombeiros, mais curso de brigadista, porque sempre vai ter um indivíduo que vai insistir em colocar fogo. Ter na estrada muitos cartazes, muitas placas luminosas. “Não jogue bituca de cigarro”. Isso já evita aquelas queimadas acidentais. Acho que é um argumento interessante, que a OMS está sugerindo, mostrando a necessidade que haja políticas públicas para melhorar a qualidade do ar”.

*Informações G1


+ Ciência