Médico de Franca envolvido em trote machista contra alunas é absolvido pelo TJ-SP

  • Nina Ribeiro
  • Publicado em 21 de setembro de 2021 às 17:00
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Episódio aconteceu em 2019; as participantes foram estimuladas a jurar “nunca recusar a uma tentativa de coito de um veterano ou de uma veterana”

Médico foi absolvido após trote machista e ofensivo às calouras do curso de Medicina da Unifran

 

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) manteve a absolvição do médico Matheus Gabriel Braia, alvo de uma ação indenizatória por participar de um trote considerado machista aplicado a calouras de medicina da Universidade de Franca em fevereiro de 2019.

No episódio, as participantes foram estimuladas a jurar “nunca recusar a uma tentativa de coito de um veterano ou de uma veterana”.

No acórdão, dado em resposta a um recurso do Ministério Público após absolvição em primeira instância, os desembargadores entenderam por maioria que, apesar do conteúdo machista, não houve dano moral coletivo nem ofensa séria diante da participação voluntária dos calouros e do tom de brincadeira dos dizeres.

Em voto vencido, um dos desembargadores ponderou, por outro lado, que houve dano a valores como a igualdade entre homens e mulheres e a dignidade das mulheres.

Na ação civil pública, a Promotoria alegava que o juramento de Braia repetido pelos alunos tem conteúdo machista, misógino e preconceituoso, remete à cultura do estupro, estimula a agressão e a violência contra as mulheres.

Com base nisso, pedia que o médico fosse condenado a pagar 40 salários mínimos, ou R$ 39,9 mil, como reparação de danos morais coletivos, e que a Justiça estipulasse o valor por danos sociais coletivos.

Em primeira instância, no entanto, a juíza Adriana Gatto Martins Bonemer, da 3ª Vara Cível de Franca, julgou a ação improcedente ao afirmar que Braia não se dirigiu às mulheres de forma geral e, por isso, não “houve ofensa à pretensa coletividade de mulheres”.

O acórdão

Sem unanimidade, o acórdão que manteve a sentença foi acolhido pela maioria dos desembargadores da 9ª Câmara de Direito Privado do TJ.

Segundo o relator Rogério Murillo Pereira Cimino, é incontroverso o conteúdo machista e sexista do trote, mas cabia a análise sobre a existência ou não de dano moral coletivo e social.

Nessa avaliação, de acordo com ele, não é justo retirar o direito à liberdade de uma pessoa que fez uma brincadeira em meio a diversos conteúdos também machistas divulgados diariamente e que não são calados devido ao teor humorístico.

“Não se pretende de qualquer forma incentivar disseminação de opiniões e pensamentos machistas, sexistas, misóginos ou discriminatórios. (…) O que se pretende é aplicar ao caso concreto a ponderação entre os valores igualmente protegidos constitucionalmente, que ao colidirem não podem ter como solução a exclusão de um em detrimento do outro direito, o que exige a aplicação do princípio da proporcionalidade a fim de aferir o direito preponderante no caso concreto”, argumenta.

Ao propor um “bom senso” entre o que é piada e o que é ofensa séria, com potencial de ferir os direitos fundamentais das mulheres, o magistrado avaliou que isso não se verificou e que deve prevalecer o direito fundamental à livre manifestação do pensamento.

Também ponderou que não houve nenhum tipo de coação para que as calouras, todas maiores de 18 anos, participassem do trote.

“Seria mesmo desproporcional punir a parte ré, posto que inadequada sua punição isolada, ante a atitude das próprias calouras presentes no evento, que corrobora o modo como receberam o dito juramento sugerido pela parte apelada, pois ao contrário de rechaçarem a brincadeira proposta, dela participaram declarando os dizeres, ora condenados, sem constrangimento algum”, ressalta.

Cimino também argumentou que não há indícios de que Braia tenha tido o objetivo de divulgar ideias machistas e que os fatos narrados “não passaram de uma brincadeira em caso isolado.”

“Também não há relatos de qualquer tentativa de abuso ou violação aos direitos das mulheres participantes e mencionadas no juramento pelos veteranos ou demais calouros participantes do trote, ficando evidenciado que todos bem sabiam tratar-se apenas de brincadeira.”

Voto vencido

Voto vencido na discussão do tema, Piva Rodrigues ponderou que a conduta do réu foi socialmente reprovável e, por isso, gerou danos morais coletivos especialmente às mulheres, como a honra e a dignidade, e que uma indenização menor, de 15 salários mínimos teria sido razoável.

Além disso, destacou que entidades como a Defensoria Pública apresentaram manifestações favoráveis à procedência da ação.

“A conduta do réu é uma gota em um oceano de machismo, inserido numa luta coletiva pela emancipação das mulheres que perpassa pela alteração dos parâmetros do discurso público, não especificamente do discurso do réu, mas por ele reproduzido, não se tratando de pessoa pública de grande expressão, é suficiente o arbitramento da indenização em quinze salários mínimos, valor que é significativo ao réu sem ser excessivo.”

O trote

Vídeos com cenas do trote realizado em 4 de fevereiro foram publicados em redes sociais na internet e causaram polêmica.

Nas imagens, as novas alunas do curso de medicina estão ajoelhadas e repetem a fala de Braia, que surge como uma espécie de juramentador.

“Juro, solenemente, nunca recusar a uma tentativa de coito de um veterano ou de uma veterana, mesmo que eles cheirem a ‘cecê’ vencido e elas a perfume barato”, diz o médico, seguido pelas estudantes.

Em outro áudio divulgado, um grupo de calouros também é incitado a fazer outro juramento: “(…) e prometo usar, manipular e abusar de todas as dentistas e fazer [inaudível] que tiver oportunidade, sem nunca ligar no dia seguinte”.

Em notas divulgadas na época dos fatos, a Associação Atlética Acadêmica Doutor Ismael Alonso Y Alonso e o Núcleo de Apoio Escutamos, Lutamos e Acolhemos informaram que não foram responsáveis e não atuaram como organizadoras do trote.

A Promotoria chegou a propor que Unifran e o médico assinassem um Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), em que se comprometeriam a pagar indenizações de R$ 10 mil e R$ 20 mil, respectivamente. Ambos se recusaram a firmar o acordo.

O advogado do médico, Carlos Constantino, disse que Braia não tinha intenção de ofender ninguém e que o juramento foi uma “brincadeira de mau gosto”.

Ainda segundo a defesa, o texto tinha sido escrito havia seis anos e vinha sendo repassado pelos estudantes de medicina.

*Informações G1

 


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