Flora intestinal desequilibrada favorece o surgimento de câncer

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 22 de junho de 2019 às 22:48
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:37
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Descoberta pode ajudar na construção de estratégias de combate a tumores mais eficazes que as atuais

Alterações na microbiota podem contribuir para a propagação do
tumor de mama, segundo cientistas americanos.

Os especialistas provocaram um desequilíbrio nas bactérias que
habitam o intestino de ratos com o câncer e observaram que os animais sofreram
evolução mais acelerada das células doentes, em comparação a roedores com a
flora intestinal saudável.

As descobertas, publicadas na revista especializada Cancer
Research, podem ajudar na construção de estratégias de combate ao tumor mais
eficazes que as atuais.

Um dos maiores desafios dos especialistas é prever se o câncer vai
se espalhar para além das mamas, atingindo outras partes do corpo (metástase).

Segundo os autores do estudo, esse fenômeno acontece precocemente
por uma série de fatores. “Um deles é ter alto nível, no tecido, de células
imunes chamadas macrófagos. Também há estudos que demonstraram que quantidades
aumentadas de proteína colágeno no tecido levam ao aumento da metástase do
câncer de mama”, explica Melanie R. Rutkowski, professora assistente de
microbiologia, imunologia e biologia do câncer da Universidade de Virgínia
Câncer Center, nos Estados Unidos, e uma das autoras do estudo.

Na pesquisa, os cientistas tentaram esclarecer se mais um fator
suspeito de aumentar as chances de metástase se confirmaria. “Há evidências de
que as mulheres diagnosticadas com câncer de mama e que têm comorbidades associadas
à disbiose comensal (desequilíbrio das bactérias do intestino), como obesidade
e diabetes, apresentam risco aumentado de desenvolver metástase. No entanto,
não se sabia se o microbioma intestinal influenciava diretamente a metástase do
tumor de mama. Nosso estudo teve como objetivo testar diretamente o papel do
microbioma e seus efeitos sobre o câncer de mama metastático”, detalha
Rutkowski.

No experimento, os investigadores manipularam ratos para que
tivessem câncer de mama. Durante algumas semanas, as cobaias receberam coquetel
de antibióticos para que sua microbiota intestinal fosse alterada.

Os cientistas notaram que a disbiose comensal provocada pelos
remédios contribuiu para o crescimento e a maior propagação do tumor no corpo
dos animais. “Alterar o microbioma resultou em inflamação de longo prazo no
tecido e no ambiente do tumor”, frisa Melanie R. Rutkowski. “Essas descobertas
sugerem que ter uma microbiota não saudável e as alterações que ocorrem no
tecido relacionadas a um microbioma prejudicial à saúde podem ser preditores
precoces de câncer de mama invasivo ou metastático”, indica.

Gânglios e pulmões

Segundo Ana Carolina Salles, oncologista clínica, o estudo tenta
responder a uma pergunta que tem inquietado especialistas da área. “A
microbiota influencia a capacidade do câncer de mama receptor hormonal positivo
se disseminar para outros tecidos e órgãos?”, diz. “Ao fim do experimento, eles
demonstram que aqueles animais que apresentavam disbiose tinham maior número de
metástases ganglionares e pulmonares. Esse dado é muito interessante. Mostra,
em estudo pré-clínico, um assunto que está sendo amplamente estudado e que
relaciona a microbiota e o câncer.”

A especialista ressalta que as pesquisas têm demostrando a
importância do equilíbrio da microbiota para a saúde humana, inclusive como
fator protetor contra o desenvolvimento de tumores malignos. “No caso do câncer
de mama, há inúmeros trabalhos em andamento que tentam responder a perguntas
como: qual a diversidade da microbiota de pacientes que desenvolvem câncer de
mama metastático? Essas alterações de diversidade ou a disbiose podem mudar as
respostas aos tratamentos do câncer de mama?”, ilustra.

Futuras intervenções

Para a equipe de pesquisadores, os resultados poderão ajudar no
desenvolvimento de terapias contra o câncer de mama, mas eles ressaltam que as
investigações precisam ser aprofundas. “Uma vez que entendemos como um
microbioma desequilibrado influencia a metástase do câncer de mama, há
certamente um potencial para desenvolver terapias que reduzam a probabilidade
de desenvolvimento de doença metastática por meio da modulação de bactérias
intestinais. No entanto, muito mais trabalho precisa ser feito para entender
como o microbioma contribui para esse processo”, frisa Melanie R. Rutkowski.

Como próximo passo, os cientistas pretendem validar as descobertas
do experimento com ratos em testes com humanos. “Em seguida, nosso objetivo é
identificar os instigadores celulares ou moleculares da metástase do tumor e
como eles estão relacionados à disbiose comensal. Finalmente, gostaríamos de determinar
se essa relação está exclusivamente relacionada ao câncer de mama ou se a
disbiose comensal afeta também a metástase de outros tumores”, adianta a autora.

Apesar de os resultados da pesquisa sinalizarem a possibilidade de
manipulação da flora intestinal em pacientes com câncer de mama, evitando a
metástase, cientistas e especialistas ressaltam que a mensagem-chave do estudo
é a importância de manter o microbioma saudável. “Todos esses fatores que
contribuem para a saúde, como dieta rica em fibras, exercícios e sono saudável,
influenciam positivamente o microbioma. Se você fizer todas essas coisas, em
teoria, vai ter uma microbiota saudável. E isso, acreditamos, está muito
associado a um desfecho favorável a longo prazo para o câncer de mama”, afirma
Melanie R. Rutkowski. “Hoje, é inequívoca a importância de manter o equilíbrio
da microbiota. O próprio uso de antibióticos, como foi mostrado nesse trabalho
pré-clínico, pode causar disbiose. Precisamos estar cada vez mais atentos a
isso”, frisa a médica Ana Carolina Salles.

“Fatores que contribuem para a saúde, como dieta rica em fibras,
exercícios e sono saudável, influenciam positivamente o microbioma (..) E isso,
acreditamos, está muito associado a um desfecho favorável a longo prazo para o
câncer de mama”, afirma Melanie R. Rutkowski.


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