Nova molécula é candidata em remédio para tratamento contra malária

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 10 de julho de 2018 às 23:32
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:51
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De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) a malária mata hoje 445 mil pessoas por ano

Uma nova molécula,
sintetizada em laboratório, figura como forte candidata para o desenvolvimento
de fármaco contra a malária.

A possibilidade de um
novo medicamento traz esperança a milhares de pacientes infectados pelo
Plasmodium falciparum, um dos protozoários causadores da malária, sobretudo
pelo fato de os testes mostrarem que a molécula foi capaz de matar, inclusive,
a cepa resistente aos antimaláricos convencionais.

A molécula apresenta
baixa toxicidade e alto poder de seletividade, atuando apenas no protozoário e
não em outras células do organismo do hospedeiro. É derivada da classe das
marinoquinolinas, com destacada atividade biológica, e foi desenvolvida no Centro
de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar) – um Centro de
Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) financiado pela FAPESP. O estudo também
recebeu o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) e do Instituto Serrapilheira.

Em artigo publicado no Journal of Medicinal
Chemistry, os pesquisadores descrevem a ação inibitória da molécula na fase
sanguínea e hepática do ciclo assexuado do protozoário, responsável pelos
sinais e sintomas da doença.

Além dos estudos realizados com cepas de cultivo in
vitro, os pesquisadores também testaram a molécula em camundongos. “Nos testes,
já no quinto dia de estudo a molécula conseguiu reduzir 62% da quantidade de
parasitas no sangue (parasitemia). Ao fim dos 30 dias de teste, todos os
camundongos que ingeriram doses da molécula sobreviveram”, disse Rafael Guido,
professor no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São
Paulo (USP) e um dos autores do artigo, à Agência FAPESP.

Os testes foram
realizados em modelo animal infectado por P. berghei, visto que o P. falciparum
não infecta camundongos.

Inspiração vinda do mar

A molécula candidata
a virar fármaco foi sintetizada tendo como base compostos naturais encontrados
em bactérias marinhas, conhecidas como marinoquinolinas, que foram avaliadas
quando descobertas contra a malária, doença de chagas e tuberculose. No
entanto, os produtos naturais apresentaram apenas ação de moderada a fraca contra
os patógenos.

“O núcleo dessas moléculas, conhecido por
pirroloquinolina, nos chamou a atenção. Esta é uma estrutura rara dentre
produtos naturais e pouco abordada na literatura científica”, disse Carlos
Roque Duarte Correia, professor no Instituto de Química da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp).

Em 2012, o grupo de pesquisadores da Unicamp
publicou uma das primeiras sínteses das marinoquinolinas naturais na
literatura. “Durante o trabalho de síntese percebemos o enorme potencial
farmacológico dessas moléculas. Fizemos então novas modificações estruturais na
parte pirroloquinolina, empregando eficientes processos catalíticos, e a partir
da estrutura obtida criamos uma nova molécula com potência ampliada em centenas
de vezes contra o P. falciparum e sem aumentar sua toxicidade”, disse Guido.

Duarte Correia conta
que, no estudo, foram testadas as 50 primeiras moléculas desenvolvidas a partir
das marinoquinolinas. “Esse trabalho, no entanto, não para nessa publicação.
Temos ainda uma série de outros compostos sendo desenvolvidos”, disse.

O grupo está caracterizando ainda o potencial dessa
classe para tratar a malária causada por Plasmodium vivax, a forma da malária
mais prevalente no Brasil, e está desenvolvendo a parte de farmacocinética do
projeto – a reação do organismo ao medicamento. “Se as propriedades do
composto, como solubilidade, absorção, distribuição, metabolismo e excreção não
forem adequadas, ele pode ser acumulado no organismo e se tornar tóxico para o
paciente, o que inviabilizaria o medicamento. Após terminarmos essa etapa,
nosso objetivo é fazer testes pré-clínicos e clínicos”, disse Guido.

Morto de fome

Os mecanismos de
ação da molécula ainda não são totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que entre
eles está uma via clássica de inibição do parasita, conhecida como metabolismo
de hemozoína.

Essa estratégia consiste em manter baixa a
concentração desse composto que é tóxico para o parasita. Quando o parasita se
instala no hospedeiro, ele infecta primeiramente as hemácias (glóbulos
vermelhos), pois a hemoglobina presente nessas células é a única fonte de
energia que ele tem para consumir. Mas a hemoglobina contém uma molécula de
cofator ligada em sua estrutura chamada grupo heme, que na forma livre – quando
está desligado da hemoglobina – é altamente tóxico para os parasitas.

Anos de evolução deram ao parasita a capacidade de
desenvolver um mecanismo que polimeriza esse grupo, livrando-se assim de sua
toxicidade. “Essa estratégia do parasita de obter energia sem se intoxicar
funciona mais ou menos como jogar a poeira para baixo do tapete. O grupo heme
continua lá, mas em uma forma polimerizada e insolúvel que não é tóxica para o
parasita”, disse Guido.

A molécula
desenvolvida pelo grupo de pesquisadores do CIBFar atua, entre outros
mecanismos, impedindo essa polimerização e, assim, o parasita é intoxicado pelo
grupo heme. “A molécula atua impedindo a formação do polímero hemozoína, que é
a forma que o parasita desenvolveu para se livrar da toxicidade do grupo heme.
Ao impedir a formação da hemozoína o parasita morre”, disse Célia Regina
Garcia, professora na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de
São Paulo e também autora do artigo. Garcia trabalhou em parceria com o CIBFar
e foi responsável pelos testes do mecanismo de ação da molécula no parasita.

Cepas resistentes

Outro indicador de
que a derivada de marinoquinolina é forte candidata a fármaco está no fato de ela
conseguir matar cepas resistentes a três dos principais medicamentos contra a
malária: cloroquina, pirimetamina e sulfadoxina. “A cloroquina tem sido pouco
usada para o tratamento da malária falciparum, a malária responsável pelos
casos mais graves e fatais da doença, e a expectativa é que a artemisinina siga
o mesmo caminho. Atualmente, a artemisinina é o principal fármaco em uso para o
tratamento da malária. Embora ainda eficaz, é um fármaco com os anos contados
por causa da resistência, e essas cepas resistentes estão se alastrando em toda
a Ásia. Existe, portanto, uma preocupação mundial em desenvolver fármacos para
a malária e eu acho que o Brasil é um país que tem potencial de emergir nessa
área”, disse Garcia.

De acordo com dados
da Organização Mundial da Saúde (OMS) a malária mata hoje 445 mil pessoas por
ano. “Se hoje, com o medicamento eficaz, temos um número tão alto de mortes, se
não houver o desenvolvimento de novos fármacos no futuro a malária pode matar
muito mais. É a parasitose que mais mata no mundo ainda que atualmente tenha
tratamento relativamente eficaz”, disse Guido.


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