Querem mais uma alteração no Código Civil, com 50 novos itens e mudança em outros 50

  • Robson Leite
  • Publicado em 11 de agosto de 2021 às 16:30
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Como em toda alteração de lei, algumas propostas são modernizadoras, enquanto outras suprimem direitos há muito tempo consolidados

Já está disponível para consulta pública o projeto de mudança do Código Civil brasileiro

O estoque de mercadorias de comércio ou indústria pode ser oferecido como garantia de que um financiamento será pago?

Pelas regras atuais, isso é praticamente inviável, mas um projeto de lei que está em elaboração pelo governo pode mudar essa história, beneficiando principalmente as pequenas e médias empresas.

Essa é a principal mudança, entre muitas outras, de um documento que foi colocado em consulta pública na segunda-feira (dia 10) pelo Ministério da Economia com o objetivo de reformar o sistema de garantias no Brasil.

O texto sugere alterar 50 itens e adicionar outros 50 ao Código Civil, arcabouço de regras que regula as relações jurídicas dentro do setor privado. A reportagem original é do portal 6 Minutos.

100 anos

“Algumas regras estão aí há mais de 100 anos”, aponta o advogado Fabio Rocha Pinto, relator do grupo de estudos que elaborou a proposta.

“Um dos méritos dessa proposta é a simplificação de regras, já que concentra no Código Civil normas espaçadas em 15 leis diferentes. A segurança jurídica aumenta”, avalia.

Outro pilar importante da proposta, segundo ele, é a flexibilização do uso de garantias que algumas regras possibilitarão.

“Instrumentos que atualmente são inviáveis do ponto de vista prático passam a ser permitidos ou utilizáveis”, afirma ele, que também é presidente da comissão de crédito imobiliário do Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário).

Estoques como garantia

O grande avanço da proposta seria a possibilidade de os chamados “bens móveis” (em contraponto aos imóveis), como estoque de mercadorias e matérias primas, máquinas e equipamentos e recebíveis, poderem ser dados em garantia em financiamentos.

Esse ponto ajudaria a ampliar o crédito em especial para as pequenas e médias empresas, que muitas vezes possuem grande parte do seu patrimônio investidos nesses bens.

“O patrimônio das pequenas e médias empresas costuma ser constituído de 25% de bens imóveis e 75% de bens móveis”, explica Pinto.

Garantias

No caso de recebíveis, que representam o dinheiro devido para empresas pela venda de produtos ou serviços a crédito, o sistema de garantias já está bastante amadurecido no Brasil.

Para estoques, entretanto, a avaliação é que as mudanças propostas podem representar um grande avanço, já que as regrais atuais praticamente inviabilizam seu uso como garantia.

“Os estoques e equipamentos são pouquíssimos usados como garantia. E isso restringe o crédito. Uma loja de bairro, por exemplo, não tem imóvel, ela aluga. O patrimônio é o seu estoque”.

Adeus à listagem detalhada do estoque

A proposta prevê que estoques e equipamentos possam ser apresentados em um financiamento sem a necessidade de uma listagem detalhada de tudo o que o comércio, a indústria ou o agronegócios possuem em produtos e matérias-primas.

Hoje, se você vai dar o seu estoque em garantia, tem que fazer uma descrição de tudo que o compõe. No caso de um mercadinho, por exemplo, seria uma planilha gigante em que cada linha detalha o número de pacotes de farinha, litros de leite, etc.

“E isso tem que ser atualizado diariamente, porque é estoque. O projeto prevê que o estoque descrito de forma geral possa ser usado como garantia. Em outras palavras, tudo o que estiver na minha prateleira é garantia do financiamento desse empréstimo”.

Cadeias produtivas

A expectativa, de acordo com ele, é que isso facilite a concessão de crédito não por bancos, mas dentro das diferentes cadeias produtivas ou de comércio.

Dessa forma, um distribuidor de alimentos, por exemplo, concederia um financiamento para pequenos comércios em troca da garantia dos bens móveis.

“Não acredito que os bancos, diretamente, aceitariam um estoque como garantia, por exemplo. Mas a experiência internacional nos mostra que isso acontece dentro das cadeias. Mas isso gera um benefício indireto, já que o financiador do capital de giro do distribuidor  pode ter o seu próprio crédito bancário facilitado”, explica

Recuperação do bem

Entre as mudanças propostas, estão também aquelas relacionadas à recuperação do bem em caso de inadimplência do financiamento.

Um dos principais pontos nesse sentido é a possibilidade de retomada extrajudicial da posse do bem pelo credor em caso do contrato ser quebrado. A regra prevê que isso pode acontecer desde que essa possibilidade esteja explicitada em contrato.

“Desde que não haja oposição do devedor, o credor pode retomar o bem de forma extrajudicial. É claro que o credor não pode entrar na casa das pessoas ou dependências da empresa. Mas se o bem estiver em um armazém, por exemplo, o credor pode retomá-lo mesmo sem uma decisão da Justiça”.

Veículo retomado

Isso abriria caminho para que inclusive pessoas físicas fossem afetadas. Um contrato de financiamento de um veículo poderia prever a retomada de um carro comprado a crédito em caso de não pagamento.

“Se o credor tivesse a chave do carro, por exemplo, e se esse veículo estivesse em um estacionamento ou com terceiros, por exemplo, ele poderia ir lá e retomar o veículo”.

Outra mudança proposta é que os bens móveis, como matérias primas, possam ser retomados pelo credor sem a necessidade de se fazer um leilão de forma imediata para vender o produto e pagar a dívida.

“Em caso de execução dessa garantia, o credor não precisa vender imediatamente. Pode esperar condições melhores de mercado para fazer essa venda”, explica.


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