Periodontite: inflamação na gengiva é grave e pode ter origem autoimune

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 21 de outubro de 2018 às 03:06
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:06
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Células de defesa impulsionam o processo que leva bactérias orais a causar o problema

A periodontite é uma das doenças
bucais mais comuns e também um fator de risco de doenças pulmonares e
cardíacas.

Dentistas sabem que ela é provocada
pela má higiene, já que o acúmulo de bactérias desencadeia inflamação nas
gengivas. Mas há desconfiança sobre a atuação de outros fatores.

Em experimentos com ratos e análises
de humanos, cientistas americanos identificaram que o acúmulo de um grupo de
células imune também está relacionado ao problema.

As descobertas foram publicadas na
última edição da revista Science Translational Medicine. “Os cientistas
sabem, há anos, que os micróbios na boca podem causar inflamação nos tecidos ao
redor dos dentes, mas nós queríamos entender os detalhes subjacentes”, conta ao
Correio Niki Moutsopoulos, uma das autoras do estudo e pesquisadora da
Instituto Nacional de Pesquisa Dental e Craniofacial (NIDCR, em inglês), nos
Estados Unidos.


Em observações laboratoriais, a cientista e sua equipe viram que células-T
auxiliares (Th) 17 eram muito mais prevalentes no tecido gengival de humanos
com periodontite do que nas gengivas de pessoas saudáveis, e que a quantidade
de células Th17 estava correlacionada com a gravidade da doença. “Observamos
que pessoas com doença gengival severa, ou periodontite, têm altas proporções
de células imunes Th 17 em tecidos orais. Isso despertou nosso interesse, já
que essas células têm sido implicadas em várias doenças inflamatórias, como
psoríase e colite”, detalha a autora.

Para comprovar a relação, os
investigadores realizaram um experimento com ratos e descobriram que,
semelhante aos seres humanos, mais células Th17 se acumulam nas gengivas dos
animais com periodontite, quando comparados aos saudáveis. Para checar se o
microbioma oral seria o gatilho para o acúmulo de células Th17, os pesquisadores
deram aos camundongos um coquetel de antibióticos.


A equipe descobriu que a eliminação de micróbios orais preveniu a expansão de
células Th17 nas gengivas de camundongos com periodontite, enquanto outras
células imunes não foram afetadas. Para os investigadores, o resultado aponta
que uma população bacteriana não saudável desencadeia o acúmulo de células
Th17. “Nossos resultados sugerem que as células Th 17 são impulsionadores desse
processo, fornecendo a ligação entre bactérias orais e inflamação”, frisa Niki
Moutsopoulos.

Teste
terapêutico

Em uma segunda etapa, o grupo modificou geneticamente os
camundongos para que não tivessem células Th17 ou deu às cobaias uma pequena
molécula que evita o desenvolvimento dessas células. Houve a mesma resposta nos
dois grupos: redução da perda óssea provocada pela periodontite. Análises de
RNA mostraram que o fármaco bloqueador de Th17 levou à diminuição da expressão
de genes envolvidos na inflamação, na destruição de tecidos e na perda óssea,
sugerindo, novamente, que as células Th17 podem mediar esses processos na
periodontite.

Em uma última etapa, os pesquisadores
estudaram 35 pacientes com um defeito genético que causa falta de células Th17.
Esses voluntários eram menos suscetíveis à periodontite e apresentaram menos
inflamação e perda óssea, em comparação a indivíduos pareados por idade e sexo.
Niki Moutsopoulos ressalta que, apesar dos resultados animadores, análises mais
amplas são fundamentais para comprovar o fenômeno em humanos. “Nossos estudos
em ratos sugerem que o bloqueio seletivo de células Th17 pode ser benéfico na
periodontite. No entanto, estudos adicionais são necessários para determinar se
essa estratégia terapêutica será benéfica para pacientes com a doença bucal”,
frisa.

Outros fatores

Heloisa Crisostomo, cirurgiã-dentista, destaca que o mecanismo
constatado pela equipe americana é o mesmo de doenças autoimunes. “Quando o
corpo não está em equilíbrio, esses linfócitos chamados Th17 podem fazer mal.
Nas autoimunes, por alguma falha, a defesa do corpo é feita de forma irregular,
e isso prejudica o organismo”, compara. A dentista também explica que existem
subtipos da doença bucal. “Temos pacientes que perdem todos os dentes e, nesse
caso, sabemos que pode ter influência de família, ou seja, existe a suspeita de
outras causas envolvidas, além da má higienização.”

Crisostomo acredita que o trabalho americano poderá render tratamentos que
sejam mais eficazes que os atuais. “Há a possibilidade de um medicamento mais
certeiro. Manteríamos a limpeza, com a remoção da placa bacteriana, mas
teríamos também um remédio que atuasse de forma mais direta e parasse, de
imediato, com a perda óssea, como visto nos experimentos iniciais. Seria algo
extremamente eficaz e muito bem-vindo”, completa.

Também câncer

Estudos científicos têm mostrando que
a inflamação severa da gengiva pode estar relacionada ao surgimento de tumores
malignos. Uma pesquisa da Universidade de Oxford sinaliza que a doença bucal
está associada a um risco 24% maior de incidência de câncer e duas vezes maior
de câncer de pulmão, quando comparado à ausência dela ou de graus mais leves da
doença.  A equipe liderada por Dominique S. Michaud analisou 7.466
voluntários com idade entre 44 e 66 anos, provenientes de quatro regiões dos
Estados Unidos. Foram constatados ao menos 100 casos de câncer de pulmão,
próstata, mama, pâncreas, colorretais e de células sanguíneas, além de aumento
da mortalidade geral em rações dos carcinomas. Resultados do trabalho foram
divulgados, em janeiro, no Journal of the National Cancer Institute.


+ Saúde