​MUNDO, MUNDO, VASTO MUNDO

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 13:10
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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(O BOCA DO INFERNO – DIRETO DO SUBMUNDO)

Comprei um cachorro. Parecia um gato. Perguntei ao vendedor, a dúvida o assaltou. Desfilou um “achismo” destrambelhado. Fiquei surpreso com a burrice. O amarfanhado, com cara de sabichão, questionou: “Foi pego em qual gaiola?”. Respondi: “Na do meio, acima das outras”. Era um gato, com certeza. Argumentei que não parecia. Ele, que seria capaz de vender a alma na 25 de março, disse: “Então, era um cão”. Aproximou-se o que quem tinha cara de metido a entender de mal entendidos: Dane-se se for gato ou cão, a gaiola estava no meio”. Eu, na minha santa ignorância, comprei “gato por lebre” ou, na verdade”, “gato por cão”. Gato é esperto no seu silêncio; cão é fiel a um biscoito com afagos. Jurava eu que era um cão. Ronronava como um gato. Lambia-se como um gato. Aconchegava-se como um gato. Pulava como um cão, queria biscoitos como um cão, talvez sofresse de crise de identidade. Não gato ou não cão. Voltei ao PET. Ninguém soube me dizer o que, de fato, era aquele ser. Dócil era. Olhar fingido. Olhava não olhando como gato, marcou seu território, que ninguém sabia qual era, como um gato. Se fosse só cão, faria xixi em cada canto. Seria dono de coisa alguma como um cão, achando-se dono de tudo.

Homens adoram teses, achismos sobre o nada absoluto, enchem o peito para falarem o óbvio ululante, para se sentirem importantes. Nenhuma tese emplacou. Gato ou cão? Nem gato, nem cão. Atacava com silêncio e rancor, recuava com o corpo esmagado no chão e cara de piedade. Ao se meter no meio dos outros cães e gatos, olhou-os como se os cheirasse, cheirou-os como se os olhasse.

Chegou a casa com pose de cão e cara de gato. Eriçou os pelos, ameaçando-os habitantes, como um gato. Eram muitos.Recuou aos saltos como um cão. Eram em número bem maior. Todos se chegaram a ele passo a passo. Ressabiados. Estufou o peito. Roncar alto. Ou usar a força do verbo. Covardia jamais. Os gatos achavam que era um cão, os cães acharam que era um gato. Cochichos daqui. Sussurros dali. Daí para a fofoca, foi um pulo (força de expressão): Transgênero? Transgênico? Assexuado? ET? Quem era? O que era?

Ora defendia os fracos; ora se aliava-se aos fortes. Descobriu-se, que, quando lhe interessava, virava gato. Quando interessava aos outros, virava cão. Crise de identidade? Crise de maldade? Crise de bondade? Ou pura manipulação?

O mundo dele é peculiar, pendular: ora aqui, ora ali; ora de um lado; ora de outro. Depois de um tempo, todos o amavam, aconselhavam-se com ele. Quanto mais o tempo passava, mais dependiam dos seus conselhos; quanto mais se confessavam, mais guardava os segredos. Quanto mais os acobertava, mais os subjugava. Conselho é excelente moeda de troca. O pecado é a pior das dívidas. Como não era nem um, nem outro ou os dois, os bichanos o chamaram para a revolução contra o excesso de biscoitos dos cães, foi disfarçado de gato; os comedores de biscoitos o convocaram para a revolução contra o excesso de ração para os gatos. Foi vestido de cão. Na hora do vamos ver, traiu os dois, alegando gostar muito dos dois grupos, alegando que um mau acordo é melhor que qualquer demanda. Quem o cobraria? Nenhum dos dois ou os dois? Ao final e ao cabo, rendeu-se às evidências: não era nenhum, era os dois.

Moral da história: “Quem só vê aspecto, não vê distinção. Não tem dono, nem coração”.


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