Com queda no mercado interno, indústria calçadista agoniza no Sul do País

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 22 de julho de 2018 às 18:41
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:53
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

Setor acumula consecutivas perdas de postos de trabalho e perde 26,3 mil vagas

Anderson Fetter / Agencia RBS

​A indústria calçadista gaúcha, que chegou a empregar 138 mil pessoas em maio de 2005, acumula consecutivas reduções de  postos de trabalho desde 2011. Nestes últimos sete anos, são 26,3 mil vagas perdidas — de 122,6 mil em 2011 para 96,3  mil em 2018. 

O levantamento considera o saldo em maio de cada ano, de acordo com o último balanço divulgado pelo  Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). No acumulado de 12 meses, o setor empregou 92,6 mil pessoas em 

2017. Para efeito de comparação, 142,1 mil pessoas foram trabalhar na indústria calçadista em 2004.

Hoje, parte desta sólida indústria agoniza, como a Crysalis, tradicional fabricante sediada em Três Coroas. Na semana passada (17), a Justiça acatou recurso e suspendeu a falência decretada no início do mês, que deixaria 400 

trabalhadores desempregados. Já a Bottero, também em julho, fechou quatro unidades em Osório, Santo Antônio da Patrulha,  Nova Petrópolis e Parobé, dispensando 630 funcionários. 

Ainda assim, a receita de vendas passou de R$ 7,2 bilhões em  2010 para R$ 8,4 bilhões em 2016 no RS. E a projeção para 2017, cujo balanço ainda não foi fechado, é de R$ 10,7 bilhões.

— Isso acontece por conta da valorização do produto. Com a crise, há queda de demanda, redução do nível de atividade das empresas, e a produção que permanece se valoriza — explica o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.     

Ele afirma que a queda do consumo doméstico, responsável por 90% das vendas, teve efeito devastador.    

— Simplesmente a população não está consumindo. Há uma parcela significativa de pessoas endividadas que vive em regime de subsistência — resume Klein, destacando que a perda de competitividade no mercado internacional se deu em razão dos custos estruturais do setor, o chamado “custo Brasil”.  

Para entender a atual conjuntura, Marcos Lélis, professor de Ciências Econômicas da Unisinos, diz que é preciso voltar aos anos 1990 e 2000, quando o real permaneceu décadas bem cotado ante o dólar e fez empresas brasileiras perderem mercado no Exterior. Nessa época, os fabricantes tiveram que se reestruturar e priorizar a demanda interna.   

Em 2012, quando as empresas estavam focadas no mercado nacional, a economia desaqueceu. Ou seja: as exportações foram deixadas de lado, dando prioridade ao mercado interno, e, poucos anos depois, o país mergulhou na crise econômica.  

— As empresas perderam mercado no Exterior e aqui as vendas despencaram — afirma Lélis.  

A solução para retomar o crescimento, avalia o economista, é retomar as apostas no mercado externo, devido à desvalorização atual do real. Mesmo assim, a reestruturação deve demorar no mínimo seis meses para acontecer. A economista e professora da Feevale Kátia Isse sugere que a carga horária seja reajustada, para evitar novas demissões. Além disso, para ela, os empresários devem apostar nos setores de inovação e tecnologia, para aproveitar melhor a mão de obra e os insumos.  

De acordo com Isse, no início do ano de 2018, havia esperança de recuperação na economia, muito por conta do controle da inflação. Entretanto, a redução do consumo familiar, a volatilidade da taxa de câmbio e as incertezas políticas geraram novas instabilidades, situação que acabou agravada pela greve dos caminhoneiros.   

Entre o primeiro semestre de 2017 e o deste ano, a receita de exportações caiu 2% no RS. Entre o acumulado do ano de 2010 e o de 2017, o declínio foi de 31,44%, de US$ 830 milhões para US$ 569 milhões. Por isso, conforme a Abicalçados, a maioria das 2,5 mil empresas gaúchas está tendo que fazer adequações no quadro de funcionários, em maior ou menor número, pois a estimativa é de que 35% da capacidade fabril esteja ociosa.  

— Infelizmente, alguns trabalhadores são penalizados para que a saúde financeira não seja comprometida e as empresas não tenham que fechar as portas, causando ainda mais demissões — complementa.   

(Publicado no ZH, Porto Alegre)


+ Economia