Empresas de viagens de ônibus ensaiam retorno mesmo sem regras claras

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  • Publicado em 23 de junho de 2020 às 21:37
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:53
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Com alguns governos adotando a flexibilização do isolamento social, o transporte está sendo retomado

Na semana passada, uma das maiores fabricantes de ônibus do país, a Marcopolo, lançou um novo modelo para viagens intermunicipais e interestaduais. 

Equipado com cortinas e materiais antimicrobianos e sistema de ar-condicionado com luz ultravioleta – o que, segundo a empresa, sanitiza todo o ar do veículo a cada 15 minutos – o protótipo chama a atenção, principalmente, por ter poltronas individuais, separadas uma das outras.

São dois modelos, segundo o Rodrigo Pikussa, diretor do negócio ônibus da Marcopolo. “Esse, com dois corredores e poltronas individuais, e outro, com uma fileira de poltronas duplas e outra com apenas uma”, explica.

A dúvida que fica é: as empresas adotarão esse novo modelo?

“Não existe ainda nenhum protocolo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre como as viagens deverão ser retomadas”, diz Luiz Cláudio Varejão, secretário-geral da Anatrip (Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros), entidade de que engloba 21 empresas de transporte interestadual de passageiros.

No começo da pandemia, boa parte das viagens entre municípios e estados foram canceladas, uma vez que muitas cidades e governos estaduais fecharam suas fronteiras.

Agora, com alguns governos adotando a flexibilização das medidas de isolamento social, o transporte está sendo retomado. “Algumas prefeituras determinam que o veículo rode, com no máximo, metade da sua capacidade”, diz Varejão.

Mas não há determinação sobre máscaras ou outros procedimentos, segundo ele. “Quantas máscaras um passageiro vai usar numa viagem, por exemplo, de 72 horas?”, pergunta ele.

Foi para resolver imbróglios como esse, segundo o executivo da Marcopolo, que a empresa desenvolveu, em conjunto com a Universidade de Caxias do Sul, os equipamentos que fazem parte do novo protótipo da empresa, batizado de Marcopolo BioSafe.

“A empresa pode comprar o ônibus, todo equipado, que custa de 2% a 3% mais que um ônibus comum, ou apenas adquirir equipamentos separados para usar em sua frota, explica Pikussa. 

As cortinas e tecidos antimicrobianos, por exemplo, para ser usados nas poltronas e em cortinas que separam um assento do outro, custam, em média, R$ 3,5 mil. 

O sistema de ar com luz violeta, que sanitiza o ar, segundo a empresa, sai a partir de R$ 2,5 mil. Se a viação quiser mudar o layout das poltronas, o investimento é maior: a partir de R$ 60 mil.

Mas essas medidas realmente funcionam?

O infectologista Pedro Mendes Lages, de São Paulo, diz que as cortinas que formam uma barreira entre um passageiro e o outro são uma boa ideia, pois impedem que gotículas da respiração se espalhem pelo ônibus, que de preferência, deveria ter as janelas abertas.

Já a luz ultravioleta, segundo ele, é eficaz para inativar o vírus. “No entanto, a radiação precisa de 10 a 15 minutos sobre a superfície para agir – e sem sombras. No ar-condicionado, é importante que a lâmpada não fique suja. E os dutos sempre ficam empoeirados. Então, a limpeza precisa ser frequente”, afirma o especialista.

“Num avião, o sistema de ar-condicionado tem o filtro EPA, que é muito eficaz contra vírus. Não sei se seria aplicável a um ônibus”, acrescenta. Tecidos microbianos, como o próprio nome diz, segundo ele, são eficazes contra bactérias. Mas não têm ação contra vírus.

E as empresas teriam como investir nesses novos materiais?

Para Regina Rocha, diretora executiva da Fresp (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros por Fretamento do Estado de São Paulo), é natural que os fabricantes agreguem valor ao produto que comercializam com soluções que ampliam a segurança no aspecto sanitário.

“Mas os efeitos econômicos da pandemia impedem qualquer investimento em renovação da frota”, afirma ela.

As fabricantes de ônibus sabem disso e também sentiram os efeitos da pandemia no bolso. Segundo a Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), as vendas de ônibus caíram de 1492 unidades, em janeiro deste ano, para 666 em maio. É uma queda de 55%.

“Sabemos dessa dificuldade, por isso estamos financiando esses novos equipamentos em 24 vezes, com três meses de carência para o primeiro pagamento”, diz Pikussa. “E com o novo layout que estamos propondo, as companhias conseguem transportar mais passageiros, mantendo o distanciamento entre eles, o que diminui o impacto financeiro”, afirma.

Entretanto, sem uma ajuda do governo federal, com uma linha de crédito para as empresas, poderá haver uma onda de falências no setor diz o executivo da Anatrip. 

“A maior parte das empresas ficou com 90% da frota parada por quase três meses. Dos 100 mil funcionários do setor, 30 mil já foram mandados embora. As empresas que estão retomando agora, estão reduzindo a oferta de horários, diminuindo a frota. Muitas cidades vão ficar sem transporte se as companhias falirem.”

*6Minutos


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