Estado de São Paulo realiza mais de metade dos transplantes do país

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 30 de junho de 2018 às 02:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:50
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Houve um crescimento de 916% no número de doadores que tiveram morte cerebral no Estado

Perda de peso,
barriga inchada, fraqueza e desmaios eram sintomas bastante comuns para Maria
Raimunda da Silva. “Eu estava praticamente morta”, afirma ao se lembrar da
quantidade de vezes que foi parar no hospital sem consciência. O diagnóstico de
cirrose hepática veio rápido, assim como o encaminhamento para unidade
especializada.

Visitas diárias ao médico viraram rotina. Maria, mãe
de dois filhos, passou a realizar o tratamento no Hospital de Transplantes do
Estado de São Paulo, na capital paulista, onde recebeu a notícia de que seu
fígado havia parado de funcionar.

Um único
procedimento seria capaz de salvar sua vida: um transplante. “Eles viram que
não tinha mais jeito”, comenta. Angustiada e com medo, entrou para fila de
transplante do Estado e somente um doador compatível poderia pôr fim nesse
sofrimento. Foi então que um fígado apareceu e, em 21 de maio de 2017, realizou
o transplante.

A recuperação não
foi das melhores, mas em 15 dias Maria Raimunda tinha ganhado uma nova vida. “O
perfil desse paciente é que ele não tem só o fígado doente. Muitas vezes, ele
se encontra desnutrido, (pois outros órgãos também foram acometidos). Cada
transplante é uma surpresa, cada caso varia na recuperação”, relata a médica
hepatologista do Hospital de Transplantes, Mirella Medeiros Monteiro.

Hoje, aos 58 anos,
Maria Raimunda não tem palavras para agradecer os familiares da pessoa que doou
e ressalta a necessidade de todos se tornarem potenciais doadores. “Foi uma
sensação de alívio. Eu me sinto com 20 anos de novo, estou muito mais enérgica
do que antes. Por isso, eu aconselho meus filhos e toda minha família a doarem.
Se foi importante para mim, é importante para os outros também”, revela.

Central
reguladora

Atualmente, milhares de brasileiros possuem
trajetórias parecidas como esta. Muitas delas, contudo, ainda se perdem no
caminho e deixam para trás histórias, famílias e uma possível chance de
sobrevida. Para reverter esse cenário, portanto, é imprescindível criar cada
vez mais uma sociedade consciente da importância de se tornar um doador de
órgãos.

No Estado de São Paulo, existe um órgão responsável
por administrar e regular todos os procedimentos de doação e transplantes.
Desde 1997, a Central de Transplantes, vinculada à Secretaria de Estado da
Saúde, torna a distribuição de órgãos captados mais justa e transparente.
Assim, são estabelecidos critérios de tempo de espera dos pacientes inscritos,
compatibilidade e gravidade.

De lá para cá, a Central registrou um saldo de 101,3
mil doadores paulista e mais de 117 mil transplantes realizados. Houve um
crescimento de 916% no número de doadores-cadáveres (aqueles que tiveram morte
cerebral), chegando a marca histórica de 844 só em 2017.

Essas conquistas são graças a um trabalho integrado
entre diversas equipes espalhadas pelo Estado que realizam a captação de
órgãos, transplantes e acompanhamento constante do paciente. Por conta desse
volume, a Central possui com uma estrutura bastante robusta.

A partir de convênios com instituições públicas e
privadas, a entidade conta com transportes aéreo e terrestre responsáveis por
distribuir regionalmente os órgãos pelo Estado (com exceção de coração e
pulmão). No total, são 365 equipes transplantadoras e 264 hospitais
transplantadores. “Precisamos de um mecanismo rápido que notifique doadores e
prepare o paciente para o transplante”, explica Marizete Medeiros, coordenadora
da Central de Transplantes, que funciona 24h por dia.

Passo
a passo

As unidades hospitalares que possuem UTI e pronto-socorro
devem ter uma comissão instrahospitalar de transplante, liderado por um médico,
que identificam pacientes com trauma craniano ou AVC. Com isso, ele precisa
notificar a Central para certificar a possibilidade da existência de um doador.
Após a confirmação de morte encefálica, é necessário que a família autorize a
doação.

Paralelo a isso, os pacientes que estão à espera de
um órgão são registrados em uma lista de espera da Central. Quando surge um
doador, esse sistema cruza as informações e indica quem são os possíveis
receptores.

Critérios como tipo
sanguíneo, gravidade do paciente e tempo de espera são essenciais para fazer a
distribuição deste órgão. “Ainda mandamos para um laboratório que pegam
amostras das duas pessoas e fazem a prova definitiva. Após esses procedimentos,
o transplante pode ser realizado”, comenta Marizete. É com base nessas
estratégias que, hoje, São Paulo realiza metade dos transplantes do país e é
referência internacional em diversas modalidades do procedimento.

São
Paulo na ponta

O Estado de São Paulo não está na ponta dos
transplantes nacionais apenas pelo seu número de habitantes. Atualmente, os
paulistas recebem pacientes de todos os cantos do Brasil, que são registrados
na lista de espera paulista, para realizar o procedimento.

É o que acontece com os transplantes de pulmão, que
coloca o Estado na vanguarda comparado com vários países. O Instituto do
Coração (Incor), vinculado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
USP, é um dos únicos capacitados para tal prática.

Trata-se de uma logística bastante complexa
comparada com os demais órgãos, pois as chances de danos são maiores e exigem
uma avaliação mais profunda. Por esse motivo, o médico Paulo Pêgo Fernandes, diretor da Divisão de Cirurgia Torácica da
entidade, explica que a grande dificuldade está em manter uma equipe motivada
para realizar o trabalho. “É uma cirurgia mais longa. Na maioria das vezes, são
quatro em uma, pois temos que tirar os dois pulmões e colocar os dois doados.
Por isso, é necessária uma estrutura hospitalar grande, com acompanhamento
multidisciplinar. Isso não é fácil de encontrar”, afirma.

No ano passado, a
equipe de Fernandes realizou mais de 50 transplantes. “É um desafio que
buscamos há décadas e que hoje nós podemos oferecer. Com esse serviço
diferenciado, é a nossa obrigação atender a população”, completa.

Diga
‘Sim’ para doação

No Brasil, é a família quem autoriza as doações. Por
isso, é importante esclarecer a todos os membros desde já a vontade de doar os
órgãos. Este é, sem dúvida, o maior desafio não só da Central de Transplantes,
como de todo o país.

Para muitas famílias, é difícil compreender a morte
cerebral. No entanto, a falência do cérebro invalida qualquer chance de vida do
paciente, por mais que o coração ainda esteja bombeando sangue para o corpo.
“Existe uma lenda em cima de ‘desligar os aparelhos’. Se existe essa
possibilidade, é porque não tem mais prognósticos”, reitera Mirella.


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