Juiz suspende Comissão da Câmara que poderia cassar prefeito Alexandre Ferreira

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 29 de abril de 2016 às 20:57
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 17:44
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Juiz considera irregular voto e presença de vereadores na Comissão. Leia íntegra da sentença

Prefeito Alexandre consegue reverter quadro politico desfavorável

​O Juiz da Vara da Fazenda Pública de Franca, Aurélio Miguel Pena, suspendeu na tarde desta sexta-feira (29), a Comissão Processante da Câmara de Vereadores que foi instalada na 12ª sessão ordinária do Legislativo, na última terça-feira (26) com a finalidade de investigar e apresentar relatório sobre a possível cassação do Prefeito Alexandre Ferreira, acusado por irregularidades na contratação do ICV – Instituto Ciência da Vida.

A decisão foi tomada depois que o magistrado analisou fundamentações em pedido de Mandado de Segurança da advogada Myrian Ravanelli Scandar Karam, representando o Prefeito, que justificou que os vereadores Márcio do Flórida e Daniel Paulo Radaéli – que integram a Comissão Especial de Inquérito que investigou o contrato entre a Prefeitura e o ICV – não poderiam integrar a Comissão Processante criada a partir de seu relatório.

Veja abaixo, com exclusividade, a íntegra da decisão de concessão do Juiz Aurélio Miguel Pena. 

O entendimento do Juiz Pena é de que como integrantes da CEI, Márcio e Radaéli não poderiam ter votado no requerimento de instalação da CP e, muito menos, quando sorteados, nomeados pelo Presidente do Legislativo, Marco Garcia, para compô-la.

A decisão do Juiz suspende todo o processo por conta desta e outras irregularidades regimentais elencadas em seu despacho.

A decisão do Juiz da Vara da Fazenda Pública ainda cita outras falhas no procedimento da Câmara: não foi elaborado Projeto de Resolução da Mesa da Câmara criando a Comissão Processante, apenas um ato da mesa nomeando os vereadores que a comporiam e seus respectivos suplentes.

A CP foi formada pelos vereadores Márcio do Flórida, Daniel Radaéli e Luís Antônio Cordeiro. 

“Quem denuncia, quem formula juízo de valor não pode participar como relator ou acusador é a lógica da legalidade. A participação dos dois vereadores na Comissão Processante, inclusive, com votação sobre a sua instauração, colide, a princípio, com a necessária imparcialidade indicada pela leitura da legislação”, disse o juiz em sua sentença. 

Íntegra da decisão de concessão: 

1. Questiona a impetração a instauração de Comissão Processante pela Câmara Municipal de Franca para a investigação de fatos imputados ao Prefeito Municipal: crime de responsabilidade, infrações político administrativas, atos de improbidade administrativa e crimes comuns [Lei de Licitações e Decreto-lei nº 2848/1940].

Os fatos vieram indicados pela Comissão Especial de Inquérito criada para investigar a contratação e a prestação de serviços efetuados na área da saúde pública pelo Instituto Ciências da Vida com a Prefeitura Municipal de Franca, e a contratação de médicos sem a habilitação legal para atuação.

A Comissão, segundo relato, indica a ação suposta do impetrante no exercício da atividade pública (Prefeito Municipal). Indica-se a ausência de legalidade no trâmite legislativo, falecendo de constitucionalidade a instauração das Comissões, com vícios formais e materiais insanáveis.

Houve ofensa aos princípios da legalidade e do processo legal, bem como, infração ao Regimento Interno da Câmara, com a constituição da Comissão Processante sem a necessária observância dos preceitos da legislação. 

Vereadores que participaram da Comissão de Investigação, votaram para a abertura da Comissão Processante e integram o mesmo colegiado, sem respeito aos termos da legislação interna.

Também não há indicativo da abertura da Comissão Processante pelo ato específico indicado pela legislação, qual seja, a Resolução, sem a indicação dos limites da investigação, seus termos e parâmetros. 

Pede-se a concessão da medida de segurança liminarmente, para a suspensão imediata da tramitação da Comissão Especial Processante.

A petição inicial veio formalizada com documentos informativos das alegações pelo sistema eletrônico [e-SAJ].

2. O processo foi preparado pela serventia e veio para conclusão. É o relatório. Fundamento e decido. Vejamos.

1. Recebo e aceito o feito.

Pela natureza da causa – mandado de segurança, a competência se verte para a Vara da Fazenda Pública [artigo 2º da Lei nº 12.153/2009 – Lei dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, Lei nº 12.016/2009 – Lei do Mandado de Segurança e Decreto-lei Complementar nº 3/1969 – Código Judiciário do Estado].2. José Afonso da Silva conceitua o ‘mandado de segurança como um remédio constitucional-processual destinado a proteger direito individual líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão por autoridade, não amparado por habeas corpus. 

O mandado de segurança tem natureza de ação civil, posto à disposição de titulares de direito líquido e certo lesado ou ameaçado de lesão por ato ou omissão de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público’ [‘Comentário Contextual à Constituição’, Editora Malheiros, São Paulo].

Para a concessão da medida de segurança é preciso analisar se existe o direito líquido e certo. Ou seja. Um fato incontroverso, cabalmente provado, com alto grau de admissibilidade. É razoável? É plausível? Na concepção de Hely Lopes Meirelles, ‘direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração.  

Isso quer dizer que, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais. O mandado de segurança é um verdadeiro instrumento de liberdade civil e liberdade política’ [‘Comentário Contextual à Constituição’, Editora Malheiros, São Paulo]. 

Finalmente, José da Silva Pacheco, define ‘a proteção de direito líquido e certo se constitui, pois, em: a) finalidade do mandado de segurança e b) razão de ser o mesmo pleiteado e concedido. Daí desdobrar-se nos aspectos: a) de fundamento ou requisito básico para o exercício da ação do mandado de segurança e b) de fundamento da sentença mandamental de segurança’ [‘O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais Típicas’, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo]. 

Disse. É razoável? É plausível? Na leitura da petição inicial observo razão para a concessão da medida de segurança liminarmente. Explico. A abertura de uma Comissão Processante é medida excepcional e justifica-se pela presença de elementos imputáveis ao Prefeito Municipal pela investigação realizada. 

Deve pautar-se pela legalidade absoluta, dentro dos limites da legislação, observando-se a necessária imparcialidade na sua formação.Não se esconde seu caráter político, mas sempre regrado e com base na legislação e fatos de gravidade.

A Comissão de Investigação foi instalada com a indicação da suposta prática de crimes comuns, crimes de responsabilidade, infrações político administrativas e atos de improbidade.

Depois, mediante requerimento de cidadãos, aprovou-se (fls. 188 e 192) o pedido e instaurou-se a Comissão Processante. Não vejo na leitura da documentação juntada na petição inicial, e acredito, seja exauriente do trâmite administrativo, a formalização de uma Resolução pela Câmara Municipal, indicando os fatos imputados, as provas a serem produzidas na sua inteireza, a tipificação legal, e, nem mesmo, justificativa jurídica.

Evidentemente, o pedidos dos cidadãos foram submetidos ao Plenário da Câmara e foram aprovados. Mas, mesmo assim, se este for o trâmite, diga-se, haveria necessidade de formalização pela Câmara Municipal de Resolução, na esteira da legislação interna [artigos 16, 56 e 57, do Regimento Interno].

Não vejo a Resolução. Resolução que principiaria a instalação da Comissão Processante, indicando, friso e repito, como uma verdadeira denúncia criminal, os termos da acusação, sua implicações jurídica legais e os meios de prova para produção. 

Esta é a leitura que faço da legislação anexada e permitida para a primeira cognição sobre a matéria. 

Uma segunda questão, e tão importante quanto a primeira, se refere a formação das Comissões, com a presença dos mesmos Vereadores, Marcio César de Souza e Daniel Paulo Radaeli.

Formaram e produziram provas na Comissão de Investigação, e fazem parte, por indicação do Presidente, da Comissão Processante.

Também votaram os pedidos dos cidadãos para a abertura da Comissão Processante, como se verifica.

A imparcialidade no julgamento do resultado da Comissão, por certo, se imbricará com a questão política, tão prejudicial para a análise isenta da prática dos atos.

A política e sua prática, constituem a natureza das Câmaras Municipais, e certamente, influenciarão no julgamento.Porém, a constituição da Comissão Processante recomenda critério de proporcionalidade e imparcialidade. 

Quem denuncia, quem formula juízo de valor não pode participar como relator ou acusador, é a lógica da legalidade. 

E preocupado com a situação, no longínquo e obscuro tempo, a própria legislação previa a forma de constituição das Comissões, evitando de certo modo a mistura [artigo 5º do Decreto-lei nº 201/1967].

A participação dos Vereadores Mário César e Daniel Radaéli da Comissão Processante, inclusive, com votação sobre a sua instauração, colide, a princípio, com a necessária imparcialidade indicada pela leitura da legislação. Evidentemente, salientar-se-ia, que não foram os ‘autores da denúncia’. 

Mas estão ligados a sua base, pois foram os responsáveis pela investigação e conclusões, repetidas nas petições dos cidadãos para a abertura da Comissão Processante. 

Entendo razoável a paralisação dos trabalhos da Comissão Processante. Os atos administrativos gozam da presunção de veracidade e legitimidade e uma das consequências da presunção, ensina Hely Lopes Meirelles, ‘é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem o invoca. 

Cuida-se de arguição de nulidade do ato, por vício formal ou ideológico ou de motivo, a prova do defeito apontado ficará sempre a cargo do impugnante, e até sua anulação o ato terá plena eficácia’ [‘Direito Administrativo Brasileiro’, São Paulo, Malheiros]. 

A leitura da petição inicial recomenda a concessão da medida de segurança, pois indica-se a supressão da legalidade na instauração da Comissão Processante, afastando, numa primária cognição, a presunção de legalidade. 

Preserva-se, também, o devido processo legal, tão caro ao denunciado e tão necessário para a apuração dos fatos.Defiro a medida de segurança. 

Ficará a Comissão Processante instalada pela 12ª Sessão Ordinária da Câmara Municipal de Franca contra o Prefeito Municipal Alexandre Augusto suspensa.

Não obsta, com clareza, eventual modificação da decisão, se a ampliação da cognição assim recomendar.

3. Notifique a Autoridade impetrada (‘Presidente da Câmara Municipal de Franca’) da decisão e a respeito do prazo para o oferecimento das informações [artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009 – Lei do Mandado de Segurança].

4. Ciência ao órgão de representação judicial da autoridade impetrada (‘Câmara Municipal de Franca’), para ingresso, se interesse [artigo 7º, inciso II, da Lei nº 12.016/2009 – Lei do Mandado de Segurança].

5. Depois das informações, vista ao órgão ministerial para o oferecimento de seu parecer, se interesse [artigo 12 da Lei nº 12.016/2009 – Lei do Mandado de Segurança].

6. Processe-se com isenção.Ciência. Oficie-se. Intime-se e cumpra-se.

Franca, 29 de abril de 2016.


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