Luiza Trajano fala de um planejamento estratégico de 10 anos para melhorar o Brasil

  • Cláudia Canelli
  • Publicado em 2 de maio de 2021 às 21:30
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Luizinha Helena falou sobre o plano de vacinação nacional e sobre um plano estratégico de quatro frentes que está desenvolvendo para o Brasil para os próximos anos

A empresária Luiza Trajano lidera um grupo de empresários que pretende auxiliar o governo a vacinar a população.

Comprar o imunizante, no entanto, não está nos planos.

Trajano, que transformou o Magazine Luiza em uma das maiores varejistas do Brasil, deixa claro que há coisas que são do governo, e outras que são da iniciativa privada.

O que nenhum dos lados pode deixar de se preocupar é com o desenvolvimento social do país.

De sua fazenda nos arredores de Cássia, em Minas Gerais, a empresária participou do podcast ESG de A a Z, produzido pela EXAME.

Na conversa, Trajano falou sobre vacina, diversidade, varejo e a chance de entrar para a política.

Confira um resumo da entrevista:

A pandemia está alterando a visão dos empresários sobre o papel da iniciativa privada para o desenvolvimento da sociedade?

O espírito de cidadania aumentou no Brasil. Eu canto o Hino Nacional todas as manhãs há 23 anos. Mas, como fomos colonizados e passamos por 400 anos de escravidão, as pessoas sentem que existem apenas dois papéis: o do colonizador e o do colonizado.

Não sentem que o país pertence a elas. Com a desigualdade social sendo escancarada, as empresas doaram muito, mais de 6 bilhões de reais.

Não apenas doaram para se sentir melhor, mas participaram da entrega, conheceram a desigualdade. Isso traz uma consciência muito grande, e o empresariado teve um papel muito importante nesta pandemia.

Qual é o objetivo do movimento Unidos pela Vacina?

Vacinar as pessoas é a única maneira de parar com o abre e fecha. Sempre deixamos claro que não vamos comprar vacina, quem faz isso é o governo.

Até porque não há vacina disponível para comprar, as fabricantes já disseram que só vendem para governos.

Não falta dinheiro para o Brasil, falta vacina para comprar. Não sei se dava para ter comprado antes, o que eu quero é olhar daqui para a frente e ajudar o governo.

Como será essa ajuda?

Temos três agências de propaganda e uma rede logística, até com aviões, trabalhando com a gente.

Junto com a consultoria Locomotiva, fizemos um levantamento com 5.500 municípios para saber o que está faltando.

Cerca de 5.300 já responderam, o Renato [Meirelles, fundador da Locomotiva] disse que nunca viu algo parecido.

O que mais falta nos municípios são profissionais de saúde, comunicação e equipamentos como caixa térmica. Organizamos doadores que estão apadrinhando cada região para fornecer o que está faltando.

A inteligência e a expertise do setor privado é o que falta para acelerar a vacinação no país?

O SUS tem a maior inteligência de vacina do mundo. Não precisa da experiência do setor privado nessa questão.

O que precisamos é ajudar na gestão. O governo federal é responsável pela compra. Mesmo estados como São Paulo, que compraram diretamente, ficaram com menos de 30%, o resto foi para o SUS. Por que isso? Para ter igualdade.

Não é justo eu vacinar minha equipe e deixar o povo que anda de ônibus sem vacinar. Agora, não adianta culpar o que fez e o que não fez, demonizando ou mitificando as pessoas. É preciso conectar todas as pontas.

Há um plano para continuar o Unidos pela Vacina após a pandemia, como está sendo feito com o Todos pela Saúde, do Itaú?

O que eu sempre quis, junto com o Mulheres do Brasil, foi investir em ciência. O Brasil tem um histórico de cura de doenças como a febre amarela. Esta não será a última pandemia.

Os vírus estão aí circulando, temos de ter a prevenção. O Todos pela Saúde, do Itaú, também virou um instituto de ciência.

Qual será seu próximo projeto na área social?

Assim que passar a vacina, quero fazer um plano estratégico de dez anos para o Brasil, abordando saúde, educação, moradia e emprego. Tudo ligado à sustentabilidade.

Quando eu estive no Japão pela primeira vez, em 2015, conheci o plano estratégico deles. Já o traduzi, e agora estou traduzindo o de Singapura.

São quatro frentes importantes. O plano definirá em que lugar queremos estar na educação em 2025, por exemplo, ou na fila do SUS.

Os objetivos precisam ser claros e difundidos para toda a sociedade. Ter o plano na boca do povo e um grupo de 100.000 pessoas com poder político é o caminho para fazer as mudanças necessárias [o Mulheres do Brasil tem 80.000 signatárias].

A política brasileira passa por grande turbulência, inclusive com temores de ruptura da democracia. Isso dificulta a organização da sociedade civil?

Não acredito na retomada de um país sem uma sociedade civil organizada. O Mulheres do Brasil nunca esteve tão organizado e tão forte.

Não vai ter golpe porque a sociedade não vai deixar. As pessoas estão cansando dessa divisão. Sempre vai ter 10%, 15% e um lado ou de outro, mas as pessoas estão cansando.

Como a senhora enxerga o Brasil do futuro em termos de identidade nacional?

Não esperava tamanha adesão da sociedade ao Unidos pela Vacina. Não estamos levando paulada de nenhum lado.

Acredito que o futuro do Brasil será este: uma grande união nacional com base na coletividade e na cooperação.

Outras bandeiras levantadas pelo Magazine Luiza, no entanto, sofreram com a polarização, especialmente nas redes sociais. Como a senhora reagiu às críticas ao programa de trainees para negros?

Foi um fenômeno de um fim de semana. Faz três anos que tentamos aumentar a presença de negros na liderança.

Fomos à Universidade Zumbi dos Palmares, aos movimentos negros, mas não aparecia ninguém. O Frederico [Trajano, CEO do Magazine Luiza] deu a sugestão de criar um programa de trainees só para negros.

Quem ajudou a montar foram os meninos negros da companhia e o comitê de diversidade do Mulheres do Brasil.

Foi aprovado em conselho e, na sexta-feira, às 15 horas, nossa comunicação mandou um release, até para chamar candidatos. Foi um horror no Twitter. Ficamos muito em evidência. Foram 32 horas de puro racismo estrutural.

Eu já estou acostumada a quebrar paradigmas e sei que leva paulada mesmo, mas o Frederico ficou assustado.

Então, ele escreveu uma carta dizendo ”calma, só estou querendo acertar na minha empresa, não é para ficar tão bravo“.

Foi um fim de semana típico de internet. Mas, depois, recebemos muito retorno positivo. Os 20 trainees já estão trabalhando.

A senhora pensa em entrar para a política?

Nunca me filiei a partido político, mas sou uma política que trabalha pelo Brasil há décadas. Não sou contra partido político nem contra o processo político.

Eu sempre quis que a sociedade se unisse, acredito muito no poder da sociedade civil organizada. Nunca me passou pela cabeça ter um cargo político e não estou recebendo ninguém que me procura.

Agora, nunca diga “dessa água não beberei“.

 

 


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