Depressão crônica pode afetar o cérebro tanto quanto o Mal de Alzheimer

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 31 de maio de 2018 às 11:25
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:46
compartilhar no whatsapp compartilhar no telegram compartilhar no facebook compartilhar no linkedin

A doença pode causar inflamações equivalentes às dos males degenerativos quando não tratada

A depressão duradoura pode prejudicar
fisiologicamente o cérebro. Uma pesquisa do Centro de Estudos sobre Vícios e
Saúde Mental (CAMH) do Canadá sugere que, se não tratada, a doença que persiste
por mais de 10 anos provoca inflamações no cérebro equivalentes às detectadas
no Alzheimer e em outros tipos de demência.

A complicação intoxica áreas cerebrais
e é progressiva, também como as doenças neurodegenerativas. Detalhes do
trabalho foram divulgados  na revista The Lancet Psychiatry na última
semana.

Jeff Meyer, autor do estudo, e a
equipe estudaram 80 voluntários, com idade entre 18 e 75 anos, entre setembro
de 2009 e julho de 2017. Os participantes foram divididos em três grupos: 25
tinham depressão por mais de 10 anos, 25 enfrentavam o problema havia menos de
uma década e 30 não tinham o diagnóstico da doença. Os depressivos não estavam
sob tratamento havia pelo menos quatro semanas e apresentavam pontuação mínima
de 17 na Escala de Avaliação de Depressão de Hamilton. Pela escala, de sete a
17 pontos, equivale à depressão leve. Acima de 25 estão os indivíduos
gravemente deprimidos.

A inflamação no cérebro foi medida por
meio de exame de tomografia por emissão de positrões (TEP), que consegue
detectar proteínas translocadoras. Produzidas pelas micróglias, células imunes
do cérebro, essas estruturas são ativadas em caso de inflamação.

De acordo com os resultados do
estudo, o grupo de voluntários com depressão duradoura apresentou até 30%
mais inflamação no córtex pré-frontal e no córtex cingulado anterior, quando
comparado aos que não tinham a doença. “Nos voluntários com depressão duradoura
e que não tiveram muito tratamento com antidepressivo, vimos aumento
progressivo da inflamação”, resume Jeff Meyer. Segundo o autor, eles
identificaram também semelhanças entre a depressão e outras doenças
progressivas que acometem o cérebro, como o Alzheimer e o Parkinson. “Nossos
dados sugerem que pessoas com depressão de longa data podem ter uma forma
biologicamente diferente de depressão e que precisarão ser tratadas de forma
diferente”, complementa.

Condição tóxica

Para o professor de psiquiatria da
Universidade de Brasília (UnB) Raphael Boechat Barros, é importante reforçar
que, como mostra a pesquisa canadense, a depressão não é episódica. “O
diferencial desse estudo é ter sido feito com pacientes com depressão crônica.
A maioria dos testes anteriores estuda a depressão aguda. Esse novo estudo
associou o tempo de depressão não tratada com a inflamação, quanto mais tempo,
mais inflamação”, explica.

Segundo Barros, nesse caso, há
liberação de substâncias neurotóxicas que agridem o cérebro a longo prazo,
mesmo que o paciente não sofra com os sintomas. “O estado inflamatório já é um
indicativo de que o cérebro não está saudável”, diz. “A depressão, portanto, é
uma doença crônica e pode ser indicada como uma doença neurodegenerativa”
Uma das diferenças entre a depressão episódica e a crônica sãos os sintomas
mais evidenciados no segundo caso. Para Fernando Fernandes, médico psiquiatra
do Programa de Transtornos do Humor (GRUDA) do Instituto de psiquiatria da
Universidade de São Paulo (USP), isso pode estar relacionado à inflamação no
cérebro. Mas o especialista ressalta que os efeitos afetam outras estruturas do
corpo, já que se trata de uma doença multifatorial.  “A inflamação é
apenas um dos fatores envolvidos, assim como as alterações endócrinas”, ilustra.

De acordo com Fabiano Alves Gomes, médico psiquiatra e coordenador
do Ambulatório de Transtornos do Humor do Hospital Universitário de Brasília
(HUB), as evidências do estudo confirmam a hipótese de que a depressão é uma
doença que acontece devido a múltiplos processos fisiopatológicos. “Eles
incluem alterações mais conhecidas, como disfunções nos neurotransmissores e
nos circuitos cerebrais, mas também processos inflamatórios e disfunções
imunológicas”, diz.

Reações pessoais

O psiquiatra Raphael Boechat Barros,
porém, ressalta que o tempo para que a depressão cause mudanças cerebrais não é
necessariamente 10 anos, como o considerado na pesquisa canadense. “Por ser o
primeiro estudo, eles colocaram um prazo aproximado, mas isso depende muito do
grau de depressão do paciente. A consequência devido ao tempo varia de pessoa
para pessoa”, diz.

O psiquiatra alerta que é preciso ter
consciência de que a depressão, se não tratada, pode resultar em um prejuízo a
nível orgânico e não apenas funcional. “A maior parte das evidências vem de
estudos que avaliam apenas a estrutura do cérebro ou substâncias detectadas nos
exames de sangue. O estudo canadense traz a novidade da utilização de uma
técnica que permite avaliar a inflamação diretamente no cérebro de pessoas
vivas com depressão e demonstra que o tempo sem tratamento está associado a
mais inflamação cerebral”, explica.


+ Saúde