Maioria dos adolescentes acusados de homicídio cumpre menos de três anos

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 24 de outubro de 2017 às 07:17
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:24
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Em SP, número de menores que ficou mais de 2 anos internados foi de 0,6% em 2015

Adolescentes que cometem homicídios, como o ocorrido em Goiás na última sexta-feira, quando um rapaz de 14 anos abriu fogo contra os próprios colegas de escola, costumam cumprir pena inferior aos três anos de medida socioeducativa previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). No sistema prisional para adultos, a pena do homicídio varia de 12 a 20 anos.

A estimativa aparece em pesquisas feitas pelo Ministério Público em São Paulo (MP-SP) e no Rio (MP-RJ). Em 2015, um estudo do MP-SP revelou que apenas 0,6% dos jovens infratores ficaram mais de dois anos internados e apenas 0,1% passaram mais de três anos nas unidades de ressocialização. No ano passado, o MP carioca chegou à mesma conclusão: não há um único jovem mantido por mais de dois anos no sistema, independente do crime que tenha cometido.

O coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe-SP), Ariel de Castro Alves, não enxerga os dados como problema, uma vez que durante os três anos de reclusão previstos no ECA o jovem também pode passar pela liberdade assistida ou semiliberdade — medidas, segundo ele, pouco adotadas. Segundo Ariel, a lei está sendo cumprida, e o jovem só sai da unidade após receber aval de promotores e defensores, além de decisão judicial

— Na verdade o adolescente só muda de medida baseado em laudos técnicos e em manifestações do próprio Ministério Público e de defensores. E não é aleatório. Todos passam por avaliação. Ele pode, por exemplo, cumprir os três anos e ficar mais dois na semiliberdade. Tudo até os 21 anos. O problema é que são poucos os que vão para a semiliberdade. Tem cerca de mil vagas hoje disponíveis em São Paulo, e menos adolescentes ocupando — observa.

O juiz da Vara da Infância e da Juventude de São Paulo Paulo Fadigas afirma que, segundo sua experiência, jovens infratores ficam em média seis meses detidos, mesmo que tenha cometido um assassinato. Isso acontece, segundo o magistrado, porque “se gasta uma fortuna” para manter um infrator na Fundação Casa, por exemplo.

— O custo é de R$ 8 mil a R$ 9 mil por mês. É preciso investir no adolescente, tratar, reestruturar a família, mas é muito caro. Às vezes o colocam em liberdade assistida (cumprida em meio aberto), mas não tem assistência, então se força a saída dele — aponta o magistrado, que lembra que a situação é a mesma no sistema carcerário.

Um detento adulto no Brasil custa R$ 2,4 mil por mês, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

CASO CHAMPINHA

Há exceções, no entanto, como o caso de Roberto Aparecido Alves Cardoso, o Champinha. Em 2003, ele matou, com requintes de crueldade, o casal de namorados Felipe Caffé e Liana Friedenbach em São Paulo. Cumpriu três anos de reclusão na Fundação Casa e foi enviado para tratamento na Unidade Experimental de Saúde (UES) em 2007. Permanece até hoje sem previsão de sair.

O caso de Champinha é excepcional porque ele foi diagnosticado com transtorno de personalidade antissocial (TPA) por médicos do Estado, um distúrbio considerado grave, o que o levou para a UES em 2007, embora o ECA fale em três anos de pena máxima.

Com capacidade para 40 pessoas e instalações que contam com TV, geladeira e uma horta, o local abrigou até hoje nove infratores com desvios psicológicos semelhantes. O governo investiu R$ 2,5 milhões na construção da unidade, que tem custo de cerca de R$ 65 mil ao mês.

Para Ariel de Castro, a lei está sendo cumprida também neste caso.

— A Lei prevê tratamento quando verificado que o infrator não pode conviver em sociedade. Se ele não recebe tratamento é outra história.

Já o juiz Fadigas acredita que, mesmo que o ECA não preveja penas mais longas, o Estado deve garantir que o jovem não volte a cometer crimes hediondos:

— Se ele sair, vai matar. É uma situação de anomia, ou seja, não tem legislação para isso, mas aí se faz um bem bolado para ele não sair. O Estado não vai bancar se ele voltar a matar. Já vi caso em que o infrator matou meia hora depois se sair. É o preço que se paga. O cidadão não é obrigado a ser morto – afirma Paulo Fadigas.

UNIDADE ESPECIAL

A UES foi construída em 2006 para abrigar jovens infratores da Fundação Casa diagnosticados com distúrbios psicológicos graves. Nesses casos, o ECA prevê tratamento em ambiente especializado. Eles não podem ir para um manicômio judicial, com adultos, já que cometeram crimes antes dos 18 anos. O espaço, porém, é considerado ilegal por mesclar casa de saúde e de detenção, uma vez que agentes penitenciários fazem sua segurança.

De 2013, quando a UES tinha seis internos, até abril de 2016, data em que já tinha dois, os gastos foram de cerca de R$ 3 milhões. O GLOBO obteve as informações por meio da Lei de Acesso à Informação.

O defensor público Flávio Frasseto, que acompanhou toda a criação da unidade e representou Champinha, explica as ilegalidades do local.

— É um espaço de privação de liberdade, não psiquiátrico. Se você está preso, sua pena vai ser revista. Como não existe estatuto para revisão de privação de liberdade desses sujeitos, eles estão com perspectiva de prisão perpétua.

O promotor Athur Pinto Filho, da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos, concorda que o local é inadequado para receber adolescentes infratores.

— Como a casa é de saúde, ela não poderia ter caráter penitenciário. Até os psiquiatras dizem que é inadequado para a patologia deles — diz o promotor Pinto Filho.


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