Arco, flecha, celular e redes sociais: como vivem os jovens indígenas brasileiros

  • Cláudia Canelli
  • Publicado em 19 de abril de 2021 às 18:30
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Na celebração do Dia do Índio, as novas gerações buscam desconstruir estereótipos e valorizar tradições culturais por meio de linguagem adaptada às redes.

Com apenas 19 anos de idade, Alice Pataxó fala para um público superior a 75 mil pessoas no Twitter.

Dentre elas, seguidores ilustres do meio artístico e da política, como o cantor Emicida, o humorista Marcelo Adnet e a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva.

A jovem representa uma geração de indígenas que tem na internet um arco para disparar flechas educativas sobre os povos originários do Brasil.

Sua postagem mais recente lançou a seguinte pergunta: “Quem é o indígena brasileiro?”

O objetivo era fomentar uma discussão sobre um dos temais mais presentes em seu trabalho nas redes, a desconstrução de visões românticas sobre seus pares.

“Ser indígena não se limita a uma jovem Iracema, é sobre história e luta, o indígena não se encaixa em um padrão”, escreveu no fio do post.

Apesar do esforço pedagógico da jovem pataxó, ela lida recorrentemente com questionamentos sobre o fato de ser indígena e ter pele clara, usar celular, ou mesmo estar na universidade.

Ela cursa Bacharelado Interdisciplinar em Humanidades na Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSBA), um ciclo básico antes de seguir para a faculdade de Direito ou Jornalismo.

“A sociedade brasileira sempre teve esse desejo de tirar da gente quem a gente é e o nosso pertencimento”, diz ela.

Segundo Alice, “isso prevalece até hoje, seja nos tirando de nossos territórios de maneira forçada, seja colocando uma obrigação de que a gente seja completamente isolado para sermos indígenas”.

“É um pensamento colonial que a gente tenta quebrar todos os dias”, afirma.

Alice diz estar cada vez mais calejada contra mensagens odiosas e difamatórias recebidas nas redes.

Sua trajetória de vida a fortaleceu. Quando tinha apenas 15 anos, passou a viver acampada nas margens da BR-367, no extremo-sul da Bahia.

A aldeia onde ela vivia com a mãe e outras 13 famílias havia sido removida pela polícia, em uma região que é alvo de cobiça da especulação imobiliária.

“Quando eu penso que não vou conseguir fazer alguma coisa, lembro que já passei por coisa pior. Aquilo moldou quem eu sou hoje. E me despertou um sentimento de não querer que outras crianças e jovens indígenas passem pelo que passei. É por isso que continuo fazendo meu trabalho”, conta.

“Meus pais me ensinaram a ter orgulho de ser indígena”

O discurso da pataxó se assemelha ao de Cristian Wariu, comunicador de 22 anos do povo Xavante.

Ele tem 31,5 mil inscritos em seu canal no Youtube, o “Wariu”. Tendo sido criado em aldeias próximas às zonas urbanas, no Mato Grosso, o jovem conviveu com diversas formas de preconceito sendo o único indígena da escola — inclusive, por parte de professores.

“Eu sempre ouvi na cara esses comentários que hoje vêm pela internet. Quando há margem de discussão, eu tento conversar, mas não tenho problema nenhum em simplesmente apagar e seguir a vida”, diz Cristian Wariu.

“Os rituais xavantes são muito ligados à provação, física e psicológica, porque a vida vai te bater de algum modo e você  precisa aguentar”, diz.

Em um vídeo publicado recentemente no Instagram, Wariu mostra, sorridente, as várias formas como pode arrumar seu cabelo.

Esse tipo de exposição seria impensável quando tinha vergonha deste e outros traços fenotípicos, na adolescência, em razão do bullying sofrido na cidade.

“Meus pais me ensinaram a ter orgulho de ser indígena, mas infelizmente outros jovens não tiveram essa referência, por diversos motivos”, diz.

“Na internet, a gente tem o poder de gerar essa identificação e fortalecer a autoestima do jovem que é chamado de ‘indinho’, para que ele possa falar: ‘sou indígena, eu pertenço ao povo Xavante’.”

(Com informações do DW em português)


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