Pesquisadores descobrem combinação que causa compulsão por fast-food

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 17 de junho de 2018 às 00:40
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:48
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A combinação de gordura e açúcar faz com que circuitos neurais ligados a recompensas fiquem mais ativos

Não é segredo que, para uma dieta equilibrada,
alimentos ricos em gorduras e em carboidratos refinados devem ser consumidos
com moderação. Mas, apesar de quase todo mundo saber disso, a obesidade e o
sobrepeso continuam avançando, com mais de 30% da população global acima do
peso. Boa parte do problema está na forma como o cérebro se comporta, ativando
áreas associadas ao prazer em contato com esses ingredientes. Agora, um artigo
da Universidade de Yale (Estados Unidos) publicado na revista Cell Metabolism mostra
que, quanto menos saudável, maior a sensação de recompensa.

O estudo foi feito com 206 adultos, que tiveram o
cérebro mapeado pelo exame de ressonância magnética funcional enquanto viam
fotos de guloseimas conhecidas por conter muita gordura, muito açúcar ou ambos.
Os participantes deveriam definir o quanto pagariam pelo lanche favorito, tendo
em mãos uma quantidade de dinheiro fornecida pelos pesquisadores. Os produtos
alimentícios mais valorizados foram aqueles cujo preparo levava tanto gordura quanto
açúcar em excesso.

Além disso, o exame de imagem mostrou que, ao ver a
foto do alimento com os dois ingredientes, os circuitos neurais do centro de
recompensas do cérebro ficaram mais ativados do que durante a exibição da
imagem da comida favorita do participante. O combo gordura + açúcar também
estimulou mais o cérebro dos voluntários do que uma guloseima potencialmente
mais açucarada, calórica ou, ainda, de tamanho maior.

Segundo os autores, isso poderia explicar por que
produtos ultraprocessados, como biscoitos recheados ou sanduíches gordurosos
com pão de farinha branca, são tão consumidos, mesmo se sabendo que não fazem
bem à saúde. O estudo, de acordo com os pesquisadores de Yale, pode
principalmente ajudar a compreender melhor o mecanismo de compulsão pelas
chamadas trash food.

Herança evolutIva

A resposta para a preferência do
cérebro por produtos gordurosos e ricos em açúcares está na própria história
evolutiva. Antes da revolução agrícola, que ocorreu por volta de 12 mil anos
atrás, o homem dependia da caça e da coleta de vegetais comestíveis para
sobreviver. Nem sempre os encontrava e, por isso, o organismo aprendeu que
deveria valorizar alimentos com bastante gordura. Assim, estocaria energia
suficiente para, nas situações de carestia, continuar funcionando. Com o
estabelecimento da agricultura e a domesticação de animais, isso já não era
mais necessário. Contudo, considerando que o homem moderno surgiu há mais de
200 mil anos, do ponto de vista da evolução, os 12 séculos que se passaram
desde o início da vida sedentária são como segundos.

Treinado para valorizar a gordura, o
cérebro, mais tarde, aprendeu a gostar de açúcar. “Trinta por cento da glicose
ingerida vai para o cérebro. Por isso, o açúcar é muito atraente do ponto de
vista fisiológico”, explica a neuropsicóloga Valéria Lemos Palazzo, do Grupo de
Apoio e Tratamento dos Distúrbios Alimentares e da Ansiedade (GATDA), em São
Paulo. “O corpo trabalha em termos de funcionalidade. Quando há gordura e
carboidrato, que se transforma em açúcar, de fato o sistema de recompensa do
cérebro vai sentir mais prazer por esse alimento”, diz.

Dana Small, diretora do Centro de
Pesquisa Fisiológica da Universidade de Yale e principal autora do estudo
publicado na Cell Metabolism, explica como isso acontece. “O processo biológico
que regula a associação de alimentos com seu valor nutricional evoluiu para os
organismos fazerem decisões adaptativas. Um rato, por exemplo, não se arriscará
a correr no ambiente externo e se expor a um predador se a comida oferecer
pouca energia”, diz. “Surpreendentemente, alimentos contendo gordura e
carboidrato parecem sinalizar ao cérebro seu potencial de armazenamento
calórico via dois mecanismos distintos. Nossos participantes foram muito
precisos em estimar calorias da gordura e pouco, ao estimar calorias dos
carboidratos. Nosso estudo mostra que, quando os nutrientes estão combinados, o
cérebro parece superestimar o valor energético da comida.”

Transtornos

Embora atraente ao cérebro humano em
geral, o alimento gorduroso e com açúcar só será um problema para quem tem
transtorno alimentar. “Essa é uma condição genética. A impulsividade é um traço
do temperamento, a pessoa nasce com aquilo. Se temos dois ‘chocólatras’, as
áreas do cérebro associadas ao prazer e à recompensa do não impulsivo vão se acionar
na frente de um chocolate. Mas, naquele impulsivo, diversas áreas serão
estimuladas”, diz Valéria Lemos Palazzo.

A neuropsicóloga afirma que os estudos
sobre o comportamento cerebral e a nutrição reforçam a necessidade de se
quebrar paradigmas e preconceitos a respeito dos transtornos alimentares. “É
uma predisposição fisiológica, não se trata de falta de força de vontade.”
Outra lição desse tipo de trabalho, segundo a especialista, é que dietas
extremamente restritivas tendem a falhar por ir contra uma necessidade do
organismo. Riscar o carboidrato, a gordura e o açúcar da alimentação não é boa
ideia, diz, defendendo o equilíbrio dos nutrientes. “É preciso entender que não
podemos radicalizar nas dietas. Não vale a pena comprar uma briga que você não
vai ganhar.”

A pesquisadora de Yale Dana Small diz
que os cientistas ainda precisam descobrir qual o sinal metabólico envolvido
com a produção de dopamina, uma substância cerebral associada ao prazer, está
por trás da experiência do homem pré-histórico com as propriedades nutritivas
dos carboidratos. Ela diz que há uma teoria defendendo que, juntos, a gordura e
o carboidrato deflagram vias de sinalização simultâneas com as quais a
fisiologia humana ainda não sabe lidar nem controlar — o açúcar branco e a farinha
refinada são produtos recentes, com poucos séculos de existência. Um exemplo,
diz Small, é um estudo que ofereceu a ratos acesso a gordura, carboidrato ou
ambos. Nos dois primeiros casos, os animais foram capazes de regular a ingestão
calórica total e o peso corporal. Porém, quando houve combinação dos
nutrientes, eles ganharam peso rapidamente.

Estresse

Estudo publicado na revista Brain,
Behaviour and Immunity mostra que ratos adolescentes que consomem uma dieta
rica em gordura saturada têm dificuldades de lidar com o estresse na idade
adulta. A pesquisa, da Universidade Loma Linda, na Califórnia, também constatou
que áreas do cérebro que se ocupam com a resposta ao medo ficam alteradas a
ponto de os animais começarem a exibir comportamentos semelhantes ao do
transtorno do estresse pós-traumático (TEPT). “A adolescência é uma fase
crítica para a maturação cerebral, incluindo o quão bem (ou não) lidaremos com
o estresse quando adultos. O estudo sugere que a obesidade e as alterações
metabólicas podem predispor indivíduos a psicopatologias associadas ao TEPT”,
afirma Johnny Figueroa, um dos autores.


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