Os contraceptivos que você tem direito de exigir pelo SUS

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 1 de julho de 2018 às 17:52
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:50
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Na prática, as mulheres enfrentam desinformação e falta de treinamento dos profissionais de saúde

O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, em tese, oito tipos de
contraceptivos, entre os quais o Dispositivo Intrauterino de cobre (DIU de
cobre), a camisinha masculina e feminina, e o anticoncepcional injetável ou em
pílula. Além disso, é possível fazer vasectomia e laqueadura, se o homem e ou a
mulher tiver mais de 25 anos ou dois filhos.

Mas, na prática, as mulheres enfrentam desinformação e falta de
treinamento dos profissionais de saúde na busca por contraceptivos no sistema
público. Grande parte dos postos de saúde e maternidades focam na oferta de
camisinhas e anticoncepcionais em pílula.

Em alguns Estados – principalmente nas regiões Norte e Nordeste –
colocar DIU pode ser uma missão quase impossível. O principal problema, segundo
relato de médicos e pacientes, é a falta de profissionais treinados para fazer
o procedimento, embora ele seja simples, rápido e não exija anestesia.

O Ministério da Saúde diz que, se as unidades de atendimento básico não
disponibilizarem o método procurado – entre os que são ofertados pelo SUS -, o
paciente deve cobrar informações das secretarias ou conselhos municipais de
Saúde. Isso pode ser feito por meio de ouvidorias.

Ginecologistas com experiência na rede pública também sugerem que as
pessoas reportem o problema no Disque Saúde (discando 136) – serviço de
atendimento à população do Ministério da Saúde. “Diante da reclamação, o
Ministério da Saúde pode cobrar informações da Secretaria de Saúde do município
onde falta o método contraceptivo”, diz a ginecologista Renata Reis.

Outra possibilidade é recorrer ao Ministério Público. O promotor de
Justiça de Minas Gerais, Márcio Ayala, explica que, se os moradores verificarem
a ausência dos contraceptivos nas unidades de atenção básica, eles podem
procurar a promotoria da cidade e reportar o problema.

Isso pode ser feito pessoalmente na sede da promotoria, nos horários de
atendimento ao público, ou por meio das ouvidorias – o telefone é normalmente
disponibilizado no site da promotoria de cada município.

Diante da reclamação, o promotor pode cobrar uma resposta do Conselho
Municipal e da Secretaria de Saúde, e estipular um prazo para que o serviço
seja disponibilizado. Se não houver resultado, o Ministério Público pode entrar
com uma ação na Justiça para obrigar o município ou Estado a oferecer o
contraceptivo. “O Ministério Público é o fiador dos serviços públicos. Se
há uma demanda da sociedade, se as pessoas não estão tendo acesso (ao contreceptivo),
fazemos a demanda extrajudicial primeiro”, diz Ayala.

“Se o serviço não for disponibilizado no prazo, o Ministério
Público pode entrar com uma ação civil pública para compelir município e Estado
a suprirem a demanda.”

Saiba o que faz parte do “cardápio” de contraceptivos do SUS:

Anticoncepcional oral combinado

A pílula é o contraceptivo mais utilizado pelas mulheres brasileiras.
Contém dois hormônios produzidos pelos ovários – o estrogênio e a progesterona,
e funciona inibindo a ovulação.

O método tem eficácia em 99,7% dos casos, mas isso quando se considera o
uso “perfeito”, ou seja, quando o medicamento é tomado todos os dias
corretamente. Mas esquecimentos são comuns e aí a proteção cai
significativamente – para em torno de 91%.

A eficácia também pode ser comprometida se a mulher tiver diarreias
intensas e vômitos.

Não há evidência científica de que os antibióticos reduzam a eficácia da
pílula, segundo a Dr. Renata Reis. Mas, na dúvida sobre se o medicamento que
você vai tomar pode ter algum efeito na eficácia do anticoncepcional, verifique
isso com o médico que prescreveu e leia a bula.

De acordo com a médica ginecologista Natália Zavattiero, entre os
possíveis efeitos colaterais do anticoncepcional combinado oral estão a
diminuição da libido, com o uso prolongado. “E algumas pacientes relatam
ganho de peso”, disse.

Esse
tipo de pílula, por causa da liberação do estrogênio, também aumenta de 2 a 4
vezes o risco de trombose. Mas Carolina Sales Vieira, professora da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), destaca que
esse aumento no risco é menor que o provocado por uma gestação.

Os
benefícios incluem redução da tensão pré-menstrual, da cólica e do fluxo de
sangramento.

Minipílula

Essa pílula anticoncepcional só possui um tipo de hormônio, a
progesterona. Por isso, segundo Carolina Sales Vieira, ela não aumenta o risco
de trombose.

Embora também atue inibindo a ovulação, a eficácia é menor que a pílula
anticoncepcional combinada, por isso só costuma ser indicada durante o período
de amamentação.

Ela deve começar a ser tomada na sexta semana após o parto, para que não
haja qualquer interferência na fase inicial de produção de leite. Após este
período, a minipílula não interfere na amamentação.

E por possuir quantidade pequena de hormônio, é ainda mais importante
observar a regra de tomar todos os dias, no mesmo horário. Um simples atraso de
mais de três horas no horário de tomar já reduz a eficácia.

Cada cartela tem 28 pílulas e não há intervalo entre uma cartela e outra.

Injeção mensal ou trimestral

Outro método que você pode buscar pelo SUS é o anticoncepcional
injetável, que pode valer por um mês ou três meses e também inibe a ovulação.

É considerado mais eficiente que o anticoncepcional em pílula porque a
mulher não precisa se lembrar de tomá-lo diariamente.

O injetável mensal contém dois hormônios- estrogênio e progesterona. Mas
Carolina Vieira destaca que a quantidade de estrogênio é menor que a do
anticoncepcional oral.

“O estrogênio acaba em 15 dias e aí só sobra o progestagênio (nome
para a progesterona desenvolvida em laboratório) nos outros 15 dias. Em tese,
ele seria mais seguro que a pílula e o anel hormonal. Mas faltam estudos para
comprovar isso.”

Já o injetável trimestral só possui progesterona, o que reduz ainda mais
as contraindicações e os riscos. Somente o estrogênio é associado ao risco de
trombose.

A médica Natália Zavattiero menciona a possibilidade de sangramentos
irregulares após a primeira dose. “Normalmente, isso costuma melhorar a
partir da segunda ampola, quando a paciente normalmente para de
menstruar.”

Já com a injeção mensal, a mulher menstrua normalmente. “Algumas
pacientes podem ter um sangramento maior que com a pílula oral e alguma
retenção de líquido.”

É importante lembrar que, embora a eficácia desse método ultrapasse 99%,
esse percentual cai se a nova dose não for injetada no término de 30 dias (no
caso do mensal) ou 90 dias (no caso do trimestral).

DIU de cobre

O
Dispositivo Intrauterino (DIU) de cobre é o principal método contraceptivo de
longa duração oferecido pelo SUS. Apresenta seis falhas a cada mil casos e dura
10 anos. Por não depender da “memória” e pela eficácia continuada, é
considerado, por muitos especialistas, um dos métodos mais eficientes para evitar
a gravidez.

Mas encontrá-lo na rede pública não é tarefa tão fácil. Em algumas
cidades, falta material. Em outras, o problema é a ausência de profissionais
treinados para fazer o procedimento, embora ele seja simples – dura cerca de 15
minutos.

“A maioria das mulheres pode sentir um desconforto, como uma cólica
mais forte, na hora de colocar (o DIU). Mas não há necessidade de anestesia e
pode ser feito em ambiente ambulatorial”, afirma Zavattiero.

O principal efeito colateral é um fluxo menstrual mais intenso, para
algumas mulheres. “A paciente pode ter um aumento tanto em dias (para 8
dias, em média) quanto em quantidade de sangramento (um aumento em torno de
25%). E pode ter um aumento de cólica.”

“Com relação a riscos, o principal risco do DIU é o deslocamento –
ele sair da da cavidade uterina, da posição correta. Mesmo assim, é considerado
um método seguro”, completa a ginecologista.

O DIU de cobre normalmente não é indicado a pacientes com anormalidades
anatômicas do útero, anemia, vírus HIV, que tenham alergia a cobre, que estejam
com câncer no colo do útero ou com infecção ginecológica ativa.

Carolina Vieira destaca que mais de 70% das mulheres que usam o DIU de
cobre se dizem satisfeitas com o método. A ginecologista Renata Reis destaca
que, por desinformação, há quem pense que esse contraceptivo é
“abortivo”.

Camisinhas feminina e masculina

Estão incluídos no rol de métodos de “barreira”. São os únicos
métodos contraceptivos capazes de prevenir contra doenças sexualmente
transmissíveis, como a aids. As camisinhas masculina e feminina não devem ser
usadas ao mesmo tempo, porque o atrito pode aumentar o risco de rompimento.

Carolina Vieira, da USP, destaca que a camisinha é essencial no combate
a doenças sexualmente transmissíveis, mas a taxa de falha no caso de gravidez é
maior que a de métodos contraceptivos de longa duração (como o DIU e a injeção
hormonal) – 98% de eficácia, quando usada perfeitamente.

Quando ela não é usada corretamente, ou seja, quando consideramos o seu
“uso real”, a eficácia cai para 82%.

A eficácia real dos métodos contraceptivos foi verificada a partir de
uma pesquisa da Universidade de Princeton (EUA) que acompanhou 100 mulheres que
usaram diferentes métodos contraceptivos durante um ano.

Diferentemente
da masculina, a camisinha feminina pode ser colocada horas antes da relação
sexual, segundo a ginecologista Renata Reis. “As mulheres que usam a
camisinha feminina costumam gostar. É só introduzir como se faz com um
absorvente íntimo. Depois da relação, você torce para fechar e joga fora”,
disse.

Também é um método de barreira, mas a eficácia é bem menor que a da
camisinha e não previne contra doenças sexualmente transmissíveis. Pode ser
usado junto com a camisinha, para aumentar a eficácia.

A orientação do SUS é que a pessoa interessada consulte o ginecologista
antes de levar esse método para a casa, para que receba instruções sobre como
usar e tenha o seu diafragma medido.

Pílula de emergência (ou pílula do dia
seguinte)

Essa pílula só contém o hormônio progesterona, mas em quantidade maior
que em uma pílula anticoncepcional comum. Não deve ser usada como método
contraceptivo, porque a eficácia é bem menor- 75%.

A pílula de emergência é oferecida nas unidades de atenção básica a
homens e mulheres que relatarem terem feito sexo sem proteção ou em caso de
falha do contraceptivo.

A eficácia é maior até 72 horas após o ato sexual, mas pode ser tomada
até cinco dias depois – quanto maior a demora em tomar, menor a eficácia em
evitar a gestação.

E a pílula de emergência não interfere numa gravidez em curso, ou seja,
não funciona como abortivo.

Por desinformação, muita gente acha que esse tipo de medicamento provoca
a “morte do embrião”. Na verdade, ele inibe uma fecundação que iria
acontecer, ao retardar ou inibir a ovulação. Se a fecundação já tiver ocorrido,
o medicamento não terá efeito.

Laqueadura e vasectomia

A esterilização é oferecida no SUS somente para homens e mulheres com
mais de 25 anos ou dois filhos. Em várias clínicas, os profissionais de saúde
se confundem com essa regra achando que é preciso ter mais de 25 anos e dois
filhos, mas os critérios são independentes.

As etapas até conseguir fazer o procedimento podem ser burocráticas. A
lei, por exemplo, exige que pessoas casadas autorizem o parceiro ou parceira a
fazer a vasectomia ou laqueadura.

A BBC News Brasil mostrou que os moradores do Norte e do Nordeste,
regiões com maiores taxas de natalidade, são os que mais têm dificuldade de
acesso a DIU, laqueadura e vasectomia.

A vasectomia sequer é oferecida em alguns Estados – em um ano, nenhum
procedimento foi realizado em Alagoas e Amapá, de acordo com os dados do Data
SUS.

O Ministério da Saúde afirmou que, por serem procedimentos difíceis de
serem revertidos, laqueadura e vasectomia “devem ser realizados com
cautela”.

O importante é ter opções à mão

As médicas consultadas pela BBC News Brasil destacam que não existe um
método melhor do que outro. Todos têm vantagens e desvantagens.

Cada mulher deve escolher, conforme suas necessidades, o contraceptivo
mais adequado. O ideal é ter todos os métodos à disposição, principalmente os
de longa duração, além de acesso a informações sobre cada um deles.

“Existem mulheres que se beneficiam com um método ou com outro. O
importante é ser informada sobre os benefícios e malefícios de cada um, para
que os riscos não sejam subestimados nem superestimados”, defende a
professora Carolina Sales Vieira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto,
da USP.


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