Cientistas criam cápsula que trafega pelo intestino e detecta doenças

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 28 de maio de 2018 às 02:53
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:45
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Criada por pesquisadores americanos, cápsula consegue identificar sinais de doenças como inflamações

Com aproximadamente 9m de comprimento, o trato digestivo é uma
longa e sinuosa estrada, difícil de trafegar. Agora, cientistas do Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, descobriram uma forma de
explorá-lo e, assim, detectar com facilidade alterações que podem indicar
doenças graves.

Eles desenvolveram um sensor que, ingerido, faz o diagnóstico de
problemas gastrintestinais e estomacais. Diferentemente do exame de cápsula
endoscópica, que fornece imagens dos órgãos, o dispositivo trabalha
identificando moléculas sugestivas de sangramento excessivo. De acordo com os
pesquisadores, o sistema pode ser adaptado para apontar biomarcadores
associados a diversas outras condições de saúde.

O estudo foi publicado na capa da revista Science da última semana
e, para os autores, é o primeiro passo para desvendar um dos mais complexos
sistemas do organismo. Hoje, com o crescente interesse nas pesquisas sobre a
relação da microbiota intestinal e uma variedade de doenças, que vão de
obesidade a depressão, Timothy Lu, professor do MIT e coautor do artigo,
defende a necessidade de um dispositivo que permita explorar esse ambiente com
facilidade e frequência. “Há um grande interesse sobre a biologia e a atividade
do intestino humano, assim como as interações entre as bactérias que vivem nas
nossas entranhas e no resto do corpo. Mas esse é um lugar difícil de acessar e
compreender”, disse, em uma teleconferência de imprensa. “As estratégias que
temos hoje são tipicamente limitadas a fazer fotos ou tirar pequenas amostras
para biópsias. O nosso objetivo é construir sensores biológicos que possam
servir como leitores de algumas dessas interessantes locações”, explicou.

Biológico porque o sistema do MIT utiliza bactérias geneticamente
modificadas que, dentro das cápsulas, desempenham o papel de sensores.

Tempo real

A abordagem desenvolvida em Massachusetts combina as células vivas
e chips eletrônicos com tecnologia sem fio para detectar sinais no corpo, que
são lidos por um aplicativo de celular, fornecendo o resultado em tempo real.
Por enquanto, o sistema foi testado com sucesso em porcos, identificando
moléculas do grupo hemo, que são componentes do sangue. Além disso, os
pesquisadores disseram que também criaram sensores capazes de detectar
marcadores de inflamações, o que abre potencial para o diagnóstico de diversas
outras doenças.

No trabalho descrito na Science, a equipe trabalhou com uma cepa
benéfica da bactéria E.coli — a mesma usada em produtos lácteos probióticos —,
modificada em laboratório para emitir luz em contato com moléculas do sangue. O
micro-organismo foi colocado dentro de uma cápsula, coberto por membranas
semipermeáveis que permitem acessar moléculas do ambiente circundante (no caso,
o trato gastrintestinal) e enviar sinais que tornassem visível essa detecção. “O
sensor é um cilindro de 10mm por 30mm, pequeno o suficiente para permitirmos
testá-lo, embora nosso objetivo seja diminui-lo ainda mais, deixando mais ou
menos com um terço desse tamanho, quando formos fazer os testes clínicos, com
humanos”, contou, na coletiva de imprensa, Phillip Nadeau, que participou do
estudo como Ph.D. no MIT. A cápsula passa pelo sistema digestivo e é eliminada
pelas fezes.

Precisão

Nos porcos, usados como modelo do estudo, o sensor conseguiu
detectar com precisão a úlcera gástrica. Mas, no laboratório, os cientistas
também fizeram testes in vitro e, nesses casos, o chip identificou outras duas
moléculas associadas à doença de Crohn e a outras enfermidades caracterizadas
por inflamações e infecções do trato gastrintestinal. “Muito do trabalho
que relatamos no artigo tinha relação com sangue, mas nós mostramos que é
possível manipular geneticamente a bactéria para identificar qualquer tipo de
molécula e produzir luz em resposta a ela. No nosso sistema, fizemos quatro
pontos de detecção, mas você poderia estendê-los para 16 ou 256, você pode ter
múltiplos tipos de células”, observou Mark Mimee, pesquisador do MIT que
liderou o estudo.

Os autores do trabalho estimam que, de um a dois
anos, seja possível começar os testes com humanos. “A principal limitação que
temos no momento, em termos de testes clínicos, é ter mais financiamento, além
da papelada necessária para conseguir aprovação para esse tipo de experimento”,
observou Lu. “Da perspectiva da tecnologia, acredito que esse é um prazo
razoável. Acredito também que, quando estiver pronto para comercialização, a
cápsula seja relativamente barata, mas isso é algo difícil de estimar no ponto
em que nos encontramos.”


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