Jovens: interesse em dirigir diminui por conta da crise e novo perfil

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 28 de abril de 2019 às 22:02
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:31
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Identificado pelos governos, setor automotivo e por autoescolas, o desinteresse dos jovens tem diversas causas

Símbolo
de maturidade, status e autonomia desde que chegou ao Brasil, em 1891, o
automóvel vem perdendo espaço entre os mais jovens. Identificada pelos
governos, setor automotivo e por autoescolas, o crescente desinteresse dos
jovens tem diversas causas.

Entre
os principais motivos apontados, estão a crise econômica, os inconvenientes do
trânsito, os custos para manter um veículo próprio e a popularização de
aplicativos móveis. “Muitos jovens não consideram mais a CNH (Carteira Nacional
de Habilitação) uma prioridade”, disse o presidente da Federação Nacional das
Autoescolas e Centro de Formação de Condutores (Feneauto), Wagner Prado.

Também
presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de Mato Grosso do
Sul, Prado afirma que o fenômeno se intensificou a partir de 2015, com o
agravamento da crise econômica e o acesso aos serviços de aplicativos de
transporte pago ou compartilhado. “Muitos jovens estão adiando o momento de
tirar a habilitação. As famílias têm optado por investir em outras coisas, como
em cursos universitários para estes jovens. Com isso, muitos acabam desistindo
de tirar suas carteiras”, comentou Prado.

“Antes,
tudo que um garoto queria era completar 18 anos para poder dirigir o próprio
carro. Hoje, eles veem os custos com IPVA, manutenção, seguro; o trânsito nas
cidades; tem mais consciência sobre os riscos de acidentes. Somando a isso,
aspectos como a Lei Seca, muitos acabam optando por outras formas de se
deslocar, como os aplicativos de compartilhamento”, explicou o presidente da
Feneauto.

Moradora
do Distrito Federal, a universitária Aghata Ingridi de Sousa Sampaio, 22 anos,
é um exemplo dos que dizem não ter interesse em tirar a primeira habilitação.
“Quando eu estava prestes a completar 18 anos, meu pai se ofereceu para me
pagar a autoescola. Só que eu me mudei para Foz do Iguaçu [PR] para fazer faculdade.
Como eu morava perto do campus, ia às aulas de bicicleta. Além disso, a cidade
não é tão grande e o transporte público lá funciona relativamente bem. Então,
quando eu precisava, apanhava um ônibus”, contou Aghata.

De
volta à capital federal, onde está concluindo o curso de geografia, a jovem
continua preferindo se deslocar de carona ou de ônibus entre sua casa, em
Planaltina, e o campus da Universidade de Brasília (UnB).

Um
percurso de cerca de 60 quilômetros que, considerando ida e volta, consome, em
média, duas horas e meia de seu dia. “Não quero ter carro para não expor outras
pessoas a riscos, me expor a engarrafamentos, ter que pagar todas as despesas.
Também acho que é uma questão de consciência. Depender do transporte público
pode ser cansativo, mas acho mais cômodo andar de ônibus que dirigir no
trânsito. Principalmente quando você consegue um assento para viajar sentado em
um ônibus que não esteja completamente lotado – o que depende muito dos
horários”, comentou a estudante.

Para
a jovem, a falta de qualidade do transporte público motiva as pessoas a
recorrer ao carro ou à moto particular como uma solução cômoda. “Só que dirigir
no nosso trânsito é muito estressante. E quanto mais a pessoa utiliza o
transporte público, mais ela vai cobrar do Poder Público um serviço de
transporte coletivo de qualidade e melhorias na mobilidade urbana”, disse.

Mudança gradual

De
acordo com o presidente da Feneauto, exemplos como o de Aghata são cada vez
mais comuns. “Isso ajuda a diminuir ainda mais a procura por aulas, derrubando
a margem de faturamento e forçando muitas autoescolas a reduzirem o número de
funcionários e a frota de veículos”, disse Prado, ele mesmo dono de um centro
de formação de condutores. Por esse e outros motivos, as autoescolas vivem um
momento de incertezas”, admite Prado.

No
Distrito Federal, onde a universitária voltou a residir, a emissão total de CNHs
(incluindo novas, renovação, mudança de categoria e segunda via) vem caindo ano
a ano desde 2015

,
quando foram emitidas 554.554 carteiras. Em 2016, foram 386.422; em 2017,
392.147 e, no ano passado, 333.952 CNHs. A diminuição atinge todos os grupos
etários, mas sobressai entre os condutores de 18 e 24 anos. Em 2015, foram
emitidas 26.537 primeiras habilitações para essa faixa etária. Em 2018, o
número caiu para 14.581, retração de 45%. “Temos recomendado cautela ao setor.
Há cinco, seis anos, muitos não previam a popularização dos aplicativos. Hoje,
veículos que não precisam de condutores estão sendo testados. Daqui a poucos
anos, portanto, teremos novas surpresas e eu acredito que tendemos a perder
ainda mais clientes entre esta faixa mais jovem do público”, complementou
Prado.

Revisão

Em
nota, a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Economia, do Ministério
da Economia, informou que “vê como uma tendência para os próximos cinco anos a
diminuição do interesse pela propriedade de automóveis e o aumento da procura
por compartilhamento de veículos e uso de soluções alternativas, como
bicicletas e patinetes”. E que, ao fim deste prazo, o assunto pode ser
tema da primeira revisão do Programa Rota 2030 – Mobilidade e Logística, a
política industrial para o setor automotivo que entrou em vigor em dezembro do
ano passado, com previsão de vigorar até 2030.

“A
mudança do padrão de consumo de motoristas mais jovens não consta diretamente
no texto do primeiro ciclo da política Programa Rota 2030”, acrescentou a
secretaria. O órgão explicou que, pelos próximos cinco anos, os consumidores
mais jovens “ainda deverão ter participação significativa no mercado dos
veículos tradicionais”. A pasta também lembrou que o Rota 2030 contempla
incentivos a novas tecnologias de propulsão e soluções estratégicas para a
mobilidade e logística em consonância com “novos modelos de negócio”.

Pesquisa

Uma
recente pesquisa analisou a relação das diferentes gerações com a mobilidade.
Apresentado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores
(Anfavea) em novembro de 2018, o estudo contempla os resultados das entrevistas
com 1.789 pessoas de 11 capitais: Belo Horizonte, Brasília, Curitiba,
Fortaleza, Goiânia, Manaus, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e
São Paulo. Na ocasião da divulgação, o então presidente da Anfavea, Antonio
Megale, classificou os resultados como “surpreendentes”.

Apenas
39% dos entrevistados entre 26 e 35 anos possuíam carro. O percentual entre os
jovens de até 25 anos era ainda menor: 23%. Entre os do primeiro grupo, 31%
responderam não desejar comprar um carro nos próximos cinco anos. Percentual
idêntico ao dos entrevistados com 36 a 55 anos de idade. Já entre os mais
jovens (até 25 anos), 30% não tinham interesse em adquirir um veículo
automotivo.

Somente
35% da geração mais nova têm habilitação para dirigir, e 8% dos que não têm CNH
disseram que não pretendiam tirar o documento. O que pode ser explicado pelo
fato de que saber dirigir sempre foi visto como uma habilidade capaz de ampliar
as chances de conseguir um emprego.

Na
época, o presidente da Anfavea interpretou que os dados sugerem que, mesmo
entre os mais jovens, o desejo de ter um veículo e a CNH se mantém, mas que, de
fato, algumas mudanças começaram a ocorrer entre os indivíduos da chamada
Geração Y (de 26 a 35 anos) e se potencializaram entre os da Geração Z (até 25
anos). Os dois grupos são os mais propensos a usar outros tipos de transporte,
como a bicicleta e os veículos compartilhados por aplicativos (que 34% de todos
os entrevistados acreditam representar o futuro do carro). Por outro lado, são
estes dois grupos os mais críticos aos ônibus – o que, para a Anfavea, pode
demonstrar a necessidade de modernização do modal.


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