Baleia Azul e série da Netflix preocupam profissionais que lidam com jovens

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  • Publicado em 26 de maio de 2017 às 18:13
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:12
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Psiquiatra, especialista em suicídio, alerta para a necessidade de enriquecer diálogo com os filhos

A especialista discorre sobre a importância de se ouvir o jovem

O assunto do jogo Baleia Azul e da série da Netflix, Os 13 Passos, vai
deixando de ter a repercussão que ganhou nas mídias em geral. Nada mais
costumeiro que a perecibilidade da notícia.

Entretanto, a discussão em torno da depressão na adolescência e a
vulnerabilidade que os estados depressivos impõem aos jovens é de suma
importância e não deve ser desconsiderada. “Em 2014, a taxa de suicídio entre
os adolescentes aumentou 30%, segundo a Organização Mundial da Saúde. É
alarmante. Devemos aumentar a percepção sobre o comportamento desses jovens”,
alerta a médica psiquiatra Alexandrina Meleiro, membro da Comissão de Estudo e
Prevenção de Suicídio da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e do
Conselho Científico da ABRATA – Associação Brasileiras de Apoio aos Familiares,
Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos.

Na visão dela, o jogo Baleia Azul e a série Os 13 Passos são, de fato,
extremamente preocupantes: no primeiro, o adolescente é induzido a praticar
atos de periculosidade crescente e que podem culminar no suicídio do jogador e
o segundo, a série, romantiza o suicídio. “O Baleia Azul, por exemplo, pode sim
deflagrar uma crise que vem se engendrando silenciosamente no interior desses
adolescentes”, diz.

Entretanto, ela lembra que o aumento significativo da depressão e da taxa de
suicídio entre adolescentes está diretamente associado a um cenário que vem se
formando ao longo do tempo: “os núcleos familiares mudaram muito, com pais
separados, sobrecarregados pelas obrigações laborais, o que impacta a qualidade
da atenção dada aos filhos. Vemos também um processo de terceirização da
educação, dando à escola a incumbência de educar. Além disso, a tecnologia
disponibiliza qualquer informação a qualquer público, precipitando, muitas
vezes, o contato com realidades que os adolescentes não têm ainda estrutura
emocional para lidar”, avalia Alexandrina.

É neste cenário de intensa pressão emocional externa associada à
particularidade do adolescência – um momento de transformações de toda ordem –
que o adolescente mais frágil pode sucumbir à angústia. “Esses jovens estão
extremamente vulneráveis a qualquer chamado, seja ele positivo ou não. Quando
são negativos podem deflagrar crises e, eventualmente, terminar em suicídio. A
questão do jogo Baleia Azul é pontual. Os jovens já se suicidavam antes disso.
Por isso, é preciso estar atento a mudanças importantes no comportamento desses
jovens. Isolamento, reclusão, mudança na maneira que se vestem, pensamentos
negativos, depreciação, alterações no ciclo do sono, são questões para estar
alerta”, explica.

Grupos de Apoio– A psiquiatra sugere aos pais procurar
ajuda profissional sempre que necessário. “A participação de um profissional –
um psicólogo ou um psiquiatra – com experiência com adolescentes pode ajudar
muito os jovens e também os seus pais, definindo um diagnóstico e um eventual
tratamento”, diz.

A ABRATA – Associação Brasileiras de Apoio aos Familiares, Amigos e
Portadores de Transtornos Afetivos, organiza desde 2015 grupos de apoio
específicos para adolescentes portadores de transtornos de humor (depressão e
transtorno bipolar). “Tradicionalmente os grupos de apoio que organizamos estão
orientados a adultos, mas identificamos um aumento significativo de consultas
feitas por adolescentes muito angustiados em busca de ajuda e apoio”, diz a
presidente da ABRATA, Neila Campos.

Atualmente o Grupo de Apoio Mútuo para Adolescentes – o GAMA acontece às
quintas- feiras, das 19 às 20:30 horas, quinzenalmente na unidade da ABRATA em
São Paulo. “É importante deixar claro que não se trata de terapia de grupo, mas
um espaço terapêutico onde se pode falar sobre a doença e todo o universo
relacionado à ela”, explica a neuropsicóloga Lucy Sposito, uma das
facilitadoras que participa dos grupos. “Para participar é necessário fazer
inscrição por telefone, e em geral quem faz isso são os pais, que frequentam o
Grupo de Apoio Mútuo de Família”.

Segundo Lucy, expor-se não é tarefa fácil para os jovens. “Hoje sabemos que
a depressão atinge um número significativo de jovens e essa moçada prefere
expor suas experiências e seus sentimentos nas redes sociais. No caso do
suicídio, o assunto é falado de maneira franca, pelos jovens que vêm ao grupo,
e que de acordo com a frequência, vão estabelecendo uma relação de confiança”,
avalia.

Nova sede – Este mês a ABRATA mudou de endereço. A nova
sede da associação fica na Rua Dr. Diogo de Faria, 102, na Vila Clementino.
Associação civil, sem fins lucrativos, com 17 anos de existência, a ABRATA está
voltada à necessidade de atender pessoas com depressão e o transtorno
bipolar, assim como seus familiares e amigos. A associação possui um conselho
científico composto por 10 profissionais, que norteia toda a sua atuação.
“Nossa missão é levar esperança, acolhimento, apoio e educação para a melhoria
da qualidade de vida às pessoas com transtornos de humor e seus familiares”,
explica Neila.

No ano passado, a ABRATA alcançou 3 milhões de pessoas com as atividades
promovidas e informações distribuídas. “Temos hoje cerca de 6 mil associados
entre familiares e pessoas que apresentam depressão e transtorno bipolar. Nossa
gestão é feita por familiares e portadores no modelo de voluntariado”, explica
Neila. Além dos grupos de apoio às pessoas com o diagnóstico de depressão e
transtorno bipolar e a familiares, a associação tem uma intensa agenda de
atividades psicoeducacionais, palestras e encontros.

Sobre a ABRATA

Inaugurada em 1999, a ABRATA – Associação Brasileira de Familiares, Amigos e
Portadores de Transtornos Afetivos – é uma associação civil, sem fins
lucrativos, voltada à necessidade de atender pessoas portadoras de transtornos
do humor: a depressão e o transtorno bipolar assim como seus familiares e
amigos. A entidade foi uma iniciativa dos próprios portadores, familiares e
profissionais da área de Saúde Mental do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP, através do GRUDA – Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de
Psiquiatria. Todas as ações da ABRATA são coordenadas e desenvolvidas pelo
corpo de voluntários, suportados pela estrutura de uma Diretoria Executiva, um
Conselho Fiscal e o Conselho Científico, composto por 10 profissionais. Por
meio de palestras psicoeducacionais e dos grupos de apoio a familiares,
portadores, adultos e adolescentes, a associação promove a interação e
facilitação entre todos os indivíduos que recorrem à ABRATA, com o objetivo de
levar esperança, acolhimento, apoio e informação para todos. 


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