Condenação por tortura contra coronel Ustra é extinta pela Justiça de SP

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 17 de outubro de 2018 às 21:01
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:05
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Coronel havia sido condenado por ter participado e comandado sessões de tortura que matou jornalista

A Justiça de São
Paulo extinguiu nesta quarta-feira, 17 de outubro, o processo que havia
condenado o coronel reformado do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto
em 2015, ao pagamento de uma indenização de R$ 100 mil à família do jornalista
Luiz Eduardo Merlino, que foi assassinado em julho de 1971, durante a ditadura
militar.

Na decisão de primeira instância da ação por danos morais movida
pela família de Merlino, o coronel Ustra havia sido condenado à indenização por
ter participado e comandado sessões de tortura que mataram o jornalista. No
entanto, a defesa de Ustra recorreu da ação e conseguiu a extinção.

A decisão desta quarta-feira, dos desembargadores Luiz Fernando
Salles Rossi, Mauro Conti Machado e Milton Paulo de Carvalho Filho, foi unânime
no entendimento da extinção do processo ao considerar que houve prescrição da ação.

Segundo a turma
julgadora, se passou um prazo superior aos 20 anos previstos no Código Civil
para ajuizamento do processo. A ação que se referia à tortura e assassinato de
Merlino foi proposta em 2010 pela esposa e pela irmã.

A viúva do jornalista Ângela Mendes Almeida lamentou a decisão
da Justiça paulista e disse que vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF)
e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Para mim, a decisão representa uma
espécie de licença para torturar, porque a tortura foi completamente
desqualificada no tribunal”, disse. “Eles são juízes conservadores e acham que
esses crimes não são importantes”.

Integrante do Partido Operário Comunista à época, Merlino foi
preso em 15 de julho de 1971, em Santos, e levado para a sede do Destacamento
de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna
(DOI-Codi). Lá, ele foi torturado por cerca de 24 horas e morto quatro dias
depois. De acordo com a família de Merlino, o coronel Ustra foi quem ordenou as
sessões de tortura que o levaram à morte. Ustra foi comandante do DOI-Codi em
São Paulo, um dos maiores centros de repressão durante a ditadura.

Crime imprescritível

Para o procurador regional da República Marlon Weichert, “a
decisão do TJ ao extinguir a ação de Merlino é equivocada, porque ela está em
desconformidade com todos os fundamentos da Corte Interamericana de Direitos
Humanos e com a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça)”.

Apesar de a ação de Merlino ser de reparação e não uma ação
criminal, Weichert considera que o entendimento da corte deve ser aplicado
também neste caso. “Toda a fundamentação, toda a construção do que diz a corte,
que classificou os crimes cometidos pela ditadura como crimes contra a
humanidade, no nosso entendimento, e isso nós defendemos desde lá de trás em
outra ação reparatória que nós fizemos contra o Ustra, se aplica também para as
ações civis. Nesse sentido, a decisão do TJ está equivocada”, disse o
procurador da República. “O STJ tem entendido que não há prescrição para essas
graves violações de direitos humanos para reparações cíveis (indenizações).
Foram casos movidos contra a União, mas também nós entendemos que se aplica aos
responsáveis diretos, que são as pessoas que praticaram a violação”, disse.

Ele citou que a família
do jornalista Vladimir Herzog, morto em 1975, também durante a ditadura
civil-militar, entrou com ação cível na década de 90 contra a União e ganhou a
reparação pela Justiça.

No início de julho
deste ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) considerou que o
assassinato de Herzog cumpriu os requisitos de crime contra a humanidade, o que
extingue as possibilidades de prescrição e de anistia dos torturadores e
assassinos, possibilitando a reabertura das investigações sobre sua morte.

Representantes do Ministério Público Federal disseram na ocasião
que a forma como se organizou a repressão política no Brasil consistia em um
ataque sistemático e generalizado contra a população, o que caracteriza crime
contra a humanidade, e que isso foi confirmado com a sentença da Corte.

Para a diretora do Centro de Justiça e Direito Internacional
(Cejil), Beatriz Affonso, a decisão da corte vale para outros crimes cometidos
durante a ditadura militar no Brasil porque as características do caso Herzog
se repetem nos demais crimes ocorridos durante o período de repressão.

Ela disse, na época da decisão da corte interamericana, que
todas as violações praticadas por militares e civis a mando da ditadura
militar, de 1964 a 1985, ocorreram no contexto de crime contra a humanidade,
tornando-as imprescritíveis.


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