Vagas em creches lideram ações judiciais na área de Educação no Brasil

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 19 de abril de 2018 às 07:21
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:41
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Busca por vagas em creches e permissão ensino fundamental são principais causas de ações na Justiça

Um estudo sobre a
judicialização da educação básica no Brasil mostra que as principais causas de
ações na justiça são a busca por vagas em creches e a permissão para o ingresso
no ensino fundamental de crianças com idade inferior ao determinado pelo
Conselho Nacional de Educação (CNE). O estudo foi feito pela advogada
Alessandra Gotti, doutora e mestre em Direito Constitucional, a pedido do CNE e
da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco).

Segundo a especialista, a matrícula de crianças em creches e
pré-escolas nas redes municipais de educação está no topo do ranking da
judicialização. O assunto é objeto de demandas judiciais crescentes, ajuizadas
especialmente por parte dos ministérios públicos estaduais, defensorias públicas
e pelas próprias famílias em nome das crianças.

Em relação às ações sobre os limites etários para o acesso às
etapas da educação, as demandas mais frequentes se referem ao corte de idade
para matrícula inicial na escola e no 1º ano do ensino fundamental.

Atualmente, uma
resolução do CNE exige que a criança tenha 6 anos completos até o dia 31 de
março do ano em que ocorrer a matrícula para ingresso no 1º ano do ensino
fundamental e 4 anos completos para ingresso na pré-escola. Essa determinação
vem sendo questionada, principalmente pelas famílias, em diversas ações
judiciais.

Outro tema que tem sido amplamente judicializado é a matrícula e
frequência de menores de 15 anos no ensino fundamental e menores de 18 anos no
ensino médio em cursos e exames supletivos na modalidade de Educação de Jovens
e Adultos (EJA), conhecidos como cursos supletivos. 
O oferecimento de atendimento em creches e pré-escolas em período ininterrupto
durante o recesso escolar também tem sido objeto de ações civis públicas
propostas, sobretudo, pela Defensoria Pública e pelo Ministério Público em
vários municípios.

A judicialização na educação é o tema abordado na publicação
“Reflexões sobre Justiça e Educação”, que foi lançada na última quarta-feira,
18 de abril, na sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, pelo
movimento Todos Pela Educação e a Editora Moderna. Além da autora do estudo,
especialistas do setor de educação abordam seus pontos de vista e apontam
soluções para o assunto.

Recomendações

Uma das recomendações da especialista para reduzir a litigância
em torno desses temas é a criação de um canal de diálogo mais eficiente entre o
sistema de justiça e o campo educacional, para possibilitar que o apoio técnico
de especialistas possa subsidiar os magistrados em suas decisões. “Muitas
vezes a decisão técnica e jurídica não alcança o impacto pedagógico do processo
educacional de uma determinada questão. Por isso, é fundamental que exista esse
espaço de diálogo inclusive para garantir apoio técnico para subsidiar os
magistrados nesse tipo de decisão”, diz Alessandra.

A presidente executiva do movimento Todos pela Educação,
Priscila Cruz, também defende a necessidade do apoio de especialistas para
subsidiar as decisões do Judiciário. “O sistema de justiça precisa se
valer do apoio de pessoas que entendem o dia a dia da sala de aula, porque
muitas vezes as decisões do Judiciário acabam afetando uma ponta que está muito
distante da realidade deles. E com certeza eles acham que estão ajudando e
defendendo a educação, mas podem prejudicar o sistema educacional como um todo
e o planejamento e a implementação das políticas por parte do Executivo”,
disse.

O estudo também recomenda que o CNE atue mais fortemente junto
ao Poder Judiciário, ao Poder Legislativo e às Cortes de Contas. Segundo
Alessandra, o CNE deve fazer pressão para que sejam julgadas ações que resolvam
em definitivo pendências como a questão do corte etário. Atualmente, está em
análise no Supremo Tribunal Federal uma Ação Declaratória de
Constitucionalidade sobre a idade limite para o ingresso no ensino fundamental.

Gestão pública

Na publicação, o presidente do Conselho Nacional de Educação
(CNE), Eduardo Deschamps, aponta em seu artigo que a frequente judicialização
de questões relativas à educação faz com que o gestor público não consiga executar
projetos conforme estabelecido no planejamento e na organização orçamentária. “Com
frequência, é preciso deslocar um imenso esforço para a discussão e o
cumprimento das decisões judiciais (com frequência de forma liminar), minando a
capacidade executiva da administração. Além disso, muitas vezes as decisões
judiciais focam mais em direitos individuais do que em direitos coletivos,
resultando em potenciais prejuízos para um grande grupo de cidadãos em
detrimento de alguns poucos”, diz Deschamps, que também é secretário de
Educação de Santa Catarina.

Esse problema também
é abordado pelo sociólogo Cesar Callegari, conselheiro do CNE. Segundo ele, a
atuação do Poder Judiciário pode provocar um grande impacto no planejamento e
na execução da política pública de educação, interferindo inclusive nas filas
de espera que são adotadas para atender a população. “Muito embora o mandado
judicial vise a assegurar o direito da criança demandante, ele gera um efeito
colateral que não pode ser desconsiderado ao se analisar o fenômeno da
judicialização: matrículas realizadas por decisão judicial alteram a ordem
cronológica das filas de espera que são normalmente adotadas pelas
municipalidades para encaminhar o atendimento. Assim, essas decisões judiciais
geram, na prática, o efeito de que as filas de espera formalmente constituídas
sejam literalmente fragilizadas e desmoralizadas”, aponta Callegari.

Garantia constitucional

No prefácio da publicação, o vice-presidente do STF, José
Antonio Dias Toffoli, defende que a educação precisa ser um direito realizado.
Ele lembra que as decisões judiciais podem ser usadas para garantir o nível do
ensino garantido constitucionalmente. “Cabe sempre ao Poder Judiciário analisar
a legalidade do ato administrativo quando o ente político descumprir os
encargos político-jurídicos que sobre ele incidem, comprometendo, assim, com
sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais assegurados pela
Constituição Federal”, diz Toffoli, lembrando que ele mesmo já ressaltou em
suas decisões no STF que a educação é direito fundamental do cidadão, e deve
não apenas ser preservada mas também fomentada pelo Poder Público e pela
sociedade.


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