USP estuda cirurgia na coluna por endoscopia que reduz recuperação

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 21 de março de 2019 às 11:02
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:27
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Menos invasiva que operação aberta, técnica reduz convalescença e pode resolver fila do SUS

A
assistente de compras Fabíola Taís de França, de 39 anos, há quatro meses não
convive com as dores nas costas que a incomodaram por dois anos. Com um corte
milimétrico, alta no dia seguinte ao procedimento e uma recuperação de apenas
uma semana, ela foi submetida no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto
(HC-RP) a uma cirurgia endoscópica na coluna, modalidade pouco difundida no
Brasil que a curou de uma hérnia de disco.

O procedimento que ela recebeu
sem pagar nada é uma técnica já realizada em países como China, Estados Unidos
e Alemanha, além de algumas clínicas particulares em grandes centros
brasileiros, que, em vez de bisturis e pinças, usa alta tecnologia com câmera e
instrumentos de proporção reduzida.

A modalidade, segundo os médicos, poderia mudar a forma
como se operam pacientes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), sobretudo por ser
menos invasiva e com menos complicações que a cirurgia aberta convencional, que
implica meses de recuperação no pós-operatório.

No
interior de São Paulo, a nova técnica chega aos primeiros pacientes ainda de
forma restrita por meio de um curso de extensão inédito no Brasil oferecido
pela Faculdade de Medicina (FMRP) em parceria com o DWS Spine Research Center,
que tem capacitado profissionais brasileiros e do exterior.

Na primeira turma, 34
neurologistas e ortopedistas se formaram no início deste ano, acompanhando na
prática os resultados da tecnologia. Para o próximo ciclo, mais 40 devem estar
aptos a realizar o procedimento.

A ideia é que esses profissionais difundam o
conhecimento, o levem para suas rotinas e o apliquem não só em pacientes com
hérnia de disco – que representam em torno de 85% dos que têm problemas na
coluna no país, segundo estimativas do setor -, mas também para problemas como
estreitamento de canal, pinçamento de nervo e compressão de medula.

A previsão é de que isso chegue de maneira mais rápida
por meios particulares e convênios médicos, mas a expectativa é de que um dia
também seja praticado no SUS, segundo Helton Defino, professor do departamento
de ortopedia da universidade e coordenador do curso de extensão.

Para tanto, a cirurgia primeiro precisaria ser
reconhecida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Em alguns casos isolados, isso
já tem se tornado realidade, por meio de parcerias isoladas, segundo João Paulo
Bergamaschi, um dos fundadores e professores convidados do curso de extensão na
USP e diretor do DWS. “Tem gente de Belém (PA), do Mato Grosso e de Goiás
que atuam nesses dois tipos de públicos. Eles conseguiram firmar algumas
parcerias com algumas empresas até mesmo com hospital pra poder adquirir o
material necessário e isso ser utilizado para os pacientes do SUS
inclusive.”

Cirurgia endoscópica

No método tradicional, o paciente é posicionado de bruços na mesa cirúrgica,
onde recebe uma anestesia geral. A depender da doença a ser tratada, o corte na
coluna pode variar de 5 a 25 centímetros e, após o problema ser solucionado, o
procedimento ainda demanda um trabalho de fixação em função do descolamento da
musculatura dos ossos. “Dependendo do quanto de osso a gente tira para
resolver o problema do paciente, a gente gera uma instabilidade nesse local.
Nessas situações precisa-se obrigatoriamente fazer essa fixação, senão o
paciente terá outros problemas no futuro. Depois de resolvido o problema, a
musculatura e o tecido subcutâneo na pele são suturados através de pontos
simples”, explica Bergamaschi.

Já na cirurgia endoscópica, o paciente recebe apenas uma anestesia local
e fica sob efeito de uma sedação leve, o que o permite acompanhar a cirurgia e
dar feedbacks imediatos sobre os sintomas. “Se ele tem uma hérnia de disco
e eu a tirei, ele consegue me afirmar que não tem mais nenhum tipo de dor. É um
procedimento que a grande maioria dos pacientes faria novamente sem problema
algum”, afirma Bergamaschi.

O corte feito para introduzir a câmera com os instrumentos automatizados
tem em torno de 0,5 centímetro e o procedimento dura de 15 minutos a duas
horas. “Tem um dilatador, uma canola de trabalho por onde a câmera passa e
todo o procedimento é feito pela televisão. Por dentro dessa câmera a gente
consegue manipular alguns instrumentos, obviamente limitados, que nos permitem
resolver o problema do paciente que está causando a dor, seja ele um pinçamento
de nervo, uma compressão de medula, uma hérnia de disco, uma estenose, um
estreitamento de canal.”

Outra vantagem está no índice de complicações após a cirurgia, de 5%
contra 25% da convencional.

Em termos financeiros, o
método pode ser mais caro se analisado isoladamente, mas representa economia de
custos quando avaliado todo o atendimento ao paciente, defendem os
especialistas.

Ainda importada de países como Alemanha e EUA, a
tecnologia necessária para a cirurgia endoscópica demanda um investimento
inicial que varia de R$ 80 mil a R$ 100 mil e um custo médio de R$ 15 mil a R$
25 mil por procedimento realizado. Uma cirurgia convencional aberta pode custar
de R$ 10 mil a R$ 100 mil dependendo da extensão do problema, segundo
Bergamaschi.

Mesmo quando é mais custoso, o método mais novo reduz
drasticamente o tempo de internação – de meses para uma semana -, o que
repercute em menos gastos com a permanência no hospital e para o INSS, com o
retorno mais rápido dos pacientes ao trabalho.

Em países da Europa, EUA, além do Chile e China, essa
cirurgia já uma realidade, segundo os médicos. “Se a gente pegar um
problema mais simples a gente gastaria de R$ 10 mil a R$ 15 mil em uma cirurgia
aberta. Mesmo assim, o custo total da recuperação desse paciente vai ser
superior ao do paciente submetido a uma cirurgia endoscópica que a cirurgia em
si”, diz Bergamaschi. 

Parceria

A técnica chegou ao campus da USP de Ribeirão Preto depois de
uma visita do médico chileno Álvaro Downling, referência internacional na
cirurgia endoscópica de coluna, convidado para um curso rápido sobre o tema.

Foi
durante essa visita que surgiu a ideia de estabelecer uma parceria entre
universidade e iniciativa privada para oferecer uma formação mais longa e
consistente sobre o assunto.

Na parceria firmada, a clínica
fornece o know how da
tecnologia, com professores convidados, entre eles Downling e Bergamaschi,
enquanto a USP coloca à disposição seu corpo docente em áreas como anestesia,
radiologia e anatomia, além de laboratórios, salas, centro cirúrgico e
pacientes encaminhados pelo HC interessados em se submeter à técnica.

As
cirurgias fazem parte do conteúdo do curso, que prevê 12 encontros mensais aos
fins de semana. “Você está realizando um procedimento inovador, que é de
menor morbidade, em uma popular do SUS dentro do hospital, mas sem o
financiamento do SUS, é o curso que financia essa cirurgia. Ao mesmo tempo você
está realizando uma atividade de ensino, está introduzindo uma nova técnica a
custo zero para a instituição, que em contrapartida te dá toda a estrutura pra
realizar isso”, explica Defino.


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