Um terço dos antibióticos receitados para as crianças é desnecessário

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 23 de dezembro de 2018 às 11:05
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:15
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O abuso de antibióticos desde a infância leva ao excesso do desenvolvimento das superbactérias

Os antibióticos costumam
trazer sentimentos conflitantes aos pais. Ao mesmo tempo em que são vistos como
a bala de prata em muitas ocasiões – sair com uma receita do consultório dá a
sensação de que seu filho vai sarar rápido –, a prescrição indiscriminada é uma
preocupação não apenas da família, mas mundial.

Estima-se que um terço dos
antibióticos seja receitado sem necessidade, de acordo com um estudo da
revista da Sociedade de Doenças Infecciosas Pediátricas, do Reino Unido, que
acompanhou mais de 6,8 mil crianças em 41 países diferentes. E o uso do
medicamento só aumenta: passou de 21,1 bilhões de doses diárias em 2000 para
34,8 bilhões em 2015 nos cinco continentes, um salto de 29%.

Em ranking de 65 nações
divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil
aparece na 17ª colocação dos que mais consomem antibióticos (22 doses diárias),
à frente da média dos europeus (18 doses), e de países como Canadá
(17 doses) e Japão (14 doses).

Mas é importante que se diga: desde a descoberta da penicilina, o
primeiro antibiótico, criado pelo médico e cientista escocês Alexander Fleming,
em 1928, os antimicrobianos salvaram milhões de vidas e continuam sendo aliados
fundamentais contra bactérias, das mais “bobinhas” às mais perigosas. Estima-se
que desde a Segunda Guerra, quando os antibióticos começaram a ser utilizados
em maior escala, cerca de 200 milhões
de vidas foram salvas pelo achado de Fleming. O problema hoje é o exagero na
sua prescrição.

Bactérias resistentes

Além do número desmedido de receitas, ainda há o uso irresponsável. Uma
pesquisa da American Academy Pediatrics revelou que um grande número de pais
admitiu ter dado aos filhos antibióticos receitados a outras pessoas. Muitos
aproveitaram sobras de parentes e amigos.

O abuso, desde a
infância, leva ao excesso do desenvolvimento das superbactérias. A OMS vem
alertando para o fato de estarmos prestes a entrar numa era “pós-antibiótica”,
em que parte dos micróbios não é debelada pelas drogas disponíveis. A entidade
estima que, se nada for feito, as superbactérias serão as principais
responsáveis por mortes em 2050.

Embora seja a mais assustadora, a resistência aos antimicrobianos
disponíveis não é a única preocupação. Esse tipo de medicação costuma trazer
também problemas para a flora intestinal e, acredita-se, seja uma das causas de
doenças autoimunes.

Nos Estados Unidos, onde existem fartas estatísticas médicas,
erupções cutâneas e comichões levam às emergências 70 mil crianças por ano, de
acordo com um levantamento feito entre 2011 e 2015. Os dados são do Centro de
Prevenção e Controle de Doenças americano. Antibióticos antes dos seis meses de
vida também estão associados a alergias no futuro, podem tornar a malária mais
intensa e seu uso contínuo estaria ligado ao aparecimento do diabetes tipo 1.

O motivo por trás
disso seria a desorganização da flora intestinal causada por este tipo de
medicação. Quando tomamos sem necessidade, as doses matam os micro-organismos
“bonzinhos” que habitam nosso intestino, provocando uma bagunça interna que
abre o flanco para doenças.

Pressa para resolver

Mas por que, apesar dos riscos, os antibióticos continuam a ser
recomendados com tanta frequência? Existem alguns motivos, na visão dos
especialistas. Um deles, segundo o pediatra Daniel Becker, criador do site
Pediatria Integral, tem a ver com um paradigma social típico da nossa era,
ligado ao imediatismo e ao consumo. “Você acredita que as coisas se resolvem de
forma simples e imediata, que existe uma solução que vem de fora prescrita por
um terceiro que pode resolver tudo. O mercado é quem se dá bem”, diz Becker. A
pressão da indústria farmacêutica é bem grave em alguns casos. “Como ocorre com
o antibiótico Benzetacil”, observa a pediatra Silvia Regina Marques, presidente
do departamento de infectologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo. “Ele só
serve para dois tipos de bactérias: para tratar sífilis e amigdalite. Mesmo assim, ainda é muito prescrito.”

Becker acredita que nosso
sistema de saúde também favorece a prescrição além da conta, com a recorrência
sistemática dos pais às emergências. Todo pediatra entende o desespero que dá
ver o filho febril, prostrado e sem apetite. 

Mas a solução, com frequência, não
é correr para os ambulatórios – reservados para emergências mesmo, acidentes,
piora súbita ou dificuldade respiratória. Isso porque, nesses locais, a
tendência é sempre medicar em excesso. “Não é porque o profissional da
emergência é ruim, mas é porque ele tem medo de deixar uma infecção passar. Na
dúvida, receita o antibiótico. Não é um problema ou um erro médico, é uma questão
de contexto”, diz Becker.  Segundo o pediatra, as equipes de saúde da
família melhoraram muito esse panorama. “Só acompanhando a criança é que o
médico consegue evitar a prescrição exagerada.”

É vírus ou bactéria?

Claro que só um profissional pode diagnosticar se o seu filho foi pego por
vírus ou bactéria, por isso, é indispensável levá-lo a uma consulta. “Garganta
irritada e secreção não significam, necessariamente, infecção bacteriana. É
preciso que haja um estado geral da criança bem comprometido”, explica a
pediatra Silvia Marques.

Em geral, os vilões são os
vírus, responsáveis por 90% das infecções que rondam as escolas. Grande parte
das tosses que costumam deixar crianças e pais insones, por exemplo, é causada
por vírus. E existem alguns sinais típicos para identificá-los. “a
criança tem febre que cede com antitérmicos, e volta a brincar e a se
interessar por comida. Não é caso de ir para a emergência. É caso de
chamar a vovó para ajudar”, orienta Becker.

Existem soluções caseiras
e comprovadas cientificamente que ajudam a debelar os sintomas: muito líquido,
soro no nariz e uma prosaica colher de mel para a tosse antes de dormir.
Estudos mostram que uma dose ajuda a reduzir o cof-cof noturno e o desconforto
– mas a receita só é indicada a crianças acima de 1 ano, por causa do risco de
botulismo. Ao escolher o tipo, eleja os mais escuros, que apresentam um poder
antioxidante e antimicrobiano maior do que os clarinhos.

Mas e se o quadro não
cede? Há infecções virais bem persistentes, que se estendem por quatro ou cinco
dias. Faz parte. No caso de piora nos sintomas, volte ao médico. Um estudo
feito por cientistas das universidades de Bristol, Southampton, Oxford e da
King’s College de Londres descobriu que os antibióticos foram mais efetivos
quando aplicados após uma leve piora em vez de imediatamente após a criança
cair de cama.

Ou seja, é melhor
esperar um tempo para a prescrição ser mais certeira e evitar que seu filho
tome remédio à toa. Procure segurar a ansiedade. Se o quadro piorar, os pais
logo perceberão. “Febre por mais de quatro dias, ou mesmo criança sem febre,
mas prostrada, sem sorrir, sem brincar, são sinais de que pode estar havendo
infecção bacteriana”, alerta o pediatra Daniel Becker.

Para driblar os
incômodos da medicação, iogurtes com lactobacilos ajudam a reequilibrar e a
reorganizar as bactérias intestinais e dão uma força às defesas do corpo. Um
estudo de revisão veiculado no European Journal of Public Health que analisou
12 pesquisas em diferentes países, indicou que o uso regular de probióticos
pode reduzir, inclusive, a necessidade de antibióticos em até 53%. Um ótimo
aliado na luta contra as superbactérias.


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