Tudo sobre o PIX: sistema para acabar com TED, DOC e até bandeira de cartão

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 20 de fevereiro de 2020 às 17:32
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:24
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O dinheiro terá que cair na conta do correntista em até 10 segundos, a qualquer hora do dia, ou da noite.

​O Brasil está à beira de uma verdadeira revolução na forma se relaciona com seu próprio dinheiro. A boa nova deve começar a partir de 16 novembro deste ano.

Se tudo correr bem, o sistema PIX lançado na quarta-feira (19), pelo Banco Central, vai essencialmente digitalizar o nosso dinheiro, diminuindo os custos de transações financeiras entre pessoas, empresas e até o governo.

É importante destacar também que o Brasil está em uma espécie de vanguarda tecnológica com o PIX, testando um sistema de pagamentos instantâneos universal que nem mesmo grandes economias como China e EUA possuem.

O PIX pretende conectar fintechs, varejistas, pessoas, bancos tradicionais e digitais por meio de um único sistema que poderá transferir fundos de maneira rápida e com custo na casa dos centavos por transação.

Essa é a principal vantagem prática do PIX em relação às transferências TED, DOC e ainda em relação aos pagamentos por cartão de crédito e débito. 

Ao passo que enviar dinheiro de um banco para o outro pode custar até R$ 10, varejistas podem pagar muito mais que isso ao aceitar um pagamento por cartão, dependendo da taxa que sua maquininha cobra por operação.

O Banco Central vai manter uma estrutura moderna baseada no protocolo ISO 20022 capaz de catalogar usuários e instituições participantes e também registrar cada transação operada no sistema. 

Mas tudo isso vai acontecer muito rapidamente, quase como se houvesse uma comunicação direta entre as partes.

Pagar ou enviar dinheiro para alguém ou alguma empresa será tão simples quanto mandar uma mensagem, como esclareceu Alexandre Pinto, diretor de novos negócios da Matera, uma startup envolvida no desenvolvimento do PIX junto ao Banco Central.

“A base tecnológica utilizada tem como fundação o envio de mensagens. 

Então, as transações financeiras que vão acontecer serão baseadas em mensagens que são enviadas de um participante para outro.

“Seja uma mensagem de pagamento, de cobrança, de registro de usuário, um catálogo de diversos registros de mensagens diferentes”, disse.

Ele também destacou a tecnologia por traz do PIX é algo que pode, um dia, se tornar um padrão mundial para transferências e pagamentos.

“O banco central não quis reinventar a roda, mas sim utilizar um padrão existente, e isso é importante para não criar algo muito específico do mercado brasileiro”, revelou.

“Quem sabe havendo uma padronização com relação às mensagens — não é nada impossível imaginar —, talvez daqui alguns anos a gente tenha uma rede de pagamentos instantâneos mundial, o câmbio, a remessa entre países aconteça também 24hx7”.

Custo por transação

A principal diferença do PIX para as operações com cartão é o custo. As bandeiras ou “operadoras” cobram uma porcentagem do lojista baseada no valor total pago pelo cliente. 

Se você comprar uma geladeira à vista no cartão por R$ 2 mil, o vendedor pode receber algo próximo de R$ 1.940, considerando uma taxa de 3% — bem comum no mercado atual.

No PIX, o valor total da compra não deve influenciar no valor da transação. Assim, em vez de pagar R$ 60 para receber uma compra de R$ 2 mil, o lojista poderia pagar apenas alguns poucos centavos.

Não se sabe exatamente quantos centavos uma transação no PIX deve custar, mas o Banco Central já destacou que o valor será bem baixo. 

Para o cliente que fizer uma carteira digital compatível com o sistema, o custo inclusive acabar sendo zero ou diluído no custo de algum serviço fornecido pela contratada.

Mas com a notícia do lançamento do PIX feita ontem pelo BC, muitas dúvidas sobre os valores reais das transações apareceram na cabeça dos futuros usuários. 

Será mesmo que os bancos não vão cobrar a mesma taxa de TED ou DOC que cobram hoje?

Carlos Brandt — chefe adjunto do Departamento de Competição e de Estrutura do Mercado Financeiro do BC — disse que o mercado estará livre para cobrar a taxa que quiser dos clientes nas operações com o PIX.

“Não há qualquer restrição à cobrança de tarifas [via PIX]. Vamos estruturar o serviço de forma aberta, estimulando a competição, para que isso leve a uma boa formação de preço ao usuário final. 

“Haverá liberdade para que se cobre do cliente. Mas se houver uma situação em que a formação de preço esteja sendo distorcida, nada impede que o BC, no papel de regulador, interfira nessa falha de mercado”, explicou.

Mas como notou muito bem Fernando Paiva do Mobile Time, o BC também cobra hoje uma taxa muito baixa para transações TED e DOC dos bancos. Essas instituições, contudo, resolvem repassar valores bem maiores para os clientes.

QR Code e o fim do boleto

Uma das principais formas de realizar pagamentos e transferências via PIX será na forma de um QR Code. 

O lojista poderá ter, por exemplo, um código desses em seu balcão para que o cliente escaneie com a câmera do seu celular e realize a operação rapidamente.

O mais interessante é que o varejo poderá ter apenas um código desses em seu estabelecimento em vez de um QR para cada serviço ou carteira digital que ele possua.

Fora essa unificação, haverá também mais rapidez e comodidade, o que deve ajudar na disseminação do pagamento por QR Code no Brasil. 

Estima-se ainda que formas de pagamento populares como o boleto bancário caiam no ostracismo ou desapareçam completamente.

A Loise Nascimento — Legal Payments & Regulatory na MovilePay — acredita em um futuro como esse, mas detalha que o sistema do BC terá suas limitações, mais devido à nossa infraestrutura de comunicação falha do que ao próprio PIX.

“O PIX deve se popularizar pois melhora experiências que atualmente são muito ruins, trabalhosas, demoradas, como é o caso do boleto. 

“Estamos avançando na popularização do QR Code, que já é muito utilizado atualmente, e assim vamos educando a população a se acostumar com esse tipo de tecnologia e abrindo caminho para os pagamentos instantâneos e tecnologias futuras.

É possível que algumas tecnologias atuais desapareçam, enquanto outras apenas se tornem menos populares. 

Em locais mais isolados, por exemplo, nosso principal concorrente ainda é o dinheiro, e o desafio é mudar o hábito da população. 

A maior parte dos brasileiros já tem smartphone, nosso maior gargalo agora é o sinal do celular, que nem sempre é bom em locais mais afastados”.

Os grandes bancos vão entrar?

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central do Brasil

O BC começou a realizar testes com PIX junto a pequenas empresas e fornecedores de tecnologia — caso da Matera —, mas, a partir de junho deste ano, os grandes bancos serão obrigados a adotar a novidade. 

Qualquer instituição financeira — banco ou fintech — com mais de 500 mil contas de clientes ativas será obrigado participar do PIX por regulamentação nacional.

De início, esse critério de obrigatoriedade já agrega cerca de 30 instituições que são responsáveis por mais de 90% das contas transacionais ofertadas no Brasil.

Com isso, o BC vai garantir que a maioria dos brasileiros que já possuem contas em bancos poderá se beneficiar da novidade, aproveitando um sistema de pagamentos padronizado que já nascerá com milhões de usuários.

É como se você entrasse no WhatsApp ou Telegram achando que não terá com quem conversar, mas, na verdade, todo mundo já está lá.

Segurança

De todos os pilares do PIX, esse talvez seja o mais instável ou “obscuro” no momento. Naturalmente, o sistema terá forte segurança para evitar que criminosos invadam o PIX diretamente no gerenciamento feito pelo BC.

Contudo, a segurança contra fraudes na ponta dos usuários será feita pelas empresas que fornecerão o serviço de carteira digital ou métodos de pagamento. 

Em outras palavras, a quantidade de fraudes no sistema dependerá do zelo que as companhias participantes aplicarem no desenvolvimento de suas tecnologias.

Isso é um pouco preocupante especialmente porque o PIX só processará transações irrevogáveis ou sem possibilidade de “charge back”.

Isso significa que, uma vez realizada, uma transferência não pode ser desfeita, e caso sejam identificados erros ou fraudes, os envolvidos precisarão desenvolver alguma espécie de acordo ou sistema para fazer algum tipo de reembolso.

Mesmo assim, Alexandre Pinto, da Matera, vê esse problema como algo solucionável. 

“Será uma responsabilidade da fintech, do banco, enfim, de quem se conectar a essa rede de pagamento o cuidado, principalmente na adesão de novos clientes”, detalha. 

“Estou imaginando, ‘especulando’, que serviços de geolocalização sejam usados: por exemplo, se uma pessoa faz compras em São Paulo e, de repente, aparece fazendo compras em Buenos Aires, vale uma checagem”.


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