Toda crise traz consigo o umbigo

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 24 de julho de 2020 às 22:03
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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A teoria lapidar de Karl Marx: A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa. A partir daí, pense: As pessoas sabem dos profissionais de saúde, de que são seres humanos, de que seres humanos morrem, de que arriscam suas vidas, de que muitos já morreram, de que estão no front contra a covid-19, porém creem que não fazem nada mais do que cumprir a obrigação de morrer por nós. Creem que o aplauso justifica a irresponsabilidade de evitar aglomerações. E os generais? Os generais nunca estão na linha de frente. Nunca se arriscam, a não ser tropeçar no tapete da sala de despachos, com ar condicionado. É o sempre normal.

Emmanuel Macron, incapaz de lidar com as crises políticas, econômicas, sociais e sanitárias de seu país, cunhou a expressão: o novo normal. Como político, sabe muito bem que as sociedades sofrem de Alzheimer. A língua portuguesa é impiedosa com suas ironias: a expressão “viralizou”. Jornalistas, filósofos, sociólogos, crianças repetem essa expressão, como um mantra. A história é também impiedosa em suas constatações. As canetas assinam as rendições sempre que é estabelecido o novo normal.

Em 1914, durante a primeira guerra capitalista mundial, o autor britânico, H.G. Welles, cunhou a frase: “A guerra para acabar com todas as guerras”. A frase “viralizou”. O mundo nunca seria mais o mesmo. E não foi. A reboque da guerra veio a gripe espanhola. A humanidade não aprendeu com o novo normal. Apesar da viralização, ódios ficaram represados. Ódio represado é pior que faca amolada. O fanatismo se candidata a ser o pai das tragédias.

A guerra para acabar com todas as guerras promoveu uma quantidade infindável de crises econômicas, políticas, sociais, sanitárias que desembocaram na Segunda Guerra capitalista Mundial (1939 – 1945?). Joseph Goebbels, “sinistro” de propaganda de Hitler, cunhou a frase: Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade. A Alemanha criou a fake News. O mundo nunca mais seria o mesmo. E não foi. Os governantes sempre pregaram o novo normal, mas nunca aprende. As disputas trouxeram a reboque a guerra fria, uma infindável coleção de massacres.

Macron, além de incompetente, não chega sequer a ser original. A mais nova expressão do pensamento cínico no meio dessa pandemia é isolamento de rebanho. Temos que dar razão a Zé Ramalho: Vida de gado / povo marcado / povo feliz. O rebanho finalmente vai se render às evidências: é massa de manobra. O novo normal será o isolamento de rebanho. Por mais que a ciência esteja correta, chegam a ser irônicas essas expressões, que desembocarão mais uma vez na velha história do salvador da pátria. A sociedade realmente sofre de Alzheimer.

O Paciente zero não é apenas um filme idiota de ficção, é a experiência com um homem ratinho branco que deu errado. Nunca, depois da segunda guerra mundial, estivemos tão perto da obsessão americana: um mundo recheado de zumbis: o novo normal.

O ladrão zero não é ficção. Sinistro? Desgovernador? Imperfeito? Empresa de fachada? É um claro distúrbio, uma esquizofrenia, desde Caminha. Em troca de esmola, o populacho permite à canalha se locupletar facilmente, porque não sabe o que é estado de calamidade pública. A humanidade é muito mais suscetível à desumanidade à humanidade.

O vírus escancarou o significado de estado de calamidade pública. O governo socorre a população com um benefício de urgência, devolvendo, a contragosto, os impostos pagos por ela. Algum “sinistro” disse: “Vamos chamar de benefício a esmola” e propagar o novo normal. A humanidade não aprende mesmo, os políticos nunca perdem seus empregos, os juízes também não, os diplomatas também não. Você perdeu? Já está começando a pagar a conta, sem perspectiva de recuperação. A crença na mentira faz um bem danado: o sempre normal.

A língua é o pior instrumento de guerra, que existe. Pior que faca amolada. Sinto destruir o seu sonho, desesperado e impaciente leitor. Cabral não descobriu o Brasil. Quem primeiro viu a natureza inebriante de Pindorama foi um anônimo no ponto mais alto da caravela. A descarada Carta de Caminha ao rei descrevia as belezas da terra, autoelogiava-se, para se desculpar do fracasso da expedição: não havia ouro à primeira vista, o que não quer dizer que não houvesse. Os padres poderiam engrupir os índios e encontrar. O escriba terminava pedindo emprego para um parente. Inaugurou o novo normal.


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