Só metade das crianças e jovens do Brasil tem as suas vacinas em dia

  • Bernardo Teixeira
  • Publicado em 11 de setembro de 2020 às 18:31
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 21:13
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Em 2019, pela primeira vez em 20 anos, nenhuma vacina do calendário atingiu a meta entre crianças e bebês

Com a volta às aulas em curso ou programada em todo o Brasil após o baque da pandemia, uma nova questão de saúde preocupa: até agora, apenas metade das crianças tomou as vacinas necessárias para sua faixa etária.

Dados do Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações, do Ministério da Saúde, indicam que, até 8 de setembro, 52% dos bebês, crianças e adolescentes estavam em dia com suas cadernetas de vacinação. 

Para o pediatra Marco Aurélio Safadi, chefe da equipe de Infectologia do Hospital Infantil Sabará, em SP, o número é “dramático”.

“É muito preocupante. Na população pediátrica, as doenças imunopreveníveis na maior parte das vezes são mais graves que a Covid-19”, afirma Safadi. 

“Quando se fragiliza a cobertura, não se colocam só as crianças em risco, mas a população toda, porque abre espaço para que essas doenças retornem. Há muito tempo a gente não tinha sarampo, que voltou a circular fortemente. Com o retorno das aulas e a flexibilização das atividades, a vacinação é essencial”.

Em 2019, pela primeira vez em 20 anos, nenhuma vacina do calendário atingiu a meta entre crianças e bebês. A queda na adesão já vem sendo registrada há cerca de cinco anos. 

O ministério disse que os números de 2019 são preliminares, uma vez que estados e municípios têm até o final de setembro para divulgar os dados do ano passado. Já as informações de 2020 só serão fechadas em 2021.

Em nota, a pasta afirma que “o Brasil possui o maior programa público de imunização do mundo” e que são distribuídas aos estados, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), mais de 300 milhões de doses de imunobiológicos por ano. 

“Apesar disso”, informa, “nos últimos anos observa-se que as coberturas vêm apresentando redução. Alguns fatores fazem parte desse processo, como a falsa sensação de segurança causada pela diminuição ou ausência de doenças imunopreveníveis; (…) e as falsas notícias veiculadas especialmente nas redes sociais sobre o malefício que as vacinas podem provocar à saúde”.

Sem noção do risco

Renato Kfouri, presidente do Departamento Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), diz que a tendência de queda vem desde 2016 e que o fenômeno é muito discutido.

” Há uma lista de prováveis causas e, a meu ver, a mais importante delas é a percepção de risco, que a vacina fez com que a população perdesse. As vacinas tiveram tanto sucesso que as doenças desapareceram, e a nova geração de pais não as conhece”, afirma Kfouri. 

“Além disso, incorporamos muitas vacinas no calendário. São muitas injeções, muitas visitas aos postos, que funcionam das 9h às 16h numa realidade em que pais e mães trabalham. Há também a questão do desabastecimento, porque não há tanta oferta para a demanda mundial”.

Outro aspecto que pode estar alterando os dados é que o registro está deixando de ser feito por doses dadas para se tornar nominal, um avanço na opinião dos especialistas, mas que pode criar imprecisão dos dados.

De acordo com o ministério, há ações planejadas para o segundo semestre, como as Campanhas Nacionais de Vacinação contra a Poliomielite e Multivacinação para a atualização da situação vacinal de menores de 15 anos.

Nesta semana, começou a Operação Gota para a região Norte — que visa atualização da caderneta para comunidades ribeirinhas e rurais e para a população indígena.

Para Safadi, a escola poderia ser uma grande aliada na tentativa de alcançar os índices necessários de vacinação. Pela lei, as escolas exigem a carteira de vacinação na hora do ingresso escolar. Agora, a mesma exigência poderia valer para o retorno às aulas. “Seria uma estratégia interessante, que serviria de alerta”.

Já a vacinação escolar é uma estratégia que deu resultado em diversos países como Reino Unido, Chile e Austrália, e pode ajudar em campanhas específicas. De acordo com Safadi, quando foi adotada para o HPV, os índices ultrapassaram 90% de cobertura, mas caíram para menos de 60% quando foi suspensa.

O sarampo é um bom exemplo da gravidade de uma cobertura incompleta. Até 21 de agosto o Brasil diagnosticou 7.718 casos de sarampo, segundo o último boletim epidemiológico sobre a doença.

“São 7 mil casos de sarampo mesmo com a pandemia, isso porque teoricamente boa parte das pessoas não saiu de casa. É importante alertar sobre a falsa percepção de que em casa as crianças estariam totalmente protegidas das doenças das quais as vacinas protegem. Estar em casa diminui os riscos, mas não é impossível ficar doente”, afirma Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

Segundo o Ministério da Saúde, o país registrou 10.330 casos de sarampo em 2018, com 12 mortes. Já em 2019, foram 18.203 infecções confirmadas, que culminaram em 15 óbitos. 

No entanto, a cobertura vacinal da tríplice viral — que além do sarampo protege contra caxumba e rubéola — dos anos anteriores foi de 91% em 2017 e de 92% em 2018. O mínimo para garantir a proteção da população é 95%.


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