Sem regra rígida para consignados, bancos mantém assédio a idosos

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 17 de fevereiro de 2019 às 12:30
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:23
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Crédito com desconto no benefício é ofertado antes mesmo de resposta a pedido de aposentadoria

Enquanto não entram
em vigor regras mais rígidas para a oferta de crédito consignado para
aposentados e pensionistas, o assédio de bancos e financeiras a idosos continua
a ocorrer, com oferta do empréstimo.

O crédito consignado é um empréstimo em que as prestações são
descontadas diretamente do salário ou do benefício de quem faz a contratação.

No final de 2018, uma instrução normativa (nº 100) do Instituto
Nacional do Seguro Nacional (INSS) determinou que os bancos só podem procurar
aposentados e pensionistas para ofertar crédito consignado depois de seis meses
(180 dias) da concessão do benefício.

Caso os aposentados
queiram o empréstimo antes desse prazo, poderá pedir o desbloqueio, mas somente
a partir de 90 dias da data da concessão do benefício.

De acordo com a instrução normativa, o prazo para essas regras
entrarem em vigor é de 90 dias, contados a partir de 28 de dezembro de 2018.

Segundo o INSS, o aposentado, pensionista ou representante legal
que quiser contratar essa modalidade de crédito deverá solicitar à instituição
financeira escolhida o desbloqueio do benefício através de uma pré-autorização
— instrumento indispensável para que as informações pessoais do segurado fiquem
acessíveis e o contrato seja formalizado. “O procedimento para tal desbloqueio
será feito pela internet e deverá conter documento de identificação do segurado
e um termo de autorização digitalizado. Somente após estes passos, que visam
garantir a segurança da transação, o banco ou financeira poderá finalizar a
proposta e liberar o crédito”, diz o INSS.

O INSS acrescenta que a instituição financeira está sujeita a
suspensão e até a cancelamento do convênio para fazer empréstimos consignados
caso não cumpra as regras.

Oferta por telefone

Entretanto, casos como o do recentemente aposentado Luiz Gonzaga
Alves de Sales, de 65 anos, continuam a acontecer.

Antes mesmo de obter
a resposta de que o pedido de aposentadoria tinha sido aceito pelo INSS, ele já
começou a receber ligações de bancos e financeiras com oferta de crédito
consignado. “A partir do momento em que dei entrada no processo de
aposentadoria, já comecei a receber ligações de vários bancos. Em uma das
ligações, quem me ligou disse que se eu não fizesse o empréstimo naquele
momento que tinha crédito pré-aprovado, eu não conseguiria mais fazer no
futuro, caso precisasse. Pensei em fazer o empréstimo e deixar o dinheiro
guardado, já que não estava precisando. Mas quando disse que ia ligar para o
meu filho para me informar melhor, ele desconversou e desligou”, contou Sales.

A presidente do
Instituto de Defesa Coletiva (IDC), advogada Lillian Salgado, afirmou que já
recebeu várias queixas de aposentados, em que a pessoa ainda não tem a carta de
deferimento da aposentadoria, mas já é assediada com oferta de crédito
consignado. “Já recebemos várias denúncias como essa. Há vazamento de dados do
INSS. Estamos investigando isso com a Defensoria Pública de Minas Gerais”,
disse, lembrando que há uma lei de proteção de dados dos consumidores.

Em nota, o INSS ressaltou que “os servidores do órgão não são
autorizados a fornecer informações sobre os segurados a instituições
financeiras”. A nota diz também que “todos os dados e informações de segurados
e beneficiários da autarquia são de caráter sigiloso e que o INSS adota,
permanentemente, políticas no sentido de garantir a segurança das informações
constantes nos bancos de dados”.

Ações na Justiça

No país, há várias ações na Justiça contra o assédio na oferta
de crédito consignado a idosos. Em 2016, por exemplo, o Ministério Público
Federal em São Paulo ajuizou uma ação civil pública contra o INSS e uma
financeira, acusada de usar dados pessoais de beneficiários da Previdência para
a oferta de crédito consignado. Segundo o Ministério Público, a empresa obteve
as informações sigilosas e enviou correspondências a aposentados e pensionistas
com propostas para a concessão de empréstimos. O processo ainda corre na
Justiça.

Além dos empréstimos, os bancos também oferecem o cartão de
crédito consignado (com desconto direto na folha de pagamento). É o caso da
aposentada Rosana Miranda, de 61 anos. Ela conta que recebeu uma ligação com
oferta de cartão de crédito consignado pelo banco BMG e gostou da taxa de juros
mais baixa. O problema é que, além do cartão, foi creditado um valor em sua
conta corrente, sem que ela tenha permitido. “Na hora que mandaram o contrato,
tinha minha assinatura falsificada. As ligações que recebi eram todas de São
Paulo e contrato veio como se eu tivesse feito aqui em Uberlândia, na loja
deles, que não sei nem onde fica”, disse. Ela contou ainda que entrou em
contato com o banco e foi orientada a devolver o dinheiro e pagar o valor gasto
no cartão, mas houve cobrança de juros sobre o valor devolvido e, por isso, ela
precisou entrar na Justiça.

Segundo o INSS, o contrato do crédito consignado deve que ser
obrigatoriamente assinado pelo próprio segurado, no banco ou financeira.

Ação

Segundo a advogada Lillian Salgado, o IDC entrou, em 2006, com
uma ação contra o banco BMG, pioneiro na oferta do cartão de crédito
consignado. Em 2008, o banco foi proibido de fazer comercialização do cartão
por telefone para qualquer cliente, com multa limitada a R$ 1 milhão. “O banco
achou mais lucrativo continuar a ofertar o cartão. Recebemos mais de mil
denúncias de que o banco continuava fazendo essa contração pelo telefone. Em 10
anos, o banco lucrou quase 100 milhões (com o cartão de crédito consignado)”,
disse.

Neste mês, a Justiça aumentou a multa para até R$ 100 milhões
para o banco e proibiu a oferta do cartão por telefone somente para
aposentados. “Além disso, a Justiça aceitou nosso pedido de que a Polícia
Federal investigue o crime de desobediência já que o banco descumpriu a decisão
por 10 anos”, disse Lillian Salgado.

A advogada diz ainda
que houve má-fé da instituição financeira ao mudar o nome do produto de Cartão
BMG Master para Cartão BMG Card, após a primeira sentença. Ela defendeu também
no processo que o banco seja obrigado a fazer uma campanha de advertência ao
consumido idoso sobre o risco de endividamento. No próximo dia 28, haverá uma
audiência de conciliação desse caso.

Em nota, o Banco BMG disse que “obteve posicionamento favorável perante o Eg. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao recorrer da decisão proferida pelo MM Juiz da 29ª Vara Cível de Belo Horizonte. Isto significa que o BMG permanece legalmente habilitado a comercializar normalmente seu cartão de crédito consignado. O BMG renova seu firme compromisso de total obediência às normas aplicáveis às suas operações.”


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