Relembrando…

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 21:11
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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(Brilhante texto de Marcela Braganholo)

Adversativas.

Tenho pensado muito nas pessoas que adoram colocar um “mas” na vida. Ou melhor, não que eu esteja pensando nas pessoas, mas sim no que as fazem construir tantas orações coordenadas adversativas. E não me venham dizer que é por causa das adversidades da vida. Para mim, só existem adversidades porque existem orações que as exprimem (!).

Ok, forcei a barra. Mas não é no mínimo instigante pensar no que faz tanta gente não tirar o “porém” da boca? Não podem ver uma bela oração assindética, que já vão logo colocando uma vírgula e, em seguida, lançam, com tudo, o “contudo”. Às vezes, nem a vírgula aparece. Grave erro. São pessoas um tanto irritadas com a independência sintática de uma assindética.

Ganhei na mega sena, mas não fui o único. Estou de férias, mas está chovendo todos os dias. O Brasil está progredindo, mas não chegará nunca aos pés do mundo. Haja humor.

E quando não constroem adversativas, tratam logo de apelar para a subordinação. As concessivas, claro… Elas são a mais pura concretização linguística de tudo aquilo que foge à regra. Camuflam o peso da adversativa, mas não deixam de mostrar a insatisfação com a beleza da oração absoluta. A vida é bela, embora não seja para mim – é assim que dizem os casmurros não assumidos. A vida é bela, mas não para mim – é assim que dizem os casmurros. Parece, mas não é a mesma coisa – sutilezas da língua.

Não se trata apenas de uma diferença de composição da vida: uma vida subordinada, e outra coordenada. Trata-se, mais uma vez, da ênfase que damos a cada uma das orações. Para os coordenados, o “mas” vale mais. Para os subordinados, há um vestígio de insatisfação que se revela na concessão do “embora”.

É por isso que admiro o período simples. Nada como a síntese de um verbo intransitivo e um ponto final. Fui. Cheguei. Saí. Dormi. Acabou. Nada de mas, nada de porém, nada de apesar de. A vida é assim e pronto. Seria muito mais fácil enxergar a poesia da vida se não estivéssemos viciados no período composto. As adversidades da vida não teriam espaço para existir. Não seriam verbalizadas. Não seriam projetadas. A vida não seria coordenada por um “mas”, nem subordinada a um “mesmo que”. E toda via seria completa e simples. Como um singelo verbo intransitivo seguido de um ponto final.

O que fazem as pessoas gostarem tanto de um “mas”? Não acho que seja a complexidade da vida. Talvez seja somente uma questão de ponto… De vista.


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