Recusa de fazer teste do bafômetro não é suficiente para policial multar

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 26 de julho de 2018 às 18:33
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:53
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Leia artigo em que é analisada a questão da punição por não se submeter a exame

Não é novidade que a Lei 13.281/16 trouxe uma série de modificações no Código de Trânsito Brasileiro. Com as mudanças surgiram os questionamentos, as dúvidas e as discussões em torno de determinados pontos considerados polêmicos. Dentre eles, talvez o que desperta acirrada controvérsia é o art. 165-A, que estipula punições severas para a recusa ao bafômetro. cujo teor é o seguinte:

Art. 165-A – Recusar-se a ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa, na forma estabelecida pelo art. 277: Infração – gravíssima; Penalidade – multa (dez vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida administrativa – recolhimento do documento de habilitação e retenção do veículo, observado o disposto no § 4º do art. 270. Parágrafo único. Aplica-se em dobro a multa prevista no caput em caso de reincidência no período de até 12 (doze) meses

Em outra oportunidade fizemos análise em relação à constitucionalidade do dispositivo e nos manifestamos, com base na Doutrina, bem como nos fundamentos das decisões judiciais, a favor de sua inconstitucionalidade, por ferir direitos fundamentais do indivíduo. Importante salientar que o objetivo do artigo anterior e deste não é defender a possibilidade de o condutor dirigir embriagado, mas possibilitar a correta defesa e análise do caso concreto, com o fito de evitar injustiças.

À época em que comentamos sobre o tema inexistiam decisões judiciais no sentido de ratificar ou não os argumentos ali levantados.

Passados quase dois anos, começa a se formar entendimento judicial em alguns estados-membros no sentido de considerar a simples recusa ao bafômetro como fator insuficiente para a aplicação da multa e demais cominações previstas no CTB

Jurisprudência recente sobre recusa ao bafômetro

Conceito Jurisprudência

Se você não esta acostumado com termos técnico-jurídicos, saiba que jurisprudência é um conjunto de decisões no mesmo sentido. Assim, no caso concreto que vamos apresentar, várias decisões foram tomadas admitindo que a simples recusa ao bafômetro não constitui motivo suficiente para aplicar as penalidades previstas no art. 165-A do CTB.

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No Rio Grande do Sul, há farta jurisprudência admitindo a nulidade do auto de infração de trânsito por recusa ao teste do etilômetro. A fim de ilustrar, colacionamos exemplo abaixo:

RECURSO INOMINADO. DETRAN/RS. AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. RECUSA DO CONDUTOR EM SUBMETER-SE AO TESTE DO ETILÔMETRO. ARTIGO 165-A do CTB. AFASTAMENTO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA, POR FUNDAMENTOS DIVERSOS (Processo nº 71007691801 (Nº CNJ: 0027419-72.2018.8.21.9000).

No caso concreto, o condutor ingressou com ação judicial no sentido de anular o Auto de Infração por entender que a recusa ao bafômetro, por si, não é capaz de gerar a presunção de embriaguez, devendo o agente da autoridade de trânsito utilizar outros elementos para a constatação da infração, nos termos do art. 277§ 3º do CTB.

Art. 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência. § 3º Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165-A deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo.

Ademais, arguiu que a inexistência de outros elementos configura atentado ao princípio constitucional de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si.

A decisão foi no sentido de que “de acordo com a redação do artigo 165-A, e a lógica que dele se depreende, somente é possível submeter o condutor de veículo aos testes acima descritos caso ele apresente sinais externos de influência de álcool, os quais deverão ser devidamente certificados por meio do Termo próprio, com descrição de todas as características que levam à conclusão e na presença de testemunha idônea, ou por outro procedimento (art. 277, caput, do CTB)”.

Ainda segundo o julgado, uma vez verificados sinais externos de embriaguez e recusando-se o condutor a realizar o teste, deveria ser proposto exame clínico, por médico, no instituto médico legal, não havendo nos autos provas neste sentido.

Há ainda menção de que autuar sem fosse constatado real ameaça à segurança no trânsito configura arbitrariedade e viola os princípios constitucionais da liberdade (direito de ir e vir), da presunção de inocência e da não auto incriminação, previstos no art. XVLVII e LXIII, da Carta Magna(Constituição Federal).

Argumento interessante levantado pelo julgador-relator se refere à violação do princípio da individualização da pena, uma vez que há a mesma cominação para condutas de incomparável reprovabilidade social (aqui, demonstra que a comprovação de embriaguez – art. 165 do CTB e simples recusa ao bafômetro sem outros elementos comprobatórios – art. 165-A do CTB – possuem idênticas punições).

Assim, começa a se formar uma corrente pela inaplicabilidade, por inconstitucionalidade, do artigo mencionado. Evidente que as discussões estão longe do fim, mas o importante é debatermos o tema com foco na solução que atenda ao anseio social.

# Publicado originalmente no Blog Abrahão Nascimento:


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