Novo coronavírus também causa morte por insuficiência cardíaca

  • Rosana Ribeiro
  • Publicado em 15 de julho de 2020 às 01:18
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:58
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Em alguns casos, os pesquisadores identificaram a presença do vírus no músculo cardíaco – o miocárdio

As autópsias realizadas nos últimos quatro meses em cerca de 70 pacientes diagnosticados com covid-19 falecidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM – USP) revelaram que alguns deles morreram, principalmente, em razão de alterações cardiovasculares causadas pelo novo coronavírus e não da insuficiência pulmonar.

Os pesquisadores dedicam-se agora a tentar desvendar qual o mecanismo de ação do SARS-CoV-2 que provoca, além de lesões epiteliais em praticamente todos os órgãos, alterações na micro e macrocirculação.

“Já sabemos como o vírus se distribui por órgãos como o cérebro e os rins, além das glândulas salivares e gônadas, por exemplo, e que ele chega ao sistema nervoso central por meio do nervo olfatório”. 

“Queremos saber, agora, como o vírus causa trombos na micro e macrocirculação de forma muito mais exuberante que a do vírus da influenza, por exemplo”, disse Paulo Saldiva, um dos coordenadores do projeto, em um debate on-line.

O evento é uma versão on-line e reduzida da 72ª Reunião Anual da entidade, programada para o período entre 12 e 18 de julho, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal, mas cancelada em razão da pandemia de covid-19.

De acordo com Saldiva, entre os pacientes diagnosticados com covid-19 e autopsiados que morreram em decorrência de alterações cardiovasculares causadas pelo novo coronavírus havia adultos e também crianças, com idade de 8 e 11 anos.

“Eles tinham pulmões razoavelmente preservados, mas desenvolveram uma insuficiência cardíaca muito intensa que levou ao óbito”, diz.

Em alguns casos, os pesquisadores identificaram a presença do vírus no músculo cardíaco – o miocárdio. Em outros, observaram trombose na microcirculação tanto pulmonar como cardíaca.

“Queremos entender as causas dessa situação para poder ajudar e intervir mais rapidamente no tratamento desses pacientes. Esse é um dos propósitos do projeto”, afirma Saldiva.

Mortalidade

Os pesquisadores fazem a anamnese dos pacientes que morreram em decorrência da covid-19 no HC-USP no mesmo momento em que pedem a autorização da família para realização da autópsia.

As respostas dos familiares indicaram que quase todos os pacientes e seus familiares tinham pleno conhecimento do risco da doença, mas não tiveram condições para se manter em isolamento social, conta Saldiva.

“Os familiares disseram que não puderam cumprir o isolamento por morarem em casas com grande número de pessoas, às vezes, em um único ambiente.”

Os dados sobre a origem desses pacientes também reforçam a constatação de que o risco de morte por COVID-19 no país é muito maior em regiões com piores indicadores socioeconômicos.

“O risco de adoecer por covid-19 no Brasil não é tão caracteristicamente segregado nas regiões de menor nível socioeconômico, mas a mortalidade sim, e há dois fatores responsáveis por isso: habitação e, principalmente, utilização de transporte coletivo, para o deslocamento para trabalhar”, afirma Saldiva.

O pesquisador destacou que o adensamento urbano e a migração são os principais indutores de mutação de vírus respiratórios que a partir do século 20 passaram a ser os principais causadores de pandemias.

Enquanto no século 20 ocorreram duas pandemias por vírus respiratórios – a gripe espanhola entre 1918 e 1920 e a gripe asiática entre 1957 e 1958 –, no século 21 têm sido registradas duas pandemias por década. 

“Entre 2002 e 2004 ocorreu a SARS e, em 2009, a de pandemia de H1N1. Já em 2012 aconteceu a de MERS e, entre o final de 2019 e início de 2020, a de SARS-CoV-2”, comparou Saldiva.

“Ter vacina para combater essas doenças é desejável, mas insuficiente. Será preciso ter sistemas efetivos de testagem e identificação de vírus em todos os países”, avalia.

Além disso, será preciso aumentar a cooperação internacional, o financiamento e a realização de estudos na área da saúde não só por pesquisadores das Ciências da Vida, mas também de Humanidades, apontou Saldiva.

“Não se controla epidemias sem saber Antropologia, História e Urbanismo”, afirmou.


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