Na sua última grande entrevista Clovis Ludovice fala da vida de realizações

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de outubro de 2019 às 16:37
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:53
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Com o exemplo vindo de seus pais, Clovis Ludovice construiu um dos maiores grupos educacional do Brasil

Nos últimos anos o empresário Clovis Eduardo Ludovice foi ficando cada vez mais reservado em relação à divulgação de suas atividades.

Se dedicava à esposa Maria Teresa Segantin Ludovice, aos quatro filhos e oito netos.

Gostava muito de dedicar horas às suas plantas, à leitura de livros raros, a apreciar as belas obras de arte que tinha em sua casa, principalmente uma coleção pintada por Bonaventura Cariolato.

Ainda assim, em novembro de 2017 concedeu sua última grande entrevista, publicada pela revista Enfoque, contando desde o início a sua participação na vida educacional francana.

A entrevista permite entrever o trabalho de sua vida: o fortalecimento da educação.

Leia a seguir:

P – Como se deu sua entrada na área da educação?

Clovis Ludovice – Além dos cursos superiores e de pós-graduação, tendendo às áreas jurídica e administrativa, iniciei como professor de cursinhos preparatórios para vestibulares, no cenário de Humanas.

P – Quando foi isso?

R – Meados da década de 1960

P – Qual a primeira iniciativa na área da educação?

R – Iniciei como docente, quando tive a rica experiência de conhecer o processo de ensino-aprendizagem, o que muito me valeria para as futuras atuações no campo da educação.

P – Quando viu que Franca e região precisavam de mais cursos?

R – Quando comecei a constatar que o potencial desta cidade estava travado com o status de “capital do calçado”, “uma das maiores bacias leiteiras do Brasil”, “polo diamantário”… Ficava nisso, ao par do basquetebol. Era muito pouco para uma cidade que havia gerado grandes e ilustres nomes nas artes plásticas e cênicas, na literatura, na intelectualidade de modo geral. Franca precisava de impulso tecnológico e acadêmico que desse não apenas sustentabilidade ao que já tinha, mas também a garantia de crescimento em outros setores. Estávamos muito distantes de Ribeirão Preto no cenário acadêmico. Hoje já não é mais assim.

P – Quando surgiu a Unifran?

R – Em 26 de janeiro de 1970, foi fundada a Associação Cultural e Educacional de Franca – ACEF S/A. Cinco anos após, a ACEF incorporou a Faculdade Pestalozzi de Ciências, Educação e Tecnologia de Franca e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, então pertencente ao Instituto Francano de Ensino, com vários cursos de nível superior. Representou um avanço no quadro de ensino de 3º grau, principalmente pelos seus cursos de formação tecnológica. Assim, em 1975 foi criada a sigla Unifran – União das Faculdades Francanas.

P – Do que surgiu a Unifran?

R – Do objetivo que tínhamos em comum de formar, especializar e aperfeiçoar recursos humanos para o magistério e constituir-se em epicentro regional de educação.

P – Quais as maiores dificuldades no início?

R – Além das adaptações e reformas, adequações da infra-estrutura física, evidentemente ocorriam desafios na implantação de novos cursos. Demandava equipe especializada para estudos da real demanda da cidade e região, estruturação de grade curricular e contratação de professores. Não chamo, hoje, de dificuldades, mas de desafios. E fica aqui uma mensagem: não nos desviamos de qualquer um deles, vencemos quase todos e hoje nos orgulhamos de haver plantado sementes que arraigarão e tornaram o que a Unifran foi antes da aquisição pela Cruzeiro do Sul e todo o seu legado.

P – Com quantos alunos a Unifran começou?

R – Por volta de 2.800 alunos, de Franca e oriundos da região.

P – Como foi feita a escolha dos cursos implantados?

R – Não foi um processo aleatório, tampouco fácil. Tínhamos uma equipe treinada e especializada em consultar diversos segmentos da sociedade e, notadamente, alunos concluintes do ensino médio. Assim, obtínhamos informações de demanda não apenas pela sociedade, industriais mas pelo interessado maior: o aluno. Isto nos levou a ser uma instituição que oferece um amplo leque de cursos nas várias áreas do conhecimento humano.

P – Como foi conseguir a aprovação dos cursos?

R – Primeiramente, elaborávamos um projeto que incluía comprovação das necessidades locais, objetivos, grade curricular, quadro docente qualificado e comprometido com o curso novo, etc. Depois, enviávamos ao Conselho Federal de Educação, em Brasília. Éramos visitados por uma comissão especial do CFE para verificar, in loco, condições infra-estruturais físicas, biblioteca, entrevista com o corpo docente, estudo da grade curricular. Estando tudo de conformidade com a legislação educacional vigente, aprovavam o projeto. Abríamos as vagas e começam as aulas. O novo curso era revisitado pelos especialistas do CFE para verificação do cumprimento do projeto. E o trâmite continuava. Nada que fosse muito difícil, mas extremamente laborioso.

P – Teve dificuldade com o governo militar?

R – Nenhuma.

P – Teve apoio do governo para dinamizar a educação?

R – Sempre que possível, solicitávamos a visita de especialistas para constatar a real necessidade de nossas demandas. Diria, sem medo de errar, que o governo e as instâncias superiores da educação sempre nos serviram no sentido de otimizar a educação de nível superior, os cursos de pós-graduação, a pesquisa e os serviços de extensão prestados à comunidade.

P – Como foi encontrar professores para tantos cursos?

R – O processo era ao contrário. Éramos procurados por professores interessados em ingressar em nosso corpo docente. Formamos, então um vasto banco de dados. Quando necessitávamos de um docente com alta titulação, experiência e disponibilidade, íamos a campo convidá-lo para se juntar à equipe. Muitos vieram de São Paulo, São Carlos, Campinas, Ribeirão Preto.

P – Como foi especializar os professores?

R – Os professores já vinham especialistas, com pós-graduação lato sensu. Criamos vários cursos de Especialização nos quais ingressavam alguns docentes sem esta titulação. Logo em seguida, vieram os índices mínimos de professores com titulação de mestre e doutor. Já éramos universidade. A demanda por ingressar em nosso corpo docente já era notável. Demos prioridade aos mestres e doutores e estimulamos os especialistas a ingressarem em cursos stricto sensu. Instalamos o mestrado na Unifran, na área de Educação, o que ampliou o número de professores titulados. Ganharam os professores. Ganharam os alunos em qualidade de ensino. A Unifran deu um largo passo em direção a um novo status de excelência.

P – Tem ideia de quantos alunos passaram pela Unifran?

R – Pelos meus cálculos, salvo melhores vistas, aproximadamente 70 mil alunos, desde sua fundação. Ainda faço outro cálculo: para cada aluno matriculado em nossos cursos, havia em torno de quatro familiares envolvidos – pais, mães, irmãos. Assim, quase 300 mil pessoas já tiveram relação direta ou indireta com a Unifran.

P – Quais os projetos paralelos?

R – Primeiramente, a casa de Cultura “Bonaventura Cariolato”, com seu acervo dequadros a óleo sobre tela talvez a mais representativa da região, fazendo paralelo às obras de Portinari. Era aberto à visitação pública. Aí instalamos a Academia Francana de Letras, com os expoentes de nossa literatura, dando-lhes o respaldo físico e monetário necessário para sua sustentabilidade, que funciona até hoje no mesmo local. Criamos a Rádio FM, de alcance regional, que servia também de piloto para nossos alunos de Comunicação. Próximo ao campus, criamos e instalamos a escola Descobrindo o Mundo, destinada a crianças com necessidades de atenção especial.

P – Como foi integrar os cursos da Unifran na comunidade?

R – Conforme já disse, os cursos não eram escolhidos e implantados aleatoriamente. Havia uma criteriosa pesquisa de demanda. De tal forma, que quando um curso era implantado, ele vinha ao encontro dos anseios da comunidade. Passo a passo este processo foi-se dando. Hoje temos cursos de graduação e pós em todos os segmentos do conhecimento humano, nas áreas da saúde, humanas, biológicas e da terra.

P – Quais cursos mais prestam serviços para a população?

R – Eu entendo que qualquer curso de nível superior com qualidade, esteja em qualquer lugar que for, estará prestando serviço à sociedade, pelo fato de estar formando profissionais que atuarão na comunidade, em prol de seu crescimento, de seu desenvolvimento. Especificamente, na Unifran, os cursos da área de saúde apresentam notável número de atendidos na comunidade de Franca, região e sul de Minas Gerais, por seus laboratórios, clínicas de Odontologia, Farmácia e Biomedicina, Hospital Veterinário, o curso de Medicina e Enfermagem. E mais ainda, com os resultados de pesquisas que, há décadas, vêm sendo elaboradas e aplicadas.

P – De todos os seus projetos, qual lhe dá mais satisfação?

R – Não há um projeto específico que me traga satisfação maior em relação a outros. Neste ponto, posso afirmar que fui muito bem iluminado e assistido por equipes notáveis. É claro que a fundação da ACEF tem importância destacada. Mas não poderia deixar de lado o crescimento da Unifran. E, pois, o status de Universidade. Ainda, ter presenciado esta universidade genuinamente francana crescer a olhos vistos, com novos cursos de graduação, bacharelados, licenciaturas, área da saúde é algo que não se pode presenciar. Ter graduado tantos alunos e tê-los inserido no mercado de trabalho fez muita diferença para toda uma cidade e região, para inúmeras famílias. É um painel plural de sucessos que só me trouxeram satisfação. E olhe que nem falei da implantação pioneira da Medicina em Franca! Tendo tudo isto guardado no recanto mais aprazível de meu coração, satisfazem-me ainda os atuais projetos em ação de filantropia desinteressada e de auxílio às atividades artísticas da cidade.

P – O que foi feito para trazer os alunos da região para a Unifran?

R – No início, utilizávamo-nos de recursos básicos de divulgação como outdoors, pequenas inserções que se repetiam em programas radiofônicos locais, jornais impressos em cada município (quando os tinha), panfletos. Deu resultado, porque os cursos oferecidos pela nossa instituição iam ao encontro de uma notável parcela de jovens que trabalhavam durante o dia. Aos poucos, fomos sofisticando essas informações por meios mais adequados como call center, visitas a centros comunitários e outros. Daí surgiram as programações de bolsas integrais e parciais obtidas via provas. Em seguida, os estágios que começaram com programas de integração com as prefeituras dos municípios. Com satisfação, víamos a Unifran crescer a olhos vistos. Com a implantação dos cursos matutinos e vespertinos, a demanda mais que dobrou. As prefeituras da região tiveram grande importância e ação estratégica para essas divulgações. Tínhamos alunos de várias partes do país, sem contar que o raio de maior interesse em nossa região abrangia mais de 200 km.

P – Quantos municípios a Unifran atende?

R – Como já disse, preferencialmente os municípios localizados num raio de mais de 200 km. Mas os cursos da área da saúde, a partir da Medicina veterinária e agora a Medicina humana, permitiram estarmos recebendo alunos de todo o Brasil. A Unifran, sob nossa direção, atingiu status de excelência nacional e referência no ensino superior. Éramos referência até em Brasília, no MEC, o que se dava por meio das visitas de especialistas para revalidação de cursos de graduação. E não nos esqueçamos de que os cursos de pós-graduação ampliaram estas demandas em número bastante favorável.

P – Como a Unifran se preparou para as novidades, como se equipou?

R – A globalização, as novas tecnologias, novos paradigmas de didática para o ensino superior foram fatores decisivos para que a Unifran se informasse e se integrasse a essa nova era, seguindo as tendências da educação superior para o século XXI. As equipes de coordenadores foram se agrupando por áreas de conhecimento, passamos a contratar docentes com titulação stricto sensu (mestrado e doutorado), informatizamos todos os setores de atendimento ao aluno, desde a secretaria até a biblioteca. Informatizamos, também, todos os meios de comunicação interna. Recebíamos mensalmente equipes de especialistas de outras grandes instituições e ex-conselheiros federais de educação, além de consultores, para reciclagens na ciência da educação de nível superior, bemcomo no cenário de sua administração. Participávamos de simpósios sobre o ensino superior que se realizavam no Brasil e no exterior. Passamos a realizar reuniões semanais com os diretores de curso. Estávamos antenados o tempo todo, voltados às modificações legais e estratégicas para a otimização de ensino de graduação, pós, pesquisa e extensão. Eram equipes de pessoas altamente comprometidas com a instituição e, acima de tudo, profundamente capazes de fazer a Unifran dar saltos notáveis em qualidade de ensino, de pesquisa e de serviços prestados à população.

P – Como foi a implantação do ensino a distância?

R – Quando em 1993, o Vice-Presidente dos Estados Unidos, Al Gore, anunciou a abertura de um “novo canteiro de obras”, as autoestradas da informação, não podíamos adivinhar que estávamos enfrentando uma revolução tecnológica que afetaria todos os setores de nossas sociedades. As universidades, em particular as dos países mais avançados, deram uma forte contribuição em matéria de pesquisa à emergência das novas tecnologias da informação. Desde a invenção do protocolo IP por Vinton Cerf, em 1974, 15 anos foram suficientes para criar os fundamentos de uma inteligência coletiva. No entanto, o esforço do setor universitário se deu sobretudo na pesquisa e no protótipo de novos instrumentos. Estávamos a um passo para o ensino a distância. Começamos timidamente, com cursos na área da educação e, aos poucos, gradualmente, a demanda se ofereceu de forma espontânea e crescente. Entram em campo novamente nossas valorosas equipes especializadas em tecnologia da informação. Hoje, já somos referência em ensino a distância, graças à implantação pioneira que se deu sob nossa direção.

P – Qual o futuro da educação superior como conhecemos?

R – Considerando os avanços da tecnologia, a internacionalização das relações econômicas e os métodos cada vez mais sofisticados que a maioria das empresas e das profissões utilizam em suas atividades, torna-se cada vez mais necessário que todo país seja capaz de acompanhar as evoluções, colocando sua mão-de-obra de níveis de formação e de qualificação desejáveis. Neste aspecto, o setor do ensino superior tem um importante papel a cumprir. Muitos indicadores trazem informações pertinentes sobre a maneira como o ensino superior contribui para satisfazer as necessidades da educação e formação. É o caso especialmente do número de estudantes matriculados em cada nível de estudos, do número de matriculados em cada disciplina; e do número de diplomados em cada curso. Essas estatísticas, analisadas em conjunto com outras informações relativas ao desenvolvimento dos recursos humanos, fornecem um quadro útil das competências que despontam em cada país. Assim, a educação superior haverá de cumprir papel precípuo na formação de capital humano que satisfaça as demandas nos vários segmentos da sociedade. Lembro-me agora de uma frase do notável escritor Euclides da Cunha: “Estamos condenados à civilização: ou progredimos ou desaparecemos.” Estamos atentos a isto.

P – Por que entrou no ensino básico (do pré até o ensino médio)?

R – Antes mesmo de obtermos o status de universidade, já exercíamos uma atividade de ensino fundamentado às metodologias que contemplassem as inovações tecnológicas e didáticas de que falei. Apesar disso, contemplávamos apenas uma série de ensino-aprendizagem das três que existem no país. Olhávamos com bons olhos o ensino moderno, atualizado, inovador de que se revestia a Escola Alto Padrão, antes situada no prédio do Ateneu Francano. E mais: queríamos oferecer um ensino de formação e educação que abrangesse o aluno desde o maternal até a pós-graduação. Aí, sim, o leque estaria completo e nossa função cumpriria metas, objetivos mais amplos; teríamos a oportunidade de oferecer um estudo holístico. Adquirimos o Alto Padrão em meados de 1980. Dali para cá, só obtivemos sucesso com nossos métodos, enquanto sob nossa direção. Eis o desafio maior que já conseguimos suplantar: receber a criança em fase maternal e devolvê-la à sociedade educada e qualificada para o mercado de trabalho, contando, para tanto, com a presença premente da família em nossas atividades de ensino básico.

P – Quando olha para o que foi feito, o que sente?

R – Uma profunda e sincera sensação de dever cumprido, sem máculas. E para completar esta alegria que envolve meu ser quando o assunto é a educação, tenho em minha esposa, Maria Teresa Segantim Ludovice, a continuação de meus préstimos ao ensino. Hoje, ela é proprietária e diretora da escola particular Toulouse Lautrec, das mais requisitadas em Franca e com 42 anos de atividades ininterruptas. Quando vejo as amizades que conquistei, os mais de 70 mil alunos graduados, uma das maiores estruturas físicas para ensino superior particular do país, a grade de cursos que ofertamos, o nosso pioneirismo na implantação da Medicina em Franca, os projetos culturais em que estive envolvido, tudo isto forma um painel que me completa. Posso hoje dizer com orgulho: fiz grande parte para o desenvolvimento desta cidade maravilhosa que é Franca.


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