Medicamento para HIV pode ser usado para tratamento de Alzheimer

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 28 de novembro de 2018 às 16:47
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:11
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A chave para enfrentar a doença pode estar em um remédio já existente, usado em pacientes com HIV

Um novo estudo,
publicado na revista Nature, traz uma esperança contra o Alzheimer. A chave para enfrentar a doença pode
estar em um remédio já existente, usado em pacientes com HIV. 

Os achados apontaram
que tanto o vírus HIV quanto o Alzheimer utilizam mecanismos semelhantes para
se manifestar no organismo. Isso poderia abrir uma possibilidade inédita para
desenvolvimento de uma nova estratégia de tratamento. Atualmente, não
existe cura para o Alzheimer, portanto, o tratamento consiste na prescrição de
remédios que apenas ajudam a amenizar os sintomas. 

No Brasil, existem
quatro medicações disponíveis tanto nas farmácias quanto na rede pública de
saúde: rivastigmina, donepezila, galantamina e memantina.

A pesquisa apontou outro dado interessante: idosos
infectados com HIV que utilizam anti-retrovirais
tendem a não desenvolver Alzheimer.  A explicação está no fato de que a
terapia inibe a enzima transcriptase
reversa – produzida pelo corpo humano –,
que também aparece no processo de desenvolvimento do Alzheimer. 

Assim, os pesquisadores
acreditam que, no caso de pacientes com a doença neurodegenerativa,
teoricamente o bloqueio da enzima poderia se tornar uma nova forma de impedir o
avanço da doença. Se comprovada a eficiência dos anti-retrovirais para o
Alzheimer, os pacientes poderiam contar com mais um remédio capaz de promover
melhor qualidade de vida.

Como o Alzheimer se manifesta?

Apesar de diversas pesquisas terem sido realizadas,
os cientistas ainda sabem pouco sobre o Alzheimer. Entre as informações
importantes reveladas é que existe um padrão no surgimento da doença: a
formação de placas amiloides no
cérebro – elas são consideradas as principais causadoras do bloqueio e
destruição dos neurônios. Quando isso acontece, surge o declínio cognitivo, caracterizado pela perda de
memória e dificuldade de raciocínio – características muito conhecidas do
Alzheimer.

A formação dessas placas está relacionada a proteína precursora de
amiloide (PPA), mas os cientistas ainda não sabem explicar qual
é o seu exato papel nesse processo. Apesar disso, a equipe
descobriu que mutações no gene PPA, responsável por codificar essa proteína,
pode aumentar o risco de início
precoce do Alzheimer. Os dados indicam que a condição pode ser desencadeada por
mais de 50 mutações diferentes; essas alterações no DNA são responsáveis por
aproximadamente 10% de todos os casos precoces da doença.

Em
2012, pesquisadores da Universidade da Islândia haviam descoberto que mutações
específicas no gene PPA também são capazes de reduzir em até 40% a
probabilidade da formação das placas amiloides. No entanto, ainda não é
possível especificar quais alterações aumentam ou diminuem os riscos. 

O que Alzheimer e HIV têm em comum?

De acordo com os pesquisadores, o gene PPA gera
novas variações genéticas dentro dos neurônios através de um processo conhecido
como recombinação genética; para que ele ocorra é
necessário utilizar a transcriptase
reversa, mesma enzima utilizada pelo vírus HIV para entrar nas células
humanas e infectar o indivíduo. Essa
atuação é um processo normal do cérebro, no entanto, quando algo dá errado na
recombinação genética, esse erro pode desencadear o Alzheimer.

Para chegar a esta conclusão, a equipe utilizou
amostras de células doentes e amostras cerebrais saudáveis.

A análise mostrou
que 100% das amostras com a doença neurodegenerativa tinham números altos de
diferentes variações genéticas de PPA em comparação com as saudáveis. “Se
imaginarmos o DNA como uma linguagem que cada célula usa para ‘falar’,
descobrimos que nos neurônios apenas uma palavra pode produzir milhares de
novas palavras antes não reconhecidas. Isso
é como um código secreto embutido em nossa linguagem normal que é decodificado
pela recombinação genética. Esse código está sendo usado em cérebros saudáveis,
mas também parece ser afetado pelo Alzheimer”, explicou Jerold Chun,
principal autor da pesquisa, ao Medical News
Today

Tratamento alternativo

Os pesquisadores acreditam que o bloqueio da enzima
transcriptase reversa pode ser uma forma de evitar que ocorra a recombinação
genética que pode causar o Alzheimer. Portanto, como as terapias anti-retrovirais,
utilizadas no tratamento do HIV, são capazes de inibir a enzima, esse seria um
sinal de que os medicamentos contra o vírus HIV podem apresentar bons resultados
no tratamento dessa doença degenerativa. Além disso, Chun acredita que o
estudo pode ser importante para populações de alto risco, como no caso de
pessoas com formas genéticas raras da condição.

Novo olhar sobre o Alzheimer

Além de sugerir uma nova forma de tratamento, a
pesquisa ainda ajuda a explicar porque muitos tratamentos que visavam impedir o
acúmulo da proteína beta-amiloide
– presente na placa amiloide – podem ter falhado. Para a equipe, a as mutações
produzidas pelo gene PPA podem estar produzindo diversas alterações nas toxinas
e proteínas relacionadas a doença e, portanto, uma abordagem que visa formas
únicas das enzimas envolvidas não consegue ser bem-sucedida.

Apesar de lançar luz sobre um problema que intriga
pesquisadores do mundo inteiro, Chun admite que há muito para ser descoberto. O
especialista ainda disse que pretende avaliar a recombinação genética em
diferentes partes do cérebro e descobrir qual é o envolvimento de outros gentes
recombinados tanto para o Alzheimer quanto para outras doenças
neurodegenerativas.

Com tanto para ser investigado, a disponibilização
do novo tratamento pode demorar para acontecer. A boa notícia é que os
pesquisadores estão empenhados em descobrir o máximo possível para melhorar a
vida dos pacientes com Alzheimer.

Alzheimer

O
Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que provoca a diminuição das funções
cognitivas uma vez que as células cerebrais degeneram e morrem, causando
declínio constante na função mental. Os principais sintomas da doença são:
dificuldade de memória (especialmente de acontecimentos recentes), discurso
vago durante as conversações, demora em atividades rotineiras, esquecimento de
pessoas e lugares conhecidos, deterioração de competências sociais e
imprevisibilidade emocional.

Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), essa doença é
responsável por 60% a 70% dos casos de demência – grupo de distúrbios
cerebrais que causam a perda de habilidades intelectuais e sociais.  Estima-se
que 47 milhões de pessoas sofram de demência no mundo, sendo
registrados 10 milhões de novos casos anualmente. No Brasil, o Alzheimer
está entre as dez maiores causas de morte e é um problema que afeta 1,2
milhão de pessoas.


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