Investigações com auxílio de DNA crescem 28% em todo o país em 2018

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 6 de janeiro de 2019 às 22:33
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:17
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Ministro da Justiça terá o desafio de colocar em prática a expansão pretendida em governos anteriores

Israel de Oliveira Pacheco, de 30
anos, passou cerca de dez anos preso sob a acusação de roubo e estupro em
Lajeado, no Rio Grande do Sul. Sustentou desde o primeiro dia a sua inocência,
que só foi reconhecida em julgamento da Primeira Turma do Supremo Tribunal
Federal (STF) no dia 18 de dezembro de 2018.

O que convenceu os ministros foi um
cruzamento feito por meio de um banco de perfis genéticos: o DNA encontrado em
uma mancha de sangue na casa da vítima deu positivo para outro suspeito do
caso, que já era investigado por outras duas acusações de estupro.

Casos como esse são cada vez mais
numerosos por causa do cruzamento de materiais genéticos armazenados em bancos
de DNA. Em um ano, o número de investigações policiais que utilizaram esses
bancos cresceu 28,2%, passando de 436, em 2017, para 559, no ano passado.
 


No discurso de transmissão de cargo na semana passada, o ministro da Justiça e
Segurança Pública, Sérgio Moro, defendeu o Banco Nacional de Perfis Genéticos
(BNPG) como uma das prioridades de sua gestão e disse que o instrumento, que
considera determinante para a resolução de crimes e um inibidor da reincidência
criminosa, “deixe de ser só uma miragem legal”. Moro terá o desafio
de colocar em prática a expansão já pretendida por ministros dos governos Dilma
Rousseff e Michel Temer.

A Rede Integrada de Bancos de Perfis
Genéticos foi criada em março de 2013 para manter, compartilhar e comparar DNAs
com o objetivo de ajudar autoridades policiais de todo o País. Os perfis
armazenados nos bancos são confrontados em busca de coincidências que permitam
relacionar suspeitos a locais de crime ou diferentes locais de crime entre si. 

Os bancos de DNA têm caráter sigiloso e o acesso a eles é restrito e
controlado.
Todos os DNAs coletados pelos laboratórios dos Estados brasileiros são enviados
ao BNPG. Em novembro de 2017, o banco contava com 10.769 perfis genéticos. No
mesmo mês de 2018, chegou a 18.080.

Este crescimento de 67,8%, superior ao
dos anos anteriores, deve-se em grande parte a um aumento superior a 100% no
número de perfis de seis laboratórios do país.

Em 2018, o Ministério da Segurança
Pública destinou R$ 22 milhões para o cadastramento de perfis genéticos de
condenados, a aquisição de equipamentos para cinco laboratórios que ainda não
estavam em pleno funcionamento, o cumprimento de auditorias externas, a
instalação de novos computadores com alta capacidade de
processamento(tecnicamente chamados de servidores), a realização da conferência
anual da rede e reuniões bimestrais do comitê gestor.

A expectativa é de que em 2019 sejam
direcionados ao menos R$ 20 milhões para os trabalhos. Para este ano, os
esforços do comitê responsável pela rede de bancos de DNAs serão concentrados
em três pilares: a modernização de laboratórios que ainda não estão prontos, a
busca por desaparecidos e a solução de crimes sexuais. O País tem hoje 150 mil
DNAs relativos a crimes sexuais nos laboratórios de perícia aguardando
processamento por falta de insumo e pessoal.

Ampliação

A meta para 2019 é coletar o perfil genético de 70
mil condenados em todo o Brasil, segundo Ronaldo Carneiro, coordenador do
comitê gestor e perito criminal do laboratório de genética forense do Instituto
Nacional de Criminalística da Polícia Federal. “A ideia é que cheguemos em
um ponto tal em que todos os condenados por crimes hediondos e grave violência
contra a pessoa tenham material genético coletado na entrada do presídio, o que
já é feito nos federais.”

O perfil genético foi a garantia de
liberdade para Israel Pacheco. “Espero que o caso sirva para que haja
avanço e fortalecimento da polícia científica em busca de provas técnicas. Ele
sempre negou a autoria do crime, mas acabou sendo condenado com base no
reconhecimento da vítima, em que não houve respeito aos devidos procedimentos.
É um alerta também para a necessidade de cautela nesses reconhecimentos”,
disse o defensor público do Rio Grande do Sul Rafael Raphaelli, que atuou no
caso. “Que bom que não temos pena de morte, né?”

Legalidade

Desde 2012, condenados por crimes
cometidos com grave violência ou hediondos podem ser submetidos à identificação
de perfil genético, cujas informações são armazenadas em banco de dados
sigiloso, de acordo com o que passou a prever a Lei 12.654.


A obrigatoriedade de cessão do DNA, que o ministro Sérgio Moro já anunciou que
pretende tentar expandir para todos os presos condenados por crimes dolosos
violentos, é polêmica e alvo de questionamento quanto à constitucionalidade em
recurso extraordinário que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O relator
é o ministro Gilmar Mendes e não há data para julgamento, que deverá ter
repercussão geral – ou seja, valer para todos os questionamentos similares.

Sustenta a Defensoria Pública de
Minas, autora do recurso, que a lei fere o princípio constitucional que
estabelece que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. “Esse
entendimento é consagrado na jurisprudência dos tribunais do País, e não é uma
criação da constituição brasileira”, disse o defensor público de MG Flávio
Lélles. No caso original, o órgão contesta o pedido do MP que queria submeter
um preso à verificação.


Além do aspecto legal, há outras preocupações. “A polícia atua fora de
controle, baseada no apelo popular, sem a devida atuação dos órgãos que
deveriam vigiá-la, e vamos equipá-la com o instrumento mais rigoroso que
existe? Plantar vestígios em cenas de crime é muito fácil”, disse o
professor de Criminologia da Universidade de São Paulo (USP) Maurício Stegemann
Dieter. “Estamos criando um banco de gente que vai fortalecer a
reincidência como fator número 1.”


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