Hormônio pode reverter perda de memória causada pelo Alzheimer

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 7 de janeiro de 2019 às 15:37
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:17
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Irisina, produzida pelos músculos durante exercício físico, teve efeito positivo contra a doença em cobaias

Cientistas da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiram estabelecer uma relação entre os
níveis de irisina — um hormônio produzido pelo corpo durante exercícios físicos
— e um possível tratamento para a perda de memória causada pelo Mal de Alzheimer.

O estudo, feito em parceria
com outras universidades e institutos, foi publicado nesta segunda-feira, 07 de
janeiro, na revista “Nature Medicine”.

Os testes foram feitos em camundongos com a doença — que
produziam o hormônio ao fazer exercícios ou recebiam doses dele. Os autores
explicam que três novidades foram descobertas:

– Existem baixos níveis de irisina no cérebro de pacientes afetados pelo
Alzheimer. Essa mesma deficiência foi vista nos camundongos que
foram usados como modelo no estudo.

– A reposição dos níveis de irisina no cérebro, inclusive
por meio de exercícios físicos, foi capaz de reverter a perda
de memória dos camundongos afetados pelo Alzheimer.

– A irisina é o que regula os efeitos positivos do
exercício físico na memória dos camundongos.

Algumas outras funções da irisina em vários órgãos do corpo já eram
conhecidas, como a de regular o metabolismo do tecido adiposo e até de
processos que acontecem nos ossos.

Para os autores Mychael Lourenço e Fernanda Felice, ambos da UFRJ, as
descobertas reforçam a importância dos exercícios físicos no combate à doença.
Além disso, lembram, o fato de a irisina ser produzida pelo próprio organismo
diminui as chances de efeitos colaterais, o que dá esperança para novos
tratamentos. “É diferente de uma droga desenvolvida em laboratório, por
exemplo, porque se sabe menos ainda sobre o que pode causar de efeito colateral.
Infelizmente não há um tratamento para Alzheimer que funcione, então a busca é
muito importante”, dizem os pesquisadores.

Para Felice, a novidade foi perceber os efeitos benéficos no cérebro
tanto da irisina que foi aplicada nos camundongos como daquela produzida com
exercícios físicos.

O
Alzheimer é uma doença neurodegenerativa causada pela morte progressiva de
células do cérebro, prejudicando funções como memória, atenção, orientação e
linguagem. A doença não tem cura.

Descoberta

Os cientistas levantaram a hipótese de que a irisina poderia ser
importante para a doença de Alzheimer há sete anos, quando o hormônio foi
descoberto por um pesquisador de Harvard.

Ficou constatado que ele melhorava os sintomas de diabetes tipo 2 em
camundongos. “Nós sabíamos que quem tem diabetes tipo 2 tem mais chances
de desenvolver Alzheimer, e isso ficou muito tempo sem muita explicação”,
esclarece Mychael Lourenço. “Estudos de vários laboratórios mostraram que,
ao que parece, os mecanismos que atuam no corpo para gerar a diabetes tipo 2
são muito parecidos com os que atuam no cérebro para causar Alzheimer”,
explica o pesquisador.

Daí surgiu, então, a possibilidade de que o hormônio pudesse ter algum
efeito protetor sobre o cérebro. “Felizmente, conseguimos achar essa
relação”, diz Lourenço.

Ao todo, o estudo foi feito por 25 cientistas de diversos países, com
participação das universidades de Columbia e do Kentucky, nos EUA, da Queen’s
University e da Universidade do Oeste de Ontário, no Canadá, e ainda da Fiocruz
e do Instituto D’Or, ambos no Rio.

Próximas etapas

Apesar de promissores, os resultados ainda precisam de mais estudos
antes que um tratamento para pacientes possa ser implementado. “É claro
que é preciso sempre ter em mente que nosso estudo foi feito em camundongos — e
nem sempre o que acontece em camundongos acontece da mesma forma em seres
humanos”, lembra Sergio Pereira.

Para ele, no entanto, a etapa clínica — em que os estudos são feitos com
seres humanos — pode ter dificuldades de ser feita no Brasil. “Não sei se
teríamos condições de fazer isso aqui. Se tivéssemos recursos financeiros e de
infraestrutura para isso, com certeza seria de todo interesse nosso. Caso
contrário, é possível — acho que é muito provável, na verdade — que isso seja
feito em outros países”, avalia. Mesmo assim, Pereira, calcuila que o
planejamento de testes em humanos não leve menos do que três ou quatro anos.

Hoje, cerca de um milhão de pessoas no Brasil sofrem com a doença,
segundo o Ministério da Saúde. No mundo, são 35 milhões afetadas.

Pereira acredita que a pesquisa representa o resultado do esforço da
equipe — que, mesmo com problemas de financiamento, diz, consegue produzir
ciência de qualidade. “A gente não fica a dever nada aos melhores
pesquisadores no mundo. O problema que nós temos aqui é a falta de apoio à
atividade de pesquisa. Os recursos que são oferecidos para financiar as
pesquisas nas nossas universidades são muito, muito, muito abaixo — ordens de
grandeza abaixo — do que os nossos colegas em países desenvolvidos recebem.
Além disso, demora meses para conseguir comprar um material que frequentemente
sai muitas vezes acima do valor que a gente pagaria lá fora”, afirma.

Os testes

Para testar a memória dos camundongos, os cientistas realizaram três
testes.

O primeiro era o de reconhecimento de objetos. Os camundongos eram
colocados em uma caixa onde eram expostos a dois objetos diferentes, que podiam
explorar livremente. Em seguida, os cientistas retiravam os camundongos e
trocavam um dos objetos. Depois, colocavam os camundongos de volta na caixa.

O esperado, explica Mychael Lourenço, era que eles explorassem o objeto
novo. Isso, de fato, acontecia com os camundongos normais. Aqueles que tinham sido
geneticamente modificados para ter Alzheimer, no entanto, passavam o mesmo
tempo explorando o objeto antigo e o novo, pois não conseguiam se lembrar que
já o conheciam.

Os cientistas, então, mediram a perda de memória dos camundongos de
acordo com o tempo que eles passavam explorando o objeto antigo. Quando os
animais receberam a irisina, eles recuperavam a capacidade de lembrar como os
camundongos normais.

No segundo teste, os animais eram colocados em um labirinto aquático.
Lá, tinham que achar uma plataforma onde conseguiriam ficar em pé e não
precisariam nadar, economizando energia. Essa plataforma ficava escondida e o
caminho até ela era feito com pistas visuais.

Os camundongos normais, sem Alzheimer, conseguiam lembrar do caminho. Já
os que tinham a doença demoravam mais tempo a achar a plataforma — ou nem
sequer a achavam. Quando tinham a irisina aplicada (ou a produziam com
exercícios), conseguiam achá-la normalmente.

O terceiro teste foi de condicionamento ao medo. Os camundongos foram
colocados dentro de uma caixa onde levavam pequenos choques por um tempo, para
depois serem retirados. Depois de 24 horas, eram novamente colocados na caixa.
Os que lembravam dos choques tendiam a ficar “congelados”, com medo. Já os que
tinham Alzheimer, não. Depois da irisina, esses também conseguiram reter a
memória.

De acordo com Lourenço, o efeito do hormônio não foi testado a longo
prazo, mas a eficácia se manteve enquanto os experimentos duraram. Ele acredita
que um futuro tratamento com a substância não será de uma dose única, mas que,
com uma reposição contínua, seria possível manter os níveis do hormônio.


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