​HOMÚNCULO

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 2 de junho de 2018 às 15:28
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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(O BOCA DO INFERNO – qualquer semelhança com seres reais, não é mera coincidência)

A arma de um homenzinho é a caneta, a desmemória proposital é o corretivo ortográfico. O fim da linha é a margem da página e não a desonra em praça pública. Não conhece honra. Nunca conheceu: “Os inimigos de hoje são os correligionários de amanhã”. A arma de um antropoide é a deshistória, a mentirada descaradamente desmentida. A mentira encarnada, o povo descarnado já a tem, por mais que proteste. A raia miúda rosna, mas não morde, segundo sua desfilosofia. Celebra a ignorância do povaréu: aquele populacho que vende a própria carne por um punhado de promessas infactíveis e, época de pleito. 

O povo, o povinho, o povaréu, o populacho, a ralé, a raia miúda, esse ser “estranhamente concreto”, ao qual se refere, como se dele estivesse acima. Insuspeito ser acima de tudo, inclusive do reles seu penteado. Não era povo, nunca foi, esteve sempre à margem daquela coisa fedorenta. Fingia estar sempre apiedado da fome de justiça social. Bradava com a fleuma de Antônio Conselheiro para a patuleia ensandecida que queria apeá-lo do “pudê”. Sabia que grãos de milho contentaria a fome de um dia, então ser esdrúxulo volta para casa esperando a próxima esmola.

Sentia-se um quiromante. Falava em nome desse ser concretamente abstrato, como um crente fala de Deus: aquela intimidade desmedida.

A mulher de curvas sólidas o chamava de benzinho; a filha, cara pálida, o chamava de paizinho; a mãe: uma para ele, outra para os outros, como a de um juiz de futebol, de pluft. O ser por quem falava, o elogiava com palavras não muito elogiosas: golpista! Filho da puta! Safado! E por aí vai.

Como Pluft, sempre se moveu sem ser notado, conhecia os caminhos e descaminhos do poder. O modo mais seguro de consegui-lo, era empurrar o cotonete ao limite do razoável no ouvido do correligionário e depois retirá-lo devagar até que o dito gemesse. Era o seu orgasmo. Sem a cera, outro saberia quem mandava, quem seria o corrompido e o corruptor. Masturbava-se depois. Nunca ninguém o notava, era onipresente, onipotente, onisciente; ora adentrava o ânus de um; ora abocanhava o pênis de outro; ora perpetrava seus desideaisno discurso de um; ora empurrava palavras nos ouvidos de outro.  

Ele, por baixo dos ralos cabelos brancos, cria no “Benzinho” não muito bem, apesar dos seus bens. Era o máximo que podia suportar da mulher: “benzinho o arrepiava”. Amor desinteressado, iludia-se mergulhado nas rugas que sobraram depois da último aplicação do botox. Gestos calculadamente cronometrados, embonecados. Parecia estar eternamente sentado no colo de um ventríloquo, mas era o contrário. Seu negócio era negociar. E como comprava…! Como vendia…! Como desavergonhadamente se vendia…! Sempre descumpria o que descumprira através dos anos, dos ânus, amém. Era seu próprio deus e a manipulação de sua única religião. 

Recebeu vários apelidos: Garção de filmes de terror; Drácula; Pinóquio; Corleone. Mas, gostava de um em especial: Ghost.  Sentia-se seu gostwritter. Discursava sobre o tema no qual não acreditava. Discursava um discurso que não era dele entre dentes, mas imposto pelas circunstâncias. Sabia jogar o jogo. Mamando sangue, sabia que o “dele” estava retirando da ponta da linha reta. Devagar, empurrava o outro em direção abismo: sarcasticamente, oferecia o paraquedas e também o veneno, caso o outro preferisse o suicídio, à procuração. Gritava: “Dê-me a procuração. Berrava pra dentro. Esquecia o perdigoto”.

Seus sapatos 35 o levaram muito mais longe do que jamais poderia imaginar: ao seu plano alto, gabava-se, escondido atrás das pilastras e dos vidros pretos da Limosine. Para realizá-lo, propôs-se a ser pernilongo e não raquete, pera e não vidraça, mosquito, mas não merda. Chupou sangue contaminado, até enfraquecer o arrogante incauto. Passadas matemáticas à espera de que raízes, enfim, brotassem sob seus pesinhos de gueixa, mas elas insistiam em continuar sementes. E balançou, sem crer que jamais crer na queda. Sempre esteve indeciso entre o “Outono do patriarca” e “1984”. Não criou raízes, como o patriarca; nem seria o “Grande irmão”, sabia. Mas, quem sabe o pequeno irmão? Ou o irmão adotado pela imbecil arrogante.

Media as palavras, compassava-as com régua, sempre solenes, até quando dizia: “Preciso, deveras, de um penico”. Contido, dardejava palavras, aprisionava os plurais exatamente, jamais duvidava da concordância delas com o sujeito, preferia as palavras proparoxítonas, os superlativos, os verbos no imperativo, as mesóclises, os poemas parnasianos em dodecassílabos (mais perfeitos que a perfeição), amava os sonetos fechados com chave de ouro… Ouro…!

O nariz adunco superava o queixo altivo. Ora parecia águia, ora rato, nunca papagaio. Seus dedos pequenos executavam poemas e pessoas a bordo da tinta preta da caneta ambicionada. Não se podia dizer que vivia escondido nas sombras, a sua era pequena demais para existir. Exímio constitucionalista, traía a constituição, como se trai a mulher desamada, desalmada. Era sua bíblia, mas também seu índex.

Exímio manipulador, acabou encarcerado pela ambição. Esqueceu-se de um de seus princípios básicos: nunca colocar a bunda na janela. Minotauro, acabou “General no seu labirinto”.

Homenzinho, zinho, inho. Não era um monstro como se pode imaginar, já ultrapassara essa barreira. Amava, incondicionalmente, cobras e estrelas. Mas, não amava pessoas, elas eram apenas objetos de decoração.

Não há mais nada a dizer. A história dirá. E se sela o reduzir ao seu tamanho?


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