Fortes, mas em risco: o perigo dos suplementos alimentares para os jovens

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 5 de junho de 2018 às 13:35
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:47
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Adolescentes colocam a saúde em risco ao desejar trocar o corpo infantil por versão mais musculosa

Adolescentes, ainda
mais os nascidos na era digital, querem tudo para ontem. Não é à toa que muitos
deles desejam trocar o corpo infantil por uma versão mais musculosa ou definida
no menor prazo possível.

Pisando na academia,
eles são público fácil para os suplementos esportivos, especialmente aqueles
que aumentam a massa muscular, caso de whey protein, BCAA e creatina. “Percebo
nas consultas que é muito grande a demanda por esse tipo de produto. O adolescente
é invariavelmente vaidoso e quer ficar forte logo”, observa a pediatra Mônica
Moretzsohn, do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de
Pediatria.

Estudos recentes
endossam a constatação da médica. Uma pesquisa realizada em Fortaleza com 85
frequentadores de academia de 18 a 58 anos mostrou que gente abaixo dos 30 é a
que mais recorre a suplementos. Quanto mais jovem, maior o apelo da categoria.
Mas o que deixa mesmo os especialistas de cabelo em pé é o uso dessas
substâncias por conta própria – sendo que, em geral, elas são indicadas a
atletas.

Outro levantamento,
este feito com 30 adolescentes de Campo Mourão, no Paraná, revelou que um terço
deles ingeria suplementos sem orientação. Só 10% ouviram um médico ou
nutricionista. O fenômeno, claro, não se restringe ao Brasil.

Na Eslovênia,
cientistas da Universidade da Liubliana, a mais antiga do país, identificaram
um cenário parecido ao avaliar 1 500 jovens de 14 a 19 anos. Dos adeptos da
suplementação, 40% não eram acompanhados por profissionais de saúde. Detalhe:
30% se aconselhavam com familiares. “Sem consultar um
especialista, o adolescente pode ultrapassar a dose recomendada e combinar
substâncias que interagem entre si”, alerta a pediatra Flavia Meyer, da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O estudo paranaense chegou a apontar
um dos efeitos desse consumo sem supervisão: falta de carboidratos e excesso de
proteína no cardápio.

“E temos visto muitos
casos de jovens internados para fazer diálise por sobrecarga dos rins em razão
do abuso proteico”, conta a médica Leda Lotaif, chefe da Nefrologia do Hospital
do Coração (HCor), em São Paulo. Ela ressalta que as complicações surgem em
quem já possui predisposição a problemas renais – algo que praticamente ninguém
sonha ter.

Pela legislação,
suplementos de proteína, como o whey protein, são considerados alimentos e não
remédios, o que favorece a venda e o consumo sem critério.

Atenta aos riscos disso,
a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu revisar as regras
na área. O objetivo é tornar o mercado mais seguro – hoje, parte dele está na
ilegalidade. “Há muita divergência de informações entre rótulos de produtos
semelhantes, promessas de benefícios sem comprovação científica, itens com
problemas de qualidade”, enumera Rodrigo Vargas, especialista da Gerência Geral
de Alimentos da Anvisa. “Já houve casos de adição de anabolizantes em algumas
marcas. Os riscos disso vão desde alterações hormonais e sexuais até
cardiopatia e câncer “, alerta a médica Flavia Meyer, que é doutora em nutrição
e exercício físico infantil.

Ainda que as normas
fiquem mais claras, não dispensam a visita ao médico ou nutricionista. Para
adolescentes, o recado é especialmente importante. Quem pula essa etapa corre o
risco de apresentar um desequilíbrio nutricional, o que compromete o
desenvolvimento ósseo e muscular.

Há relatos também de
espinhas, dor de cabeça, insônia e até agressividade e taquicardia entre
usuários dessas substâncias. Como se não bastasse, suplementos com proteína
isolada contribuiriam para manifestações alérgicas. Nada disso, porém, foi
estudado a fundo. “Faltam pesquisas específicas sobre os efeitos colaterais
desses produtos”, diz a nutricionista Luciana Rossi, do Centro Integrado de
Saúde da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo.

Suplementação + vício por exercícios,
uma dobradinha perigosa

Não raro, a
suplementação é ligada a outro comportamento: a dependência de exercícios
físicos. E, quanto menor a idade, maior o risco de ficar fissurado nos treinos
e abusar dos aceleradores da atrofia muscular. Foi o que Luciana Rossi
descobriu na sua tese de doutorado, conduzida na Universidade de São Paulo
(USP). Mais um ótimo motivo para prestar atenção e dar orientação à garotada.

Nessa turma, excessos de
carga ou de ritmo na malhação podem acarretar lesões nos músculos e nos ossos,
prejudicando inclusive o crescimento. Para ter ideia, alguns sintomas do vício
em atividade física são semelhantes aos da abstinência de álcool, como
alterações no padrão de sono e ansiedade. Sem falar na possibilidade de
aparecimento de transtornos alimentares.

Mas, afinal, com
supervisão médica, quando meninos e meninas realmente tiram proveito dos
suplementos? A verdade é que esse tipo de produto só faria sentido para quem
está iniciando uma carreira como atleta. “A princípio, a suplementação é
contraindicada para adolescentes saudáveis que já seguem uma alimentação
balanceada”, afirma Flavia.

Pois é: montar o
prato com mais zelo já auxiliaria o organismo no ganho de massa muscular. Em
termos de proteína, por exemplo, dois filés de frango ao dia são suficientes
para quem está em fase de crescimento. “A conta é, em média, de 1 grama de
proteína para cada quilo de peso. Um filé de frango tem cerca de 20 gramas do
nutriente. Logo, uma porção no almoço e outra no jantar estão adequadas para um
adolescente com 40 quilos”, contabiliza a pediatra Mônica, da SBP.

Ao começar os
treinos, o jovem pode, com orientação, aumentar as porções e reforçar a
ingestão de calorias e outros nutrientes, como carboidratos, cálcio e ferro.
“Quando se fala em suplemento alimentar, há uma impressão de que ele é mais
completo do que o alimento, o que nem sempre é verdade”, reforça Luciana.

Ela cita o caso do
badalado whey protein. “Trata-se da proteína do leite isolada. Ou seja, a
bebida em si já contém essa mesma proteína e ainda gordura, cálcio e outros
componentes necessários ao organismo”, justifica. Para quem está em franco
desenvolvimento, o melhor conselho a ser dado envolve bom senso, paciência e
alguns copos de leite, ovos e bifes.

Passou do ponto

Segundo pesquisa da
USP assinada pela nutricionista Luciana Rossi, quem utiliza suplementos
alimentares tem 4,5% mais risco de se tornar dependente de exercícios físicos.
Só que a obsessão por malhar ainda está atrelada a distúrbios alimentares, como
anorexia ou bulimia. Para evitar esse desdobramento, veja indícios de que o
gosto do adolescente por exercícios deixou de ser saudável:

– Ele vai à academia
cinco vezes por semana ou mais.

– Chega a recusar
viagens a locais onde não há possibilidade de puxar ferro.

– O menino ou a
menina preferem malhar a se divertir com os amigos.

Não deixa de se
exercitar mesmo na presença de alguma lesão muscular.

– Demonstra desejo
constante de modificar o corpo ou muita obsessão com a aparência.

Conheça os
suplementos que estão em alta entre os jovens


Whey protein: Falamos da proteína do soro do leite.
Tem rápida absorção e aproveitamento pelo corpo. Auxilia na formação de
músculos e ossos.


BCAA: Combina três aminoácidos que formam as
proteínas musculares. Não há evidências de que a ingestão sempre traga
vantagens.

– Creatina: Produto
da transformação de aminoácidos, ajuda a reter água nas células. Daí, elas
aumentam de tamanho e geram energia extra.

Cafeína:
A substância que marca presença naturalmente no café é estimulante. Portanto,
promete turbinar a resistência e o desempenho em exercícios intensos.

Quais são os pré-requisitos da
malhação os 12 aos 18 anos

Idade ideal: Varia. Mas o melhor é esperar o estirão de crescimento, que
ocorre normalmente entre 11 e 13 anos.

Carga certa: É
aquela que permite ao jovem repetir todo o movimento pelo menos umas oito ou
nove vezes.

Supervisor: Um
educador físico deve acompanhar a progressão de cargas, postura e execução dos
exercícios.

Sem exagero: Morar
na academia pode levar a lesões em músculos e ossos e prejudicar o crescimento.

Avaliação prévia: Uma
ida ao médico cai bem para ver se a saúde como um todo está preparada para a
malhação.


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