Filmes de terror fazem com que cérebro se antecipe em cenas de perigo, diz estudo

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  • Publicado em 2 de fevereiro de 2020 às 12:26
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 20:20
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Enquanto se assiste a uma obra do tipo, o cérebro ativa regiões que trabalham para se escapar do perigo

O medo é uma das sensações mais abominadas pelo homem. Mas, ao mesmo tempo, o terror é um gênero cinematográfico bastante popular. 

Esse aparente paradoxo foi objeto de pesquisa de cientistas europeus, que tentaram compreender, a partir de testes de neuroimagem, por que as pessoas lotam salas de cinema com o objetivo de passar cerca de duas horas em um estado de pavor crescente. 

A conclusão do estudo, publicado na revista NeuroImage, foi de que, enquanto se assiste a uma obra do tipo, o cérebro ativa gradativamente regiões que trabalham na preparação de um “plano” para escapar do perigo.

Essa sensação de excitação é prazerosa. Especialmente porque, quando sobem os letreiros, todos estão a salvo.

Os autores do estudo explicam que as redes de neurônios responsáveis pela sensação de medo estão bem definidas pela ciência, mas destacam que pesquisas que tentaram visualizar o medo no cérebro têm algumas limitações. 

Isso porque boa parte delas foi feita com base em fotografias mostradas a voluntários, que eram monitorados enquanto as analisavam. 

“A vida real não é assim. Somos confrontados com um fluxo constante de informações sempre em mudança e nosso cérebro precisa acompanhar constantemente nosso ambiente complexo”, destacou ao Correio Matthew Hudson, um dos autores do estudo e professor de psicologia do Colégio Nacional da Irlanda.

Para o cientista, os filmes de terror são uma ferramenta perfeita para ultrapassar essas barreiras de análise. 

“Imagine que você está andando por um beco escuro à noite. De repente, um barulho alto — uma garrafa de vidro quebra. Você olha em volta e dá de cara com um gato fugindo. Uma sensação de alívio ocorre. Isso é difícil de capturar em experimentos simples. Portanto, usamos filmes de terror para refletir o ambiente complexo e em constante mudança em que vivemos, e dessa forma entender melhor como a atividade cerebral muda nesses cenários”, explica Hudson.

No estudo, 37 voluntários assistiram a um filme de terror enquanto os cientistas mediam a atividade neural por meio de um scanner de ressonância magnética.

Eles observaram que, nos momentos em que a ansiedade aumenta lentamente, as regiões do cérebro envolvidas na percepção visual e auditiva tornam-se mais ativas, o que se intensifica à medida em que a sensação de ameaça vai crescendo.

Depois do choque repentino provocado pela ficção, os neurônios ficaram mais ativos nas regiões envolvidas no processamento emocional, na avaliação de ameaças e na tomada de decisão. Na prática, isso significa que o cérebro está se preparando para uma resposta rápida.

“A descoberta mais importante, para mim, foi que, embora existam várias áreas cerebrais ativas quando os participantes ficam ‘preocupados’ e um conjunto diferente de áreas cerebrais ativas ao lidar com um ‘súbito susto’, essas regiões estão em constante comunicação durante todo o filme”, diz Hudson. 

“É como se o cérebro estivesse se preparando para uma ameaça em potencial, elaborando a resposta ao perigo antes que ele realmente ocorra.”

Empolgação

De acordo com o cientista, o experimento mostra que o comportamento humano não está “ligado” e “desligado” apenas, ou seja, ele não muda repentinamente de um modo para outro. 

“O que existe é um elemento dinâmico gradual e antecipatório, e que se altera lentamente à medida que o ambiente muda. Portanto, nossos cérebros estão sempre nos antecipando e nos preparando para a ação em resposta a ameaças, e os filmes de terror exploram isso habilmente para aumentar nossa empolgação”, completa Matthew Hudson.

Mario Louzã, psiquiatra e membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, acredita que o estudo mostra dados que podem ajudar a entender melhor duas variações do medo conhecidas pelos especialistas.

“Temos o medo não condicionado agudo, que é quando você não está preparado; por exemplo, quando anda na rua e leva um susto. E o medo condicionado sustentado (ou persistente), que corresponde mais ao transtorno de ansiedade generalizada, quando as pessoas estão sempre na expectativa de algo acontecer. Esse estudo mostra que os dois tipos de medo têm bases neurais diferentes, mas que podem atuar juntos de uma forma complexa.”

Antes da análise neural, Matthew Hudson e a equipe de colaboradores definiu os 100 melhores e mais assustadores filmes de terror do século passado. 

Por meio de bancos de dados cinematográficos on-line, repletos de avaliações de especialistas no tema e usuários dos sites, eles criaram a lista. 

O grupo também pediu que 216 participantes respondessem a uma pesquisa perguntando se haviam assistido a alguns dos filmes e, se sim, se os classificaram como ruins ou com qualidade. 

Os voluntários, além disso, relataram a frequência com que assistiam a títulos do gênero ou a filmes em geral e o quão assustadores consideravam diferentes tipos de terror (por exemplo, psicológico e sobrenatural), e as emoções mais comuns experimentadas ao assistir a essas películas.

Intervalos

Nos resultados, os cientistas observaram que 72% das pessoas relatam assistir a um filme de terror a cada seis meses, e as razões para isso, além dos sentimentos de medo e ansiedade, eram principalmente de excitação. 

As películas do gênero também são uma desculpa para socializar, com muitas pessoas preferindo assistir às obras com amigos do que sozinhas. 

Os voluntários disseram que o horror de natureza psicológica e baseado em eventos reais é o mais assustador, e que ficavam muito mais apavoradas com coisas que não eram vistas ou estavam implícitas, e não com o que podiam realmente ver.

Para Mário Louzã, esse foi um dos dados mais interessantes do estudo. “Esse medo maior pelo terror psicológico é algo que chama a atenção, pois vemos que as pessoas são atingidas mais intensamente por situações que pedem um alerta e não por terem visto elementos pavorosos, sendo assim mais afetadas pela expectativa”, ressalta. 

Para o especialista, o tema merece ser ainda mais bem estudado. “Do ponto de vista médico, apenas um estudo para mostrar como esses circuitos funcionam não é o suficiente, precisamos de mais dados, seria interessante entender o medo que o indivíduo sentiu, pedir para que ele descreva, e com isso tentar estabelecer os diferentes graus de medo.”

Como pesquisa futura, os cientistas adiantam que será necessário examinar os neurotransmissores (substâncias produzidas pelos neurônios) específicos envolvidos na exibição de filmes de terror, usando sistema de análise mais apurados, como tomografias. 

Eles também pretendem expandir os tipos de títulos analisados. “Acho importante usar filmes em experimentos, pois eles nos dizem algo sobre como o cérebro responde a um ambiente em constante mudança. O mesmo tipo de experimento pode ser usado para comédias ou filmes de romance, por exemplo”, ressalta Hudson.

*Correio Braziliense


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