Estimulada pelas redes, obsessão pela magreza chega cada vez mais cedo

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 20 de janeiro de 2019 às 22:26
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:19
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Os efeitos do acesso a conteúdos sobre magreza batem à porta de consultórios e preocupam especialistas

Yasmin Martinez não
tinha mais do que 10 anos quando foi à internet para buscar dietas radicais.
“Já tinha decidido que queria ser magra, achava que seria aceita”,
conta a jovem, que sofria bullying na escola por causa do peso. Entre
restrições e compulsões, chegou aos 36 quilos quando tinha 15 anos. Viu o
cabelo cair e esqueceu como se escrevia algumas palavras. “Parecia uma
morta-viva, desmaiava o tempo todo e tinha o lábio roxo de frio enquanto todo
mundo morria de calor.”

Hoje, com 17 anos e recuperada da
anorexia que quase lhe custou a vida, se lembra do que encontrou nas redes:
apoio e inspiração para perder peso sem parar. “Quando estava mal, entrava
nos grupos para ver fotos de meninas muito magras.” O conteúdo é diverso.
Basta uma busca rápida nas redes para identificar mensagens de incentivo a
dietas rígidas e fotos de corpos “perfeitos” que só existem nas
telas.

Os efeitos do acesso a conteúdos
sobre magreza por meninos e meninas batem à porta de consultórios e preocupam
especialistas. “Vemos crianças cada vez mais novas com sintomas de
transtorno alimentar ou transtornos propriamente ditos. A partir de 8, 9 anos,
eu mesma já vi. Como chegamos ao ponto em que crianças de 8 anos têm obsessão
por magreza? De onde veio isso?”, questiona a nutricionista Ana Carolina
Costa, do Ambulim, o Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria
do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

O Ambulim oferece tratamento, entre
outros distúrbios, para anorexia e bulimia, transtornos alimentares
caracterizados pela intensa preocupação com o peso e a percepção distorcida do
corpo. Quem tem anorexia come muito pouco ou nada. Já o bulímico tem compulsões
seguidas de arrependimento, com indução ao vômito ou uso de laxantes. A
anorexia mata em até 15% dos casos.

Embora os distúrbios tenham múltiplas
causas, dietas que prometem perda de peso com rapidez e fome, como as
divulgadas pelas blogueiras fitness e até por nutricionistas na web, podem ser
o gatilho, dizem especialistas. “Elas vão ao celular e acessam todos
tipo de dieta, sem controle nenhum de nutricionista. Têm esse comportamento de
risco por dois, três meses até passarem mal”, diz Evelyn Eisenstein, do
Departamento de Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Uma em cada quatro meninas de 11 a 17
anos disse já ter tido contato na internet com formas para ficar muito magras,
segundo a pesquisa TIC Kids Online, divulgada no fim do ano passado pelo Comitê
Gestor da Internet no Brasil. O porcentual cresceu se comparado com o resultado
obtido há quatro anos. 

A pesquisa, que entrevistou 3.102 crianças e adolescentes
brasileiros de 9 a 17 anos, também identificou que 93% usam o celular para
acessar a internet e 73% estão nas redes sociais.

Referências

No Instagram, fotos de
“inspirações magras” – jovens com as costelas à mostra – fazem
sucesso, e hashtags associadas à magreza extrema acumulam milhares de
publicações todos os dias. Já no Twitter, perfis secretos compartilham dicas de
como enganar a família sobre as refeições e narram, em códigos, a saga para
perder peso, o que inclui vômitos, o uso de laxantes e remédios emagrecedores –
todas essas práticas prejudiciais à saúde.

Grupos ligados à anorexia e bulimia
no WhatsApp promovem mutirões de jejuns de longas horas. “Todas unidas com
um único propósito, foco no NF (no food), foco na beleza, rumo à magreza
extrema. Rumo à perfeição”, dizia a descrição de um deles, com 257
participantes de várias partes do Brasil e até do exterior. “Tenho 12
anos. Já fico preocupada com meu peso há um tempo”, disse uma delas.
“No meu caso, (a anorexia) começou bem cedo, tipo com 9, 10 anos”,
comentou outra.

Para a psicóloga e psicanalista
Patrícia Jacobsohn, que pesquisa a interface dos transtornos com a internet,
likes na rede funcionam como recompensas. “Sites pró-anorexia reforçam
condutas inadequadas e perigosas, postuladas como estilos de vida, o que
retarda o diagnóstico e prejudica o bom prognóstico.” Casos de transtornos
alimentares, diz, têm chegado mais graves ao consultório.

Contra a propagação de dietas que
prometem resultados rápidos, o Conselho Federal de Nutrição (CFN) proibiu em
2018 fotos de “antes e depois” de pacientes e profissionais. “Os
corpos são diferentes e fatores influenciam a estrutura – da genética até onde
você mora. Não pode padronizar”, diz a conselheira Vanille Pessoa.
“Quando vemos um corpo magro (em fotos), não sabemos o percurso.” O
CFN recebe denúncias de propagandas de nutricionistas nas redes.

Já o controle sobre o que é divulgado
por pessoas sem formação fica a cargo de usuários e plataformas. Em nota,
Twitter e Instagram disseram que o conteúdo que promove distúrbios alimentares
viola regras de uso das redes. “Usamos ferramentas e tecnologias, desde o
botão de denúncia de conteúdo no próprio aplicativo até inteligência
artificial, para ajudar a identificá-los e removê-los”, diz o Instagram.
Procurados, Google e WhatsApp não se manifestaram.

Preste Atenção

Sinais

Os pais devem ficar atentos a mudanças
bruscas no comportamento, quando a criança fica retraída e há perda radical de
peso.

Comida no prato

É importante observar mudanças nas
refeições, como cortar a comida em pedaços muito pequenos ou espalhá-la no
prato.

Críticas

Comentários críticos sobre o corpo do
filho ou dos pais podem aumentar a insatisfação corporal.

Evite dietas

Se há preocupação com o ganho de
peso, o ideal é buscar orientação médica e nutricional e evitar impor dietas
restritivas.

Vida digital

Acompanhe a vida digital da criança e
do adolescente. É importante conhecer quem eles seguem e orientá-los sobre
referências que julgar prejudiciais.


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