Ensino domiciliar no Brasil começa a ser julgado nesta quinta, 30, pelo STF

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 30 de agosto de 2018 às 12:02
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 18:58
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O número de famílias que optam pela educação em casa chegou a 7,5 mil em 2018, o dobro de 2016

O Supremo Tribunal Federal (STF)
começa a julgar nesta quinta-feira, 30 de agosto, a constitucionalidade do
ensino domiciliar no Brasil.

Desde 2015, o tema aguarda uma
determinação da Corte. A disputa coloca em lados opostos pais que desejam
educar seus filhos em casa e o Poder Público que defende a obrigatoriedade da
matrícula e a frequência escolar de crianças e adolescentes. O relator do caso
é o ministro Luís Roberto Barroso.

De acordo com Associação Nacional de
Educação Domiciliar (Aned), o número de famílias que optam pela educação em
casa, prática conhecida como homeschooling, tem crescido no Brasil. Em
2018 chegou a 7,5 mil famílias, mais que o dobro das 3,2 mil famílias
identificadas em 2016. A estimativa é que 15 mil crianças recebam educação
domiciliar no país atualmente.

O julgamento no
Supremo deve definir um entendimento único para todos os casos desse tipo que
tramitam na Justiça brasileira, estabelecendo o que o tribunal chama de tese de
repercussão geral.

Histórico

O caso que será julgado em plenário e servirá de parâmetro para
os demais foi levado ao Supremo pelo microempresário Moisés Dias e sua mulher,
Neridiana Dias. Em 2011, o casal decidiu tirar a filha de 11 anos da escola
pública em que estudava no município de Canela (RS), a aproximadamente 110 km
de Porto Alegre, e passar a educá-la por conta própria.

Eles alegaram que a metodologia da escola municipal não era
adequada por misturar, na mesma sala, alunos de diferentes séries e idades,
fugindo do que consideravam um “critério ideal de sociabilidade”. O casal disse
que queria afastar sua filha de uma educação sexual antecipada por influência
do convívio com colegas mais velhos.

A família argumenta ainda que, por ser cristã, acredita no
criacionismo – crença segundo a qual o homem foi criado por Deus à sua
semelhança – e por isso “não aceita viável ou crível que os homens tenham
evoluído de um macaco, como insiste a Teoria Evolucionista de Charles Darwin”,
que é ensinada na escola.

Em resposta, a família recebeu um comunicado da Secretaria de
Educação de Canela ordenando a “imediata matrícula” da menina em uma escola. O
Conselho Municipal de Educação também deu parecer contra o ensino domiciliar,
“por não se encontrar regulamentado no Brasil”.

O casal recorreu à Justiça, mas teve negado um mandado de
segurança em primeira e segunda instâncias. Em sua sentença, o juiz Franklin de
Oliveira Neto, titular da Comarca de Canela, escreveu que a escola é “ambiente
de socialização essencial” e que privar uma criança do contato com as demais
prejudica sua capacidade de convívio.

“O mundo não é feito de iguais”, escreveu o juiz. “Uma criança
que venha a ser privada desse contato possivelmente terá dificuldades de
aceitar o que lhe é diferente. Não terá tolerância com pensamentos e condutas
distintos dos seus”.

Diversidade na escola

Para a Advocacia-Geral da União (AGU), as normas brasileiras
estabelecem que a educação deve ser oferecida de forma gratuita e
obrigatória pelo Poder Público. “É muito importante destacar que a escola
possibilita um aprendizado muito mais amplo que aquele que poderia ser
proporcionado pelos pais, no âmbito domiciliar, por maiores que sejam os
esforços envidados pela família. Isso porque ela prepara o indivíduo para
situações com as quais inevitavelmente haverá de conviver fora do seio
familiar, além de qualificá-lo para o trabalho”, diz a AGU.

Para a instituição,
nenhum núcleo familiar será capaz de propiciar à criança ou ao adolescente o
convívio com tamanha diversidade cultural, como é próprio dos ambientes
escolares. “Sendo assim. a escola é indispensável para o pleno exercício
da cidadania”, acrescenta.

De acordo com a
Procuradoria-Geral da República, a educação familiar não encontra amparo na
Constituição. “A utilização de instrumentos e métodos de ensino domiciliar para
crianças e adolescentes em idade escolar, em substituição à educação em
estabelecimentos escolares, por opção dos pais ou responsáveis, não encontra
fundamento próprio na Constituição Federal”.

Há oito anos, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu um
parecer orientando que as crianças e os adolescentes sejam matriculados em
escolas devidamente autorizadas. O CNE também entende que a legislação vigente
enfatiza “a importância da troca de experiências, do exercício da tolerância
recíproca, não sob o controle dos pais, mas no convívio das salas de aula, dos
corredores escolares, dos espaços de recreio, nas excursões em grupo fora da
escola, na organização de atividades esportivas, literárias ou de
sociabilidade, que demandam mais que os irmãos apenas, para que reproduzam a
sociedade, onde a cidadania será exercida”.

Direito à dignidade

Na avaliação das famílias favoráveis ao homeschooling, a
educação domiciliar garante o direito à dignidade e ao respeito, assegurando
uma educação mais individualizada e, portanto, mais efetiva. “Mesmo nas
melhores escolas, a educação necessariamente é provida de forma massificada,
sem atentar para as necessidades específicas de cada criança e sem prover a
elas as técnicas, os instrumentos e as metodologias do ensino-aprendizagem mais
adequadas e qualificadas ao tempo presente”, diz a Aned. “Estamos buscando a
autonomia educacional da família, não somos antiescola, não estamos lutando
contra escola, apenas somos a família buscando uma nova opção que, no nosso
entender, é melhor para o nosso filho”, diz o presidente da Aned, Rick Dias.

Ele conta que tirou os filhos da
escola há oito anos, quando a mais velha tinha 12 anos e o mais novo, 9. Hoje,
a mais velha cursa relações internacionais em uma universidade particular. “Não
cremos que o Estado deva definir como devemos educar nossos filhos”.


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