Em dois meses, preço de massas e pães teve aumento de 10% no país

  • Cesar Colleti
  • Publicado em 14 de setembro de 2018 às 19:20
  • Modificado em 8 de outubro de 2020 às 19:00
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Produtos à base de trigo, como pão, macarrão e biscoito, são os que mais apresentam alta nos preços

Desde julho, os preços de produtos à
base de trigo, como massas alimentícias, pães e biscoitos, além da própria
farinha de trigo, já aumentaram em até 10%, segundo estimativas de
entidades que representam a indústria do setor no país. O percentual representa
cerca de 40 vezes a variação da inflação média dos últimos dois
meses, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que subiu
0,24% entre julho e agosto.

A principal explicação para a
inflação dos alimentos à base de trigo está na dependência externa que o Brasil
tem do produto combinada com as recentes oscilações do dólar e do preço do
produto no mercado internacional. O trigo é um dos poucos grãos que o Brasil
tem que importar de outros países para abastecer o mercado doméstico. 

Pelos dados mais
recentes da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o país deve produzir
5,2 milhões de toneladas de trigo em 2018 e comprar do exterior mais
6,3 milhões de toneladas, a maior parte oriunda da Argentina, seguida de
países como Estados Unidos, Paraguai, Uruguai e Rússia.

Oscilação de preço

Economistas confirmam o cenário descrito pelos produtores do
setor. “No caso do trigo, o Brasil importa mais da metade da demanda
interna. Assim, maiores taxas de câmbios terão impacto direto sobre os mercados
atacadista e varejista. Além disso, no primeiro semestre de 2018, os
preços internacionais subiram, diante da menor oferta mundial.

O Brasil também foi
impactado pelos maiores preços na Argentina, diante das incertezas quanto
ao tamanho da safra desta temporada”, explica o professor Lucílio Alves,
pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepe),
ligado à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São
Paulo (USP).

O preço do trigo, que é um dos principais produtos negociados na
Bolsa de Chicago (CME Group), nos EUA, chegou a atingir US$ 197,80 (R$ 819) por
tonelada em agosto, o maior valor desde julho de 2015. Na parcial de
setembro, o preço caiu um pouco, para US$ 181 (R$ 749,34), mas ainda bem
superior à média do início do ano (US$ 158,91/ton em janeiro). 
 

Além disso, como o preço internacional do produto é calculado em
dólar, a desvalorização do real aumenta seu custo de importação. No ano, o
dólar se valorizou ante ao real em 22,86%, no acumulado até agosto.
Somente no mês passado, essa valorização foi de 8,45%.

Preço por produto

De acordo com Cláudio Zanão, presidente-executivo da Associação
Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias, Pães e Bolos
industrializados (Abimapi), os maiores aumentos acumulados desde julho
afetam principalmente o macarrão e o pão de forma, que tiveram cerca de 10% de
aumento no período. Esses alimentos foram os mais afetados porque o volume
da farinha de trigo empregada na produção representa entre 60% e 70% do custo
final do produto.

No caso do biscoito, cuja farinha de trigo representa cerca de
30% do custo, o aumento no preço foi de cerca de 5% nesse período, de acordo
com Zanão. Segundo ele, esses aumentos foram, em média, o repasse da
indústria e dos supermercados para o consumidor final no varejo.

O dirigente também
afirmou que a elevação do preço do trigo ainda não se estabilizou. “Infelizmente,
a má notícia é essa. O trigo aumentou, mas não quer dizer que o aumento já
acabou. Se o mercado internacional continuar oscilando e o câmbio
também continuar oscilando para cima, os preços tendem a aumentar mais”,
acrescenta Zanão, para quem esses aumentos já devem estar repercutindo no bolso
do consumidor. “Quando você aumenta preço no varejo, diminui o consumo, por
isso que supermercado não gosta de aumentar preço, mas já foram reduzidas todas
as margens e o repasse começa a ser inevitável”.

O repasse da alta do
trigo ao consumidor também está sendo absorvido, em parte, pelos moinhos.
“Houve um pequeno repasse no custo do trigo para o mercado interno, mas é
difícil porque impacta no consumo e a economia ainda está desacelerada”,
reconhece Rubens Barbosa, presidente da Associação Brasileira da Indústria
do Trigo (Abitrigo).

O empresário diz ainda que só não houve uma disparada maior nos
preços porque este mês começa a colheita da safra brasileira do produto nos
estados Paraná e no Rio Grande do Sul, que são os dois principais
produtores do país.

Outros custos

Para o setor de padarias, que comercializa o tradicional pãozinho
francês, a oscilação no preço do trigo, apesar de importante, não é a principal
preocupação no momento. Segundo dados da Associação Brasileira da
Indústria de Panificação e Confeitaria (Abip), o gasto com mão de obra
representa atualmente 40,6% do custo do setor. Gastos com energia elétrica
(14,4%) e impostos (15,2%) também são apontados como fatores de custo
relevantes nos últimos anos.

A Abip diz ainda que não orienta o repasse de nenhum tipo de
aumento de preço ao consumidor final, já que essa decisão cabe exclusivamente
aos donos de padaria. Ainda segundo a entidade, mais de 41 milhões de
pessoas passam pelas 70 mil padarias do país, diariamente. O segmento emprega
2,6 milhões de trabalhadores direta e indiretamente.

Crise na Argentina

Outro fator que preocupa a indústria brasileira é o agravamento
da crise econômica na Argentina, que vive superdesvalorização de sua moeda, o
peso, o que fez com o que o governo de lá decidisse aplicar um imposto de
exportação ao setor agrícola. Mais de 80% do trigo importado pelo Brasil vêm
justamente do país vizinho.

“A situação continua incerta. Até dois dias atrás, ainda não
estava certo se os contratos que tinham sido negociados antes dessas medidas do
governo argentino seriam afetados ou não”, aponta Rubens Barbosa, da
Abitrigo.

Na semana passada, o presidente da Argentina, Maurício Macri
anunciou a criação de um novo imposto aos exportadores de produtos primários,
como grão e minérios, que deverão pagar ao governo quatro pesos para cada dólar
vendido. Os exportadores dos demais produtos pagarão uma taxa menor, de
três pesos para cada dólar obtido.

Tabela do frete

Além da crise na Argentina, os impactos da nova tabela do frete
(Lei nº 13.703/2018) ainda podem ampliar a inflação dos produtos à base de
trigo. “O pessoal não está correlacionando muito isso, mas a nova tabela
pode ter impacto no preço do trigo também”, aponta Barbosa.

Segundo o professor Lucílio Alves, da Esalq/USP, “as
incertezas sobre o impacto que a nova tabela terá sobre os custos da produção
travaram as negociações em praticamente todo o mercado de grãos e fibras,
impactando também os preços no atacado e varejo”.


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