​Dos Smarthphones às plataformas de ensino

  • Língua Portuguesa
  • Publicado em 19 de abril de 2020 às 12:37
  • Modificado em 8 de abril de 2021 às 14:20
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Em outros artigos sobre educação, confessei minha aversão pelas palavras “oficina” e “plataforma”. Porcas, parafusos e roldanas, em formato de cérebro, me parecem não ter nada a ver com educação, e sim com mecanização, afinal educar não significa “consertar” e sim “concertar”. “Plataforma” me passa a sensação de prisão. Educação exige muito mais que fincar os pés no chão, propõe “alçar voo”, “mergulho”, “descobertas”.

Há também duas frases às quais tenho aversão. A primeira é “no meu tempo era melhor”. Quem se propõe a falar isso, apropria-se da história. A história, na verdade, não é de ninguém. Usá-la para embotar o jovem, como se ele tivesse cometido o crime de lesa-velhice, aí sim é crime. Vida é mutação, nunca estagnação. A segunda é “precisamos dar limite a essa criança”. Penso que a crise de criatividade, no mundo moderno, talvez se deva a isso, “impor” limites, embotar a criatividade da criança, torná-la a imagem e semelhança dos pais.
Como diria o grande filósofo Mussum: “É aí que está o busílis”. Há pouco participei de um debate com pais e educadores sobre “O uso do smarthphone em sala de aula”. Sempre fui favorável ao uso. O que me assustou foi a frase repetida por vários: “No nosso tempo era melhor”, a gente lia mais, prestava mais atenção às aulas, respeitava mais os professores. Mentira. Observem o mundo que legamos aos nossos filhos.
“Precisamos dar limites aos filhos, muitos pais deixam eles (sic) pra lá”. Eles terão a vida inteira para serem tolhidos. Ao invés de “limites”, não seria melhor criarmos estratégias para descobrir talentos. O uso do smarthphone nos tornará intrépidos educadores? Claro que não. Mas, ele já sinaliza duas questões: 1) Quais estratégias as escolas desenvolveram para usá-lo a seu favor? 2) Por que insistimos em uma escola punitiva e não proativa, que nunca levou nem ela, nem o aluno a lugar nenhum? Só a estudar para passar e não para saber.
As escolas estão a reboque da revolução tecnológica. A resistência a mudanças as torna “chatas”: 1) O celular se tornou a extensão do corpo e do cérebro. Os debatedores consultavam seus celulares a todo o momento 2) A única forma de comandar uma revolução é penetrar no mundo do revolucionário. Quem proíbe gosta de ser engando. 3) A escola, tal como a conhecemos hoje, está extinta, somente as paredes continuam de pé. 4) O professor, dono e senhor do conhecimento, tem que repensar sua conduta. A bordo de um dedo, qualquer aluno checa facilmente quaisquer informações. 5) A escola “impositiva”, sustentada pelas paredes da sala de aula, “enenzada”, “conteudista”, “punitiva” está fadada a morrer.
Professores, que só têm como recursos os slides, o powerpoint, a câmera de celular têm a falsa ilusão de que mergulharam no mundo da tecnologia. Ilusão? Sim. A linguagem virtual tem outra dinâmica: simplificada, móvel, colorida, interativa. Sentar um jovem em frente a uma tela de computador, durante 1h, “assistindo” a uma aula, chega a ser bisonho, basta observar a linguagem dinâmica do Facebook e do Instagram. São grandes os desafios: Como usar a tecnologia a favor da escola de forma interativa, o aluno não pode apenas ser um assistente do que a escola crê que deve ensinar? Como estabelecer uma relação que não envolva o mero adestramento via “plataforma”, tal como ela é usada hoje?
A pandemia do corona vírus fez com que essas discussões ganhassem contornos ainda mais fortes. No debate, todos queriam trocar impressões sobre como será a escola pós-pandemia. Eu não. Queria propor impressões sobre a escola de hoje, obrigada a pegar carona na calda do vírus, mais preocupada em dar uma rápida satisfação às famílias. Simplesmente transferiram a escola presencial para plataformas de videoconferência. Essas “plataformas” colocam o aluno, de novo, na condição de ser passivo. Diante de todos esses fatores, o professor quer que o aluno fale, participe, opine. Por isso, a redação é um bicho papão.
A escola foi pega com as calças nas mãos por um vírus. Inimaginável? Sim. Foi um ser microscópico que pôs a escola contra a parede. Mostrou o despreparo de educadores e escolas para lidar com uma situação inusitada. A sorte dela é que o aluno “enenzado”, acossado, “cheio de limites” só se preocupa com quantidade de horas/aula. Os professores do ensino fundamental estão à beira de um colapso, tiveram que criar estratégias de “ensino” na marra. Mas, mantiveram o mesmo sistema estressante de horas/aula sem levar em conta que entupir o aluno de atividades só geraria mais estresse.
Alguns problemas precisam ser ponderados: 1) A grande maioria dos professores não foi capacitada para usar ferramentas virtuais, apenas reprisam aulas presenciais. 2) Alguns professores são “analfabetos digitais” e não querem sair da sua zona de conforto. 3) A escola perdeu o bonde da história. A história do smarthphone, que contei acima, joga luzes sobre o hoje. “Não quero que meu filho use o celular na sala de aula, mas uso o meu nas reuniões”. Meu filho fica o tempo todo no celular.
A pandemia fez com que os pais finalmente aprendessem a diferença entre educação e ensino, filho e aluno. O confinamento desafiou pais a criarem estratégias para manterem crianças atarefadas, professores a se desdobrarem para chegar até elas. A escola do presente precisa olhar para o umbigo agora, para não se perder, querendo, “a toque de caixa”, fazer o que nunca fez. Agora é hora de dialogar, construir uma escola sem paredes.
Hoje, em uma propaganda, vi uma faculdade chamar pessoas para se matricularem, porque dá aulas com o mesmo número de horas de uma universidade presencial. Passei para outro canal.


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